A GAIOLA E A CAIXA DO BURACO

A GAIOLA E A CAIXA DO BURACO

24SET22

Sete e trinta da manhã cheguei a mina e estava no vestiário trocando minhas roupas e colocando todos os equipamentos de segurança obrigatórios e necessários. Meu celular fica guardado no armário, pois era proibido o seu porte na mina. Levo, debaixo do braço, o capacete branco, já encardido pelo tempo de uso, e junto com ele os protetores auriculares e os óculos. Aproximo da boca da mina e entro na fila com mais de cinquenta pessoas, da gaiola que leva doze trabalhadores de cada vez. O percurso desta gaiola é de 180 metros em um tempo de descida e subida de aproximadamente 18 minutos. Ela tem paradas nos 6 níveis ativos dos 18 existentes, levando e trazendo mineiros.

Chega minha vez, entro na gaiola com onze companheiros e a primeira parada é no nível 12 +1, no fundo da mina o 13 não podia existir, era sinal de perigo e azar, sendo amaldiçoado por todos os mineiros. Era o próximo nível a ser desativado, no princípio ou no final de outubro. Seis companheiros descem ali, pois no plano de lavra era ali que se concentrava o maior efetivo visando a desmobilização. Os níveis se sucedem e a gaiola pára em alguns para o desembarque de 1 ou 2 companheiros. Eu e mais dois nos dirigimos ao nível 18 que está sendo preparado para a lavra.

A gaiola reduz sua velocidade e com um forte estremecer ouvimos um estrondo e uma nuvem de pó e pedregulhos nos atinge. A gaiola abre as portas e nós corremos para a caixa de proteção e sobrevivência. Esta caixa existente em todos os níveis, é um cubículo de 2,5 x 2,5 x 1,8 de altura, feita em chapa de aço muito grossa e capaz de suportar 100 toneladas de pressão direta. Tem uma caixa d´agua de 1000 litros e uma prateleira com comida desidratada capaz de sustentar 6 homens, número máximo de trabalhadores por nível, por até 30 dias.

Eu e os dois companheiros tremíamos e tínhamos no rosto a expressão do pavor. Éramos instruídos a aguardar 10 minutos após cessar todo o movimento ou barulho. E assim procedemos. Ao fundo da caixa, do lado oposto a entrada existia uma pequena moldura de 10 cm x 10 cm que ladeava uma chapa perfurada que recebia o duto de ar e de comunicação, que era perfurado do lado contrário ao túnel vertical da lavra e logo abaixo um teclado numérico de 0 a 9 e com uma tecla vermelha e outra verde.

Imediatamente ao recobrar o controle da mente levei minha mão até a chapa perfurada e senti o ar que por ali passava. Apertei a tecla verde, que indicava que estávamos bem. Ato continuo ouvimos uma voz dizendo ser da sala de controle, que pedia nossa identificação e se haviam feridos, ou alguém fora da caixa. Feito isso, noticiaram que ouve uma explosão no nível 12+1 e que provavelmente atingira de maneira fatal aos trabalhadores que ali estavam. Nos demais níveis todos os trabalhadores conseguiram chegar a caixa de sobrevivência, alguns com leves escoriações. Em seguida nos disseram para seguir as orientações do manual existentes nas caixas e que nosso resgate já estava sendo providenciado.

Estávamos ali os três ainda nos refazendo do susto, sem termos trocado uma só palavra. Agradecidos pela vida que fora poupada, nos ajoelhamos e fizemos uma oração por aqueles que se foram e para que o caminho do resgate fosse rápido e sem perigos, de forma a que todos que estavam cativos voltassem a ver a luz do sol.

As lanternas de emergência eram programadas para se acenderem em intervalo de tempo cada vez mais espaçados conforme a carga da bateria que restava.

O tempo passava, a inatividade que só era quebrada por exercícios físicos que fomos treinados a fazer em tal situação, não afastava nossa angustia e o medo da impossibilidade do resgate, estávamos no nível mais profundo e sabíamos que existiam pelo menos 5 níveis antes do nosso a serem acessados. Cada dia parecia um ano e cada hora uma semana. Resolvemos nos revessar para dormir, de forma a não perder nenhuma das instruções ou notícias da sala de controle. Para não perdermos totalmente a noção dos dias passados desde o acidente eles diziam o tempo decorrido, a data e a hora atual. Noite e dia deixaram de existir as luzes de emergência agora se acendiam por pouco tempo e se apagavam. Por vezes a sala de controle colocava uma música e nos dava notícias sobre as equipes de resgate que já haviam atingido o nível 16 e que estava próxima a chegada ao nosso nível, pois no nível 15 e agora no 16 o desmoronamento fora parcial e com isso o tempo de resgate foi menor.

Era o meu plantão e anunciaram que a equipe já estava no nosso nível, acordei os companheiros. Haviam se passado 14 dias desde o acidente no 12+1. Anunciaram que ainda seria necessário esperarmos, pois haviam 11 grandes pedras que impediam chegar até a porta da caixa e que eles estavam evitando de explodi-las, usando perfuratriz e pressão hidráulica para eliminá-las. Disseram que estávamos no 17º dia, e uma grande rocha permanecia impedindo a chegada a porta da caixa e a nossa salvação. A voz metálica que chegava da sala do controle anuncia que pelo tamanho da rocha e pela posição que se encontrava, por mais que procurassem evitar, a explosão seria necessária. Seriam duas explosões, sendo a primeira com pouca carga e a última de maior intensidade. Disseram para que ficássemos ao fundo da caixa e agachados com a cabeça entre os joelhos. Tocariam uma sirene antes da primeira explosão. Toca a sirene e sentimos a primeira explosão, passa o tempo e não ouvimos a segunda. De repente vemos a porta da caixa se abrindo e o líder do resgate pede que antes de sairmos rumo a liberdade apertássemos a tecla verde que confirmaria nosso salvamento.

Geraldo Cerqueira

Geraldo Cerqueira
Enviado por Geraldo Cerqueira em 25/09/2022
Código do texto: T7613856
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.