À espera

Estava segurando um livro, à espera do médico.

“Por quem os sinos dobram“? É um baita livro, não?

Não sei… estou no começinho ainda… acho tão… lento.

É, esses livros são um pouco entediantes, mas são obras-primas! Quando você estiver no finalzinho, vai ver!

Ele parou a frente da moça. Ela ainda não havia tirado os olhos do livro, envergonhada. Achara a voz daquele rapaz extremamente… excitante.

Oi.

Sim, estou esperando há horas! – atravessou sem saber por quê. – por que esses médicos demoram tanto para atender-nos?

Acho que é o charme, igual às noivas… qual é a graça de ir ao médico ou casar… se não há a espera!

Eu odeio esperar…

É importante… são nesses momentos que podemos refletir um pouco sobre nossas vidas…

… riu.

Você é um desses filosofantes? Sofista, talvez?

Não, talvez não. Um teórico. Um teólogo. Um ateu… posso ser várias coisas, mas não sei exatamente se sou um… qual foi a palavra que você usou?

Filosofante?

Exato. Filosofante. O quer que isso signifique…

Não é um elogio, lhe garanto.

Veio trocar os óculos ou fazer lentes? Se você se importa, os óculos lhe caem muitíssimo bem…

Sou noiva… sou noiva… não sei se disse isso em voz alta ou em pensamento.

Olha, eu não…

Não se avexe, moça. Eu não estou tentando convencê-la que posso ser a razão de seu viver, o ar que você respira ou qualquer outra dessas metáforas baratas…

Eu gosto de metáforas baratas. Pelo menos, são românticas!

São batidas, inócuas, já perderam seu valor…

Você é cético, isso sim.

Também. Não acredito no sonho de que tudo dará certo, graças a Deus…

Acho que o médico me chamou.

Não, acho que foi aquela moça que levantou…

Desculpa, acho que vou ao banheiro.

Ele a acompanhou com os olhos. Ela não havia sequer levantado os olhos!

Será que conseguiria?

Era a primeira vez que faria aquilo…

Tinha razão de ser aquela aproximação.

Estudara todos os movimentos dela por vários meses! Havia se preparado de todas as formas possíveis, e, tinha certeza, que seria capaz…

Mas, agora, agora que havia chegado a hora…

O telefone tocou.

Alô?

Então, você já fez o que tinha que fazer?

Olha…

Não vá amarelar agora, homem!

Pode deixar, pode deixar!

Estava pressionado! Podia sentir o suor escorrer-lhe pelas costas!

Que agonia… depois de passar anos à espera, agora que o momento tão importante aproximava-se…

Ela estava demorando. Parecia querer evitar-lhe!

Será que já sabia? Será que alguém a avisara?!

Meu Deus, e agora? O que faria! O que faria!

Perdera o rumo da aproximação… ele havia a afastado mais do que aproximado!

Lá vinha ela.

Ele a olhava com fervor, algo que mexia mais do que deveria em seu coração adoecido.

Ele tinha que fazer o que veio fazer, pensou, quase gritando.

Ela, enfim, olhou-o.

Seus olhos eram tão lindos! E ficaram fixos por alguns instantes. Encararam-se por poucos segundos, como se quisessem grudar-se para sempre.

Ela, subitamente, tentou procurar outro lugar e, infelizmente, para ela só havia aquele mesmo; o que ela havia deixado, ao lado do homem perturbador.

Ela não queria mais conversar com ele! Estava até com medo! Será que era algum daqueles maníacos?

Não, era muito… gentil para sê-lo… mas diziam que eles são extremamente simpáticos, não é?! ai, meu Deus! Ele queria… queria… não, não quero nem pensar!… o que iria fazer?

Ficara de pé, por vários minutos, até as pernas bambearem. Benditas são as mães desses médicos que adoram atrasar consultas!

Ela o fitou novamente e percebera que os olhos deles permaneciam fixos nela.

Será que ele a imaginava nua? Ou… imaginava-a fazendo… ai, sai da minha cabeça!

Já não sabia se aqueles pensamentos eram dele… ou dela.

Sentira-se atraída por ele? Mesmo sendo tão intrometido?

Eu sou noiva, não posso ficar me dando a essas coisinhas…

Olhou-o novamente… não, era muito mais velho que ela! Nunca daria certo, afinal!

Ele permaneceu parado no mesmo lugar. Já sentia-se dolorido, amargurado. O que ele teria que fazer, agora, que havia conseguido afastá-la ainda mais?! De um estranho, passou a ser um indesejado!

O que é pior, afinal?

Ela se cansou, podia ver em seu semblante. As pernas já bambeavam e ela já não sabia mais em qual das duas depositaria o peso do corpo. Será que ela cederia?

Eu posso me sentar?

Claro, moça…

Está tão quente…

É o verão por aqui não perdoa…

Moço, eu não sei o que o senhor quer comigo, mas, eu sou noiva! Olhe minha aliança!

Ele parou.

A agonia das palavras que lhe ardiam a garganta! Não conseguiria mais se agüentar, muito menos agora que ela falara aquilo.

Esfriou o corpo totalmente… não sabia como responder! Esfriou, ao mesmo tempo em que várias gotículas de água umedeceram a carne encardida de seu ser.

Engoliu seco, antes de procurar alguma coisa, por mais idiota que fosse, para responder.

É… ela é muito bonita…

Obrigada!

Eu…

Eu sinto muito, moço, mas tenho que continuar minha leitura, está bem?

Moça, eu tenho que falar-lhe algo muito importante…

Me desculpe, mas não sei se posso ser sua confidente!

Não é uma confissão… quer dizer, é, mas… não é só para mim…

Eu não posso ajudá-lo!

Sim, pode sim…

Eu vou chamar a enfermeira, moço! Afaste-se, por favor!

Me perdoe, mas não posso, não mais!

Ele levantou-se, em um rompante de energia que não sabia de onde vinha.

Levantou-se e com os braços, agarrou os da moça que assustada, soltou o livro no chão e, juntamente, um agudo grito surdo saiu de sua garganta apertada.

Eu… tenho que falar-lhe.

Socorr…

Moça, preste atenção! Por favor!

Eu… eu sou sei pai. Sua mãe tirou-lhe de mim quando ainda era um bebê! Eu passei toda minha vida procurando-a! Por favor, me perdoe por todos esses anos de ausência! Por favor…

Pôde respirar agora… a espera acabou.