Sobre as nuvens

- Quem desenhou as nuvens, papai?

A pergunta jovial do filho entusiasmou o pai, que, absorto em seus próprios problemas, acabou esquecendo que possuía seu pequeno livro aberto e em branco.

Às vezes, prestar atenção nas coisas que mais importam é tão difícil quanto descobri-las importantes.

Ninguém nos ensinou a descobrir o que é realmente importante, ninguém jamais escreveu um livro sobre isso!

Quer dizer, já tentaram, de forma extremamente superficial, inocente.

O que realmente é importante? A ponto de dizermos que faríamos qualquer coisa para mantê-la, protegê-la…

O pai, ainda observando o filho contente e em branco olhar para o céu e seus dragões, balões e bicicletas, ergueu o rosto para o céu estampado, e, começando a descrever cada desenho em sua própria imaginação, foi apontando para si os que descobria.

Já o pequeno, imediatamente ignorando os conselhos adultos de seu pai, já via tantas outras opções para os desenhos que se levantara e fora logo caminhar pela grama rasa que ocupava toda a região onde se divertiam sob o sol daquela tarde.

O pai olhou para o filho caminhando para longe e deixou a mente devagar…

E tão fácil e reconfortante não ter nada a pensar, a fazer!

Mas, pensou subitamente, o que era necessário para aquilo…

O que é realmente importante?

Estava no portão.

Os cadeados, maiores que as palmas de suas mãos juntas, davam medo, mas não significavam ameaça alguma.

Pegou um forte cortador de grama, estraçalhou as correntes e entrou. Nada o impediria agora.

Seguiu todo seu caminho até a porta do quarto. Tinha tudo planejado na mente… projeto de anos, que, enfim, tornava-se real.

Realmente, o que é importante para nós?

Abriu a porta lentamente, e, lá dentro, tomou-se de surpresa.

O quarto, que antes era um escritório morto e frio, tornou-se alegre e cheio de vivacidade.

A respiração lenta e confortável do pequeno ser, deitado de bruços sob seus lençóis de estampas coloridas.

Ele não contava que ali estaria um bebê.

- O, o… o que você deseja?

A voz trêmula da senhora chegou a seus ouvidos assustadoramente.

- Eu…

- Leve tudo o que quiser, mas, pelo amor de Deus, não o machuque…

- Quantos meses…

- Três…

Olhou o pequeno ser remexer-se… aquela conversa o incomodava! Parem logo com isso, quero dormir!

- Eu juro que não chamo a polícia…

Não obteve resposta.

O que realmente é importante para nós? Para cada um de nós…

- Eu tenho um filho também, moça…

- Então você sabe o que estou sentindo, senhor. Por favor.

- Não, não irei machucá-lo… mas, como você, preciso comer. E meu filho também.

- O que eu posso fazer pelo senhor?

- Eu preciso de dinheiro, moça… vim atrás só de dinheiro. Aqui era um escritório…

- Sim, nós mudamos lá para baixo para não incomodar o bebê… o senhor?

- eu trabalhei para você, durante 7 anos… mas vocês me demitiram, assim que eu disse que era pai.

- Tenho certeza que não foi intencional, senhor…

- Não foi?… estranho, o seu marido não disse isso… mas, tanto faz. Eu não machucaria uma criança, mas preciso urgente de dinheiro.

- Olhe, eu não tenho nada aqui…

- Eu sei que é mentira, moça.

Ele se aproximou do berço.

- Não, não o machuque!

- Eu já disse que não mato crianças, moça!

Os nervos se elevaram. Ele não gostava da situação, principalmente com aquela mentira! Por que mentir, já que estavam indo tão bem?

- O que é realmente importante para a moça?

- Meu bebê!

- Então, moça, vou te fazer uma proposta. Eu quero dinheiro. Muito. E quero mais uma coisa. Quero um emprego. Eu poupo a vida de seu filho.

- Eu não posso fazer isso…

- Tenho outra opção, então. Eu quero a vida do seu marido.

A moça ficou atônita… olhou para o senhor que estava ali, encapuzado, de olhar avermelhado e cruel, monstruoso.

Ficaram alguns segundos a ouvir o chuvisco da madrugada.

A respiração do bebê alterara um pouco e os dois ficaram ainda mais em silêncio.

Respirações paralisadas…

Esperando.

Um suspiro gostoso saiu do pequeno corpinho, e, o sono tranqüilo retornou…

- como… como assim?

- Eu quero a vida dele.

- Você quer matá-lo? Por quê?

- Matá-lo?

Pensou.

- Não, não quero matá-lo. Quero ser ele. Quero ser seu marido.

O homem tirou o capuz que escondia seu rosto envelhecido pelo capitalismo.

- Você?

Ela olhou espantada!

Não podia ser aquele homem! Logo aquele, em quem confiou por tanto tempo!

Aquele…

Ele.

Os pensamentos embolaram, saíram de prumo! Meu… Deus.

- Você ainda se lembra de mim?

- Eu… não… pude esquecer.

- Você me amou?

- Nunca deixei de fazê-lo…

- E mesmo assim, deixou-me morrer?

- Não pude fazer muita coisa… meu marido… olhe, tenho que contar uma coisa muito importante!

- Eu não sei se quero saber. Quero só uma coisa: a resposta.

O que realmente importa? Acho que ainda não respondi a pergunta…

- O que é importante para você, moça? Eu, já sei que não sou… se fosse, você não teria deixado seu marido fazer o que fez… seu bebê? Seu marido? Sua vida? Seu dinheiro…

Ela parou, ainda sem saber o que pensar…

- Eu quero um deles, moça. Um deles irei tirá-lo de você, hoje. Agora. Como você tirou o que me era importante…

- Eu posso arrumar um emprego para você… não era o que queria?

- Não, não mais… e não era meu emprego que me era importante.

Silenciou-se. Puxou o ar timidamente.

- Era você, só você.

- Você quer ser meu marido?

- Eu quero uma vida… quero uma vida boa para meu filho…

- Qual dos dois?

O que, realmente, é importante para cada um de nós?

O jovem pai, olhando o filho correndo pela grama rasa, parou um instante, despertando de seu devaneio.

O passado. Já era passado.

Viu a silhueta da esposa, junto a seu pequeno menino trocando os passos, subindo o leve declive que havia. Logo se reuniram ao mais velho, que ainda brincava com as nuvens, e, aos poucos, ia preenchendo as lacunas em seu pequeno livro.

Sim, eles descobriram o que realmente era importante.