Em Uma Noite Gelada

“Quanto tempo tenho? Tempo, na verdade, não tenho”, ouvi isso umas dezenas de vezes. Acreditei que fosse somente um sonho, um delírio da minha demasiada imaginação ou alucinação auditiva.

Estive vivendo mal bocados, talvez eu já estivesse à beira da demência, e eu poderia jurar de pés juntos que ontem ouvi os passos da minha avó, mansos e lentos, passar em frente a porta do meu quarto.

A noite estava fria e eu imerso em um breu que mal dava para ver um palmo a minha frente. Sob o incômodo de um silêncio perturbador, senti-me medroso a ponto de chamá-la.

— Vó!

Quem nunca ficou paralisado sobre a própria cama sem conseguir mover nem sequer um dedo das mãos? Congelei ainda mais. O frio parecia ter se deitado ao meu lado. Tremi ainda mais de medo e, tanto era o meu pavor que a chamei ainda mais alto.

— VÓ!

A porta do meu quarto rangeu ao ser aberta. Uma brisa gélida adentrou o ambiente, mas a minha avó não estava presente. Quem diabos havia aberto a minha porta?

Eu não conseguia sequer fechar os meus olhos, embora não me fosse possível ver nada, pois luz alguma havia avista, fiquei aterrorizado, imaginando que algo surgiria do nada. E, que coisa seria essa? Justamente essa questão que alfinetou a minha consciência. Estaria eu em um sonho que se sonha acordado?

Não ouvi mais nada. Estava tudo gelado, e eu muito arrepiado, respirando com dificuldade, pois comecei a sentir uma pressão sobre o meu peito. Parecia haver alguém sobre mim. Não obstante, não era só impressão. Senti um ar cálido atingir o meu rosto, nele havia o cheiro de hálito. O medo era tanto que não consegui distinguir se esse hálito era bom ou ruim.

A minha orelha direita se eriçou e próximo dela ouvi o meu nome ser pronunciado por uma voz distante, como se eu estivesse no meio de um campo e lá, ao longe, alguém me chamando. Foi tudo tão estranho à proporção que o pavor em mim crescia exponencialmente.

Unhas grandes roçaram o meu peito, senti sofrer três longos cortes e então, quando a minha garganta se fechou e as minhas narinas não conseguiram mais inalar o ar, tive um abrupto despertar.

O meu corpo tremeu sutil e rapidamente sobre a cama. Era um típico espasmo muscular. Quando retomei a consciência do que havia de fato ao meu redor e sobre mim, notei que os meus olhos estavam vendados com a minha venda de dormir.

Retirei a proteção dos olhos e, de imediato, acariciei a minha gata que se aconchegava sobre o meu peito. Foi então que, ao ver a porta aberta, lembrei de que havia a deixado só encostada e, por consequência, o vento da noite fria havia a afastado.

Nossa! Como foi bom perceber que eu só havia tido um terrível pesadelo. Virei o meu rosto de lado e fitei a fotografia da minha avó, em um quadro que coloquei ali, sobre a mesa de cabeceira, para eu nunca esquecer de como ela era, do quanto me fez crescer e das dezenas de histórias de arrepiar que me contou em noites como essa.

J P S BEZERRA
Enviado por J P S BEZERRA em 02/07/2023
Reeditado em 06/07/2023
Código do texto: T7827202
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