Na Escuridão Encontrei a Luz

Nestes últimos dias, tudo que mais desejei foi sentir de novo aquele cheiro de orvalho de fim de noite. Era como se fosse um cheiro de musgo molhado de uma madrugada vazia e fria.

Para refrescar minhas lembranças, eu voltei exatamente ao ponto da rua em que sentia esse aroma. Lá chegando, não senti nada. Pensei que, talvez, pudesse ser o horário. Era quase sete e meia o sol estava começando a esquentar e as gotas de orvalho já deveriam ter evaporado.

Sei lá. Pensei.

Retornei, então, mais tarde. Não tão tarde como em minhas recordações, mas quando lá cheguei, outra vez, nada, de novo. Infatigável, resolvi esperar um pouco mais a noite acontecer. Quanto a lua estava bem alta, mais uma vez, puxei fundo minhas narinas, mas nada.

Que coisa...

O que eu estava fazendo de errado?

Voltei para casa e, numa última jogada, mas dessa vez em outra noite, tomei alguns goles de cerveja até ficar um pouco tonto e, insistente que sou, retornei ao mesmo centímetro de asfalto em que minhas memórias diziam ser o local perfeito para sentir aquele cheiro característico de musgo húmido e orvalho amanhecido.

Abri bem meus respiradores, mas não inspirei profundamente. Devagar, sereno, tentei sentir a menor brisa e quando encontrei seu toque suave em minha face, deixa-a ingressar livremente e deitar-se em minhas fossas nasais, abri um pouco os lábios para tentar sentir o seu sabor...

Mas, nada. Encontrei somente a porcaria do absoluto nada. Fechei um dos punhos, o escorei na cintura e olhei lentamente para todos os lados, acho que tinha meus olhos arregalados como uma criança perdida.

Será que estava sendo enganado por uma memória adocicada, adornada com fina flor e fragrâncias que jamais existiram de verdade?

Voltei pra casa decepcionado e cansado de passar os últimos dias (e noites) arrastando minha fiel escudeira pelo chão duro de pedras asfálticas. Mais de quarenta e cinco minutos de passos esgotados de minha casa até chegar ao bendito meio-fio com suposto cheiro fresco e reconfortante. Minha escudeira era uma bengala de mogno com pés de borracha carcomida que me carregava e me ajudava a encontrar o caminho de volta para cama, nós caminhávamos como lesmas ansiosas e caquéticas.

Durante esse tempo que caminhamos de volta, encucado, fiquei esquadrinhando minha cabeça qual seria razão de não conseguir encontrar o local de minhas lembranças. Quando, enfim, cheguei em meu quarto, deitei sob lençóis frios e trises e fechei os olhos. A imagem da rua e seu meio fio quebrado apareceu em minha mente. A imagem, de início, estava embaçada e piscava frenética como se lhe faltasse energia, mas se firmou logo em seguida.

Assim, nítida, eu vi um sorriso feliz brotar em meus olhos sem rugas e o cheiro característico veio tão forte que abri meus olhos. Acordei um pouco assustado e sentei na beirada da cama, a respiração estava tranquila e mesmo após alguns segundos ainda conseguia sentir o sabor do cheiro na ponta da minha língua.

Então, na penumbra do meu quarto, eu sorri.

Descobri e pude ver, por fim, que eu não queria apenas sentir novamente o cheiro humedecido de musgo e folhas secas que drapejavam pelo chão em minha juventude... Eu desejava viver o momento outra vez, e todas as vezes em que eu voltava ao local, o tempo não estava mais lá. Aquele o momento estava tão longe que jamais conseguiria alcançá-lo outra vez.

Antes de voltar para meus lençóis frios e finos para deitar-me e adormecer, não tenho certeza, mas acho sorri. Sorri ainda mais quando me dei conta do motivo que me fez guardar aquele cheiro característico por toda uma vida.

Seu nome era Isabel.

Eu a enterrei ano passado.

Segundos antes de dormir, acho que pedi perdão a Deus por desejar morrer.

Fechei os olhos e na escuridão encontrei a luz.

Fábio Pimenta
Enviado por Fábio Pimenta em 27/11/2022
Reeditado em 27/11/2022
Código do texto: T7658811
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