"A Masmorra" 4ª Parte

Não sei quanto tempo passou. Tinha dificuldade de me lembrar de coisas recentes. O meu vizinho deu um suspiro final. Eu assisti e demorou um tempo para eles perceberem e o levarem dali.

O médico disse a Juliana que eu apresentava discretas melhoras, porém consistentes. Nada me confortava.

Para equacionar os interesses do plano de saúde e do eminente perigo de infecção hospitalar, eles acharam melhor que eu tivesse alta. “Em casa ele vai se sentir melhor, talvez apresente progressos mais significativos”, disse o doutor.

Voltar para casa era péssimo. Traria mais e mais fatos da minha triste história. Teria a presença mais constante e indesejada da Juliana. Eu preferia ficar no hospital com a companhia de outros moribundos.

Juliana estava visivelmente abatida. Havia envelhecido demais. Estava desleixada, cabelos emaranhados e brancos na raiz, típico de quem não tinge há tempos. E, fatalmente, estava muito gorda. Feia, mesmo. Andava jogada pelos cantos. Acendia velas para seus santos e adquiriu manias estranhas. Ela não lembrava nem de longe da risonha e sexy Juliana de outrora. Até tive pena.

Eu, agora não era mais o João, contador, preocupado com a contabilidade do padeiro ou do pilantra do dono do posto de gasolina. Não era o sistemático controlador de gastos e datas de pagamentos. Não tinha mais relógio, nem sabia que ano estávamos. Eu era quem eu quisesse. Eu só tinha meu mundo interior para me satisfazer. Eu inventava um personagem e conseguia uma sobrevida cheia de aventuras, emoções e sem desgraças, nem contabilidade.

Eu era Felipe, um artista plástico de fama mundial, claro. Nicole Kidman fez questão de posar para um retrato. Nuinha, claro. Outras tantas estrelas e algumas não tão famosas, porém não menos formosas, faziam questão da minha “pincelada”.

E assim a minha vida ia se arrastando. Entre inúmeras viagens da minha mente eu me consolava para uma vida toda jogada no lixo. Quando eu encontrava o velho João, as coisas ficavam difíceis. O desespero injetava sangue em meus olhos. O desejo de morte e impotência me consumia ferozmente.

Por isso eu tentava me confortar com uma vida mais feliz, inventada nos labirintos do meu cérebro ou do que sobrou dele.