Quando um Homem Morto Caminha

"Paranoia

In which I think I'm not that confident

A tiny hope that burns in my breath

A bitter smile delights me at the end."

~ "When a Dead Man Walks", de Lacuna Coil.

Era mais um dia na delegacia. A espera de qualquer coisa das pessoas que entravam lá já era rotina, nada poderia pegar o delegado desprevenido. nem o que será relatado nas próximas linhas. Mas talvez ele nunca se esqueça da tristeza estampada no rosto do estranho homem que veio até ele. Tal homem se aproximou de sua mesa.

- Quero relatar um crime. - ele disse.

O oficial levantou os olhos e, com um ar incrédulo, observou aquela figura deplorável a sua frente. Era magro parecendo adoentado, pálido com olheiras profundas e parecia ter chorado por muito tempo.

- Sente-se, por favor, e conte-me o que aconteceu. Tudo estará sendo registrado.

O homem mantinha a cabeça baixa quando começou a falar.

- Quando deparei-me com o horror, pensei que eu estava tendo um pesadelo. mas o pior é saber que tudo que aconteceu bem de baixo de meu nariz foi real. E ainda não consigo acreditar...

O estranho calou-se e antes que o silêncio dominasse completamente o espaço entre o delegado e o homem, o delegado perguntou:

- E então?

O homem então levantou a cabeça e fitou-o. Um breve silêncio até que pudesse recomeçar seu relato.

- Acordei com um som de tiro. Foi um som perto. Minha mulher não estava deitada comigo. Tinha certeza de que era um ladrão e então corri em direção ao closet para pegar minha arma.

O delegado o interrompe:

- Você tem uma arma?

- Sim, senhor. E até trouxe a licença. Aqui está.

O policial olhou e deixou em cima da mesa.

- Continue.

- Eu costumava guardá-la dentro de uma caixa no alto dentro do closet. Mas quando peguei a caixa, desconfiei. Senti que estava leve. Abri e, como suspeitava, ela não estava mais lá. Sempre a deixava lá. Sempre! - disse em tom desesperado.

- E você sabe onde ela está? - perguntou o delegado de maneira mais energética.

- Sim, oficial. Venha até minha casa... Eu lhe mostrarei onde...

Eles saíram acompanhados por mais outros policiais. A madrugada avançava rapidamente, o tempo se esvaindo... Daqui a pouco, a aurora chegaria.

Eles entraram na casa do esquisito homem que guiou-os até a cozinha. Ele parou no vão da porta e, enquanto os policiais entravam, apontou. Entre a mesa e as cadeiras, uma mulher caída no chão em meio a uma poça de sangue.

- Lá está a arma, junto ao corpo da minha intocada esposa!

Alguns dos policiais começaram, então, a cercar o corpo.

O homem virou-se e foi andando; subiu as escadas com vagar, parou em frente uma porta decorada. Seus olhos estavam vazios. Deu um profundo suspiro e enfrentou o que havia do outro lado.

O delegado percebendo a ausência do homem, logo foi a sua procura. Viu a porta aberta e percebeu que era um quarto infantil, decorado com flores e bonecas. Encontrou-o parado em frente a uma caminha, com algo entre os braços. Quando o homem virou-se para o policial, seus olhos estavam transbordando de lágrimas. O quarto ia adquirindo tons rosados e alaranjados. A aurora estava reinando.

- E este aqui é o corpo da minha menina, jazendo em meus braços... Assassinada pela minha esposa, sua própria mãe...!

"Tão desesperador quanto a profecia de um oráculo."

~ Erick de Azevedo.