Acasos

Dias nublados tinham certa beleza, algo que trazia expectativa, como se o risco de cair gotas do céu fosse mais mágico que apenas um ciclo de evaporação.

O vento agitava o vestido claro, os cabelos presos em coque se mantinham com graça, o rosto bem maquiado era o toque final daquela beleza misteriosa, e dentro daqueles olhos castanhos um nebuloso mundo...

-Você me quer?

O rapaz do estacionamento não podia acreditar que aquela musa levantava a leve saia mostrando a torneada perna.

-Deseja este corpo?

Ele mal podia responder, a respiração acelerada, o coração disparado, os desejos se aflorando. Ela, então, segurou na mão daquele homem e o levou a seu apartamento, sentou em seu sofá negro, e buscou uma bebida doce em uma taça de cristal... ele bebia sem tirar os olhos dela.

As alças do vestido escorreram pelos ombros, o homem paralisado a olhava em deslumbre, assustou-se um pouco com a tatuagem ao redor do umbigo, uma serpente que mordia a própria calda (oureobos*), mas aquele corpo perfeito era hipnotizante, ela então se acariciou, convidando-o a tocá-la , ele estava dominado por um sentimento indescritível, ela transpirava poder, e isto o assustava, nunca viu uma mulher trazer tanta força nos olhos! Tocou a pele mais macia, sentiu o corpo mais firme e belo, e teve o prazer mais forte, profundo, mais louco de sua vida, mas antes de adormecer podia jurar ter visto serpentes sobre a cama...

Ele nunca mais a viu, foi embora do prédio, mas continuava sempre povoando seus sonhos com volúpia, ele acordava exausto, extasiado, sempre tinha a sensação de ter as forças sugadas...

Caminhava pelas ruas, se lembrando distraído da mulher que um dia, loucamente, possuiu, depois de tanto tempo parecia quase um sonho, sua esposa era bela, mas nunca tão bela quanto aquela... Ia passando pelo parque, quando paralisado viu uma moça, ela era jovem, devia ter uns 15 ou 16 anos, via nela exatamente o poder e a beleza daquela de quem se lembrava! Olhou para a moça, aquele corpo lindo e jovem tinha a mesma graça daquela do passado; quando notou que os olhos da moça se voltaram para ele, de repente, ficou desconcertado, ele era um homem de 40 e poucos que percorria com olhos famintos a curvas de uma moça! Sentiu vergonha.

-Olá...

As pernas bambearam, a voz não saiu.

-Olá mocinha.-usou este termo para tentar diminuir a volúpia dos olhos daquela pequena que praticamente saltavam ao olhar para ele.

Vestia uma calça jeans justa, uma blusa leve, e uma bolsa de cor forte, sorriu de um jeito sensual e desdenhoso ao mesmo tempo.

-Acho que conheço o senhor... Não seria amigo de minha mãe?

-Quem é sua mãe?

-Ela se chama Maeve.

-Não conheço ninguém com este nome... Falando em nome, não é um nome comum...

-É o nome de uma rainha Celta, significa “Mulher ébria” ou rainha-loba, é um nome forte...

-E você como se chama?

-Sucena.

-Nome bem incomum também...

Ela sorriu de um jeito doce.

-Vamos até minha casa, quero que conheça minha mãe.

Acompanhou a moça, já estava mesmo encantado, talvez conhecesse a mãe dela de fato, mas aquele nome não teria esquecido, pois era totalmente incomum...

Chegou à casa da moça, convidou-o a sentar, ofereceu algo para beber, ele aceitou, trouxe um suco, ele tomou, não era de nada que já tinha tomado, mas era delicioso.

-Que suco é este?

-Ah, é de alguma fruta exótica, minha mãe compra em algum lugar louco desta cidade.-sorriu- o que o senhor faz da vida?

-Sou engenheiro...

Contou varias coisas de sua vida, não sabia se tinha sido o suco, mas sentia uma incrível liberdade, como se pudesse voar, a moça cada vez mais era uma deusa a seus olhos, nem pôde notar quando tudo aconteceu, mas logo já transpirava sobre aquele corpo jovem e esguio, e sentia um prazer incomparável, nem se lembrou de sua esposa, apenas se deixou sentir aquela sensação louca de um momento de devaneio. Quando acordou algum tempo depois se viu observado por dois pares de olhos, da mulher de seu passado e da moça que acabara de possuir, as duas olhavam para ele quase com pena, estavam nuas e traziam a mesma tatuagem ao redor do umbigo, vendo então lado a lado pode notar finalmente que era filha dela, e pôde ver, então com pavor que aquela pequena tinha seus olhos negros... Acabara de possuir sua própria filha....

Oureobos*=Esse símbolo alquímico simboliza o ciclo eterno, o fim e o principio tocam-se um mesmo ponto, simboliza a continuidade da vida. Num antigo manuscrito alquímico vê-se a serpente com metade da cauda preta (a terra, a noite) e metade branca (o céu, a luz). Noutros símbolos utiliza-se um dragão.

T Sophie
Enviado por T Sophie em 17/12/2007
Reeditado em 20/11/2014
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