Metáforas em série

Laura estava como todos os dias, escrevendo um de seus romances renomados que ecoavam em bibliotecas e livrarias de sua cidade natal, Curitiba. Os seus bestsellers eram lidos por inúmeros fãs que não se cansavam de passar os olhos e de se deliciar em palavras tão bem postas, como se fossem crimes cometidos diariamente em uma cidade tão movimentada como era sua cidade. Sim, ela adorava escrever sobre crimes e se inspirava em suas pesquisas. Escrever não é só organizar as palavras e sentidos, mas é também ir atrás dos fatos. Ela não copiava os casos como seus olhos viam, mas sim como seu coração os enxergava. Ela criava fatos sobre os fatos reais. Sabia muito bem que não era uma jornalista, e sim uma escritora de contos policiais. Seus contos eram publicados em jornais impressos e também nas páginas digitais. E lidos constantemente.

 

Seus leitores não se contentavam apenas em ler, entretanto eles sentiam necessidade de escrever, elogiando, dando ideias, comentando suas impressões. Esse olhar de fora dava mais motivação para Laura continuar escrevendo, nesse círculo vicioso. Laura alimentava seus fãs com contos e histórias maravilhosas, e seus fãs respondiam com essa onda avassaladora dos leitores. Literatura é antes de tudo essa comunicação que vai e volta. Ideias alimentando ideias. "

 

Em um certo momento, Laura se impressionou com alguns directs que ela recebia em seu instagram, onde ela postava partes das histórias que ela estava escrevendo antes de publicar nos jornais. Esses comentários nos directs de Instagram que ela recebeu aparentemente era de um fã que permanecia anônimo através do nome "Vingador apaixonado". Esse nome era enigmático demais para ela, e enquanto lia os directs, algo a segurava nesses textos, nessas mensagens. As metáforas que ele introduzia a deixavam perplexa. E eles começaram a trocar mensagens. Ela pergunta. Ele respondia. E o vingador sabia atrair a atenção de sua presa. O vingador, fã incontestável de Laura, dominava a arte de cativar. 

 

"Quando tudo estiver terminado, você entenderá as dores causadas por essas presas selvagens abatidas". Em seguida, "Laura, você consegue se colocar no lugar de um caçador quando atinge o alvo? O sangue o faz delirar; observar o sangue escorrer por entre o corpo inerte de uma presa". Laura tentava fazer esse exercício se colocar no lugar do caçador. Ela não entendia a princípio essa metáfora, porque ela não era uma psicopata. Esse pensamento a faz estremecer, talvez estivesse diante de um psicopata: "caçador", "presa", "sangue", "corpo". Sempre que ele lançava essas sementes, ele sumia. E parava de responder.  Isso a hipnotizava. 

 

Quando Laura estava assistindo ao noticiário, viu uma reportagem de um assassinato em que o algoz deixou várias pistas, uma delas era uma frase enigmática. A reportagem estava ao vivo e os policiais entrevistados não disseram que frase era essa, eles sabiam que só o assassino poderia saber o que continha na frase se eles não dissessem pra ninguém o conteúdo dela. Laura saiu de casa e correu até o local do crime. Chegando lá, a nossa escritora começou a conversar com os policiais e enquanto estava falando com o policial Diniz, ela conseguiu ver a frase que queria no local em que o assassino deixou. A frase dizia: "O caçador chegou até sua presa". Somente isso. E os policiais não faziam ideia do que significava aquela frase. 

 

Depois disso, todos os lugares onde os policiais estavam investigando o caso, lá estava Laura, bisbilhotando, e tentando desvendar o enigma. E sua audácia era tão grande, que os policiais chegaram a desconfiar dela. Passando assim a segui-la também. Era um ciclo, os policiais investigavam o crime, dando brechas para a escritora. E a escritora também fazia sua investigação particular alimentando a curiosidade dos policiais. 

 

Ela observava tudo e ouvia atentamente os interrogatórios, mas foi através de um informante na polícia que ela soube que havia outros assassinatos ligados a esse em investigação. Seus dedos coçavam para decifrar as metáforas do autor dos crimes, e ela sentia que estava prestes a desvendar todo o caso. Vira e mexe o vingador aparecia em seus chats, em seus directs, nos comentários de suas postagens. No meio de muitos fãs que a seguiam no instagram, o vingador sempre estava espreitando a sua presa. Muitas vezes até conversando. E ela também o atraía para tentar receber mais pistas. 

 

Certa vez, em seus diálogos, presa e predador ultrapassavam os limites territoriais estabelecidos, e ela perguntou: "Você também cometeu outros crimes", e de maneira surpreendente, o predador respondeu: "No meio de uma cesta de frutas podres, eu podia aproveitar apenas 8. Retirei as 8, para que não se contaminassem". Ele queria muito falar pra ela, mas ele sentia que tinha que estar no controle. Depois de falar essas coisas, parou de respondê-la. Ela então entendeu que tinha que decifrar. E essa parecia fácil demais pra ela. Provavelmente houve  outros assassinatos, lembrou que o policial Diniz, seu informante, tinha passado pra ela que havia outros 6 assassinatos em investigação ligados ao atual, em épocas diferentes, em locais distintos. Ela apenas queria a confirmação do próprio autor. 

 

Ela estava em um bar com o policial Diniz trocando informações. Ela tinha confessado naquela ocasião sobre as interações entre ela e o "vingador apaixonado". Diniz chamou a sua atenção por não ter falado sobre ele antes. Porém, entendeu e se acalmou, porque o mais importante era achá-lo. Juntos começaram a analisar as conversas, as metáforas. A primeira era sobre o caçador, e a segunda sobre o coletor que recolheu 8. A primeira metáfora confirmava que o vingador era o assassino, porque se encaixava no bilhete do crime, e a segunda falava sobre oito crimes possíveis. Mas eles estavam investigando 6, e o sétimo tinha acabado de acontecer. Logo eles ficaram aterrorizados pensando que poderia ter mais uma vítima. Ou era uma vítima que eles não tinham descoberto ainda uma ligação com essas, ou seria uma futura vítima. E se fosse uma futura vítima? 

 

Analisando os perfis de todas as vítimas, Laura e o Diniz tentavam traçar o perfil desta oitava vítima. Lendo um por um no relatório da polícia, uma ideia penetrou na cabeça de Laura, e ela quase gritou essa evidência terrível.

 

Laura afirmou a Diniz: “Todas as vítimas eram influenciadoras digitais. Todas mulheres, de 18 a 30 anos, que produziam conteúdos sobre crimes na internet. E se a oitava também for uma influenciadora?”. O policial Diniz suou frio ao pensar que a oitava vítima poderia ser a própria Laura. Porque ela era escritora e produzia conteúdos na internet sobre crimes atuais no instagram e no Youtube. Ele falou essa ideia pra Laura. E Laura teve uma grande ideia, ao invés de medo, subiu nela uma esperança. Serei uma isca perfeita para prender o predador. Os dois concordaram. Diniz voltou à delegacia com um plano e compartilhou com os outros policiais em uma reunião com todos que estavam participando do caso.

 

Assim que ele confessou que era informante da Laura, os outros policiais ficaram na verdade aliviados, porque Laura era uma das suspeitas. Ele disse para todos em uma palestra sobre o plano que ambos, Diniz e Laura, haviam elaborado. Alguns resistiram à princípio, porém depois de argumentarem que é a única maneira de prender o assassino em série, todos aceitaram. O perigo e o risco eram partes de todas as investigações que policiais promoviam, e essa não seria diferente. Laura era uma escritora, mas quem foi que disse que os escritores não correm riscos? Sim, escrever uma obra literária sempre foi um risco. Um risco de ser exposto e decifrado que vale a pena ser vivido. Laura sabia disso, e estava disposta a essa empreitada. 

 

Ela entrou ao vivo no Instagram como fazia todas as terças-feiras, era a terça-feira misteriosa, um quadro que ela promovia em seu canal e em seu instagram. E nessa terça-feira misteriosa ela expos todas as pistas verdadeiras do caso, tudo autorizado pela polícia (era parte do plano), e ela expôs as metáforas e as interpretações para irritar o vingador apaixonado. Deu certo, naquela noite, o vingador entrou em contato com ela pelo direct do Instagram. Tentou parecer normal, mas Laura sabia que ele tinha ficado nervoso. Ela mostrou que tinha o domínio do assunto. E todo psicopata gosta de poder, e ter o domínio sobre a presa. A presa voltou-se contra o predador, Laura sabia disso, porém o predador ainda não sabia. 

 

Laura, sem se exaltar, conversava com o criminoso sobre toda a rotina dela, falou onde ela gostava de ir, com quem saía, onde saía, o porquê saía. Ela contava tudo. Era como se jogasse as iscas pelo caminho para que a presa caísse na armadilha. E assim, no dia seguinte, a polícia, disfarçada, seguia Laura por onde ela ia. Todos estavam à paisana. Laura seguia sua rotina rigorosamente, de maneira ritualística, como se fosse uma devota da rotina. Não era muito o hábito dela, mas nesse dia ela seguiu implacavelmente todos os passos que ela havia dito para o vingador apaixonado. No momento em que ela estava na academia, malhando, fazendo seus exercícios prediletos. Uma figura improvável se aproximou. Era seu editor. 

 

Ele fingiu surpresa, enquanto ela estava realmente surpreendida. E ela cumprimentou seu chefe e editor: "- Osvald, o senhor por aqui?" E ele respondeu: "Eu não posso cuidar do meu corpo nas horas livres?". Eles riram disfarçadamente. Como se fosse realmente espontâneo. E eles se dispersaram dentro da academia. Cada um em seu aparelho. Os policiais, entretanto, perceberam que Osvald não tirava os olhos de Laura. Eles sabiam que na lista improvável, Osvald subia posições entre os suspeitos, até ligarem o sinal de alerta. Os policiais chegaram em um momento que não tinham mais dúvida. Osvald tornava-se o suspeito número um. Depois da conversa e de observarem o predador rodeando a presa. 

 

Quando Laura estava satisfeita do seu exercício rotineiro, entre supinos e esteiras, ela se levantou, alongou-se vagarosamente olhando ao seu redor para ver se tinha movimento suspeito. Entrou no chuveiro, sem saber que a polícia tinha notado a movimentação de Osvald, ela ainda não sabia, mas Osvald, quando ela se levantou, assustou-se com o movimento de Laura, e ficou esperando disfarçadamente em frente ao banheiro, como se fosse um tigre esperando o momento certo de partir pra cima ou uma serpente analisando o momento de dar o bote. O Osvald mal sabia que em volta dele havia pelo menos cinco policiais disfarçados também o rodeando. Nesta cena, quem era o predador? Quem era a presa? 

 

Quando Laura saiu do banheiro, depois de uma ducha de água fria, como ela gostava, viu Osvald e se despediu do chefe, ela saiu da Academia e nem deu tempo de perceber que o vingador apaixonado colocou as mãos em cima dela, já pronta para agarrá-la e colocar dentro do carro. E os cinco policiais colocaram as dez mãos em cima de Osvald. Parecia o mesmo instante, porém primeiro as mãos de Osvald seguraram os ombros de Laura, e alguns milésimos de segundos depois os policiais já estavam agarrando o vingador apaixonado.

 

Laura nesses segundos olhou pra trás estarrecida com a cena. Cinco policiais rendendo Osvald seu editor e chefe que via Laura todos os dias no trabalho diário da editora. Com muitas interrogações na cabeça somente deu tempo para ela esboçar uma pergunta: "Osvald por quê?". Osvald deu um sorriso irônico, satisfeito de ter sido pego, e de todos os olhos estarem apontados para ele. Ao invés de sentir vergonha, como todos os reles mortais sentem, ele sentiu orgulho. Não demorou para a imprensa aparecer e mostrar na TV as barbaridades que esse psicopata havia cometido. Ninguém imaginava que seria ele o autor dos 7 crimes, principalmente, Laura. Ela dormiu aquela naquela noite, com a pergunta em mente, "por que Osvald matou as sete mulheres inocentes, e por que ele tentou matá-la?". Essa pergunta a perseguiu por muito tempo até se conformar que o predador tinha sido pego pela presa. Essa experiência rendeu muitas histórias novas em seu repertório. Essa memória nunca havia sumido, ao contrário, alimentava a sua escrita. O ex-editor estava apaixonado por ela? Odiava ela? Ele queria vingança? Ela nunca saberia. Apenas sabia que ela por um momento viveu como se fosse uma personagem de uma história de crimes reais. Ou seria uma ficção? A única certeza é que ele estava na cadeia, depois de cair em uma armadilha armada por ela. Vida que segue.

 

Metáfora encerrada. 

 

Eduardo Eide Nagai
Enviado por Eduardo Eide Nagai em 07/05/2023
Reeditado em 07/05/2023
Código do texto: T7781956
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