TARDE DE DOMINGO

Naquela tarde de Domingo. Tudo parecia normal. Igual a todas as tardes de domingo que já viveu. Ou deixou de viver. Sentado no sofá. Defronte a TV. desligada. Até aquele momento só pensava que era o único diferente das outras pessoas. Porque elas estavam assistindo aos programas dominicais intermináveis. Ainda pensou em não ser diferente e apanhar o controle da TV e evitar qualquer pensamento que o desviasse da rotina dos domingos televisivos. Olhou ao seu redor em busca de algo que o distraísse e que fosse mais atraente que o controle remoto. Mas não avistou nada além de um caderno de promoções do supermercado e uma lista telefônica que pendia na beira da estante. Apoiou suas mãos no sofá como se fosse apanhar o classificado de compras. Mas se lembrou que não tinha dinheiro se quer para as ofertas mais baratas. Olhou desanimado para a lista de telefones. Mas não havia para quem ligar. Afinal. Estavam todos assistindo TV naquele momento. Ninguém iria se preocupar em atender a suas ligações. Jogou-se no sofá novamente. Olhou fixamente para o teto e com a imaginação de uma criança. Quis inocentemente que ali abrisse uma janela que o levasse para fora do seu pesadelo. Mas ele não era mais criança. E tão pouco inocente. A TV lhe roubara tudo. Até mesmo a chance de Ter um livro a mão naquele instante. Lembrou que tinha alguns vídeos na prateleira ao lado do sofá. Mas ainda seria necessário ligar a TV. tudo que menos queria. Olhou novamente para a televisão desligada. Tentando se convencer de que deveria ligá-la. Ainda pensou que poderia estar perdendo algo super interessante num daqueles programas. E deveria ligar imediatamente para conferir. Afinal de contas. Eram vários canais. Pelo menos um deveria estar mostrando naquele momento algo que valesse a pena. Convencido. Avançou avidamente no controle. Mas não teve coragem de apontá-lo pata o alvo. Olhava os botões com os olhos de quem não entendia como aquilo tinha ido parar em suas mãos. Era um homem forte. Do tipo que não sucumbe por causa de pequenas coisas, sentimentos ou qualquer outra “bobagem”. Jogou o controle no tapete e voltou a olhar para a TV desligada. Onde via sua imagem refletida. Transtornado por causa da situação. Foi acometido por uma tontura e tudo começou a girar subitamente. Foi quando se deu conta de que era a sua alma que estava aprisionada dentro da televisão. Não era apenas um simples reflexo. Começou a suar frio. Suas pupilas dilataram. E suas mãos gélidas ficaram tão brancas quanto seus lábios trêmulos. Tinha certeza de estava realmente preso dentro do aparelho e começou a andar de um lado para o outro e ao redor do sofá. Sem desgrudar os olhos da tela. Era uma tarde chuvosa e fria. Não podia sair nem para o lado de fora da casa. Nem para o lado de dentro da tela. Um pânico começou a consumir-lhe num arrepio congelante que subia pela espinha e fazia as pernas formigar. Já não sabia o que fazer. Sabia que se ligasse a TV perderia para sempre a oportunidade de tentar mudar as próximas tardes de Domingo. Pois não suportaria esperar sete dias mais até o próximo domingo e sofrer tudo novamente. E de quantos domingos seria necessário. Não. Sua única chance era essa. Começou a chorar desesperadamente. Não havia ninguém para conversar e fazer esquecer. Já estava se conformando com o fim. Quando se lembrou da arma que secretamente guardava debaixo do sofá. Apanhou o revolver. Estava carregado. Voltou-se para a TV. olhou novamente seu reflexo que dizia ser a própria alma. Mas não pode fazer mais que isso. Colocou a máquina de fogo ao lado do controle remoto. Confuso. Parecia não entender. E realmente não entendia. Suas mandíbulas serravam os dentes num ruído apertado. Olhou novamente para a arma e para o controle. Num último momento de razão e lucidez que sua cabeça ainda preservava. Questionou se deveria apertar o botão do controle ou o gatilho do revolver. Naquela tarde nublada e fria de Domingo. A única duvida que restou foi a de saber ao certo. Quanto tempo depois de ter ligado a televisão é que ele disparou a arma contra a cabeça.

[rh.16.07.05]

Ricardo Henrique
Enviado por Ricardo Henrique em 13/12/2007
Código do texto: T777011