Um sorriso de mãe

Letícia acordou muito cedo e, como fazia todas as manhãs, correu para o quarto de sua mãe. Levava no coração a esperança de que algo tivesse mudado. Naquela manhã, especialmente, sua esperança parecia maior. O curto intervalo de tempo gasto no corredor, até chegar ao leito de Solene, era suficiente para que ela fizesse uma súplica: Senhor, meu Deus, mesmo sendo hoje meu aniversário, peço-Te o mesmo presente que costumo pedir todos os dias; o único que realmente desejo: eu quero um sorriso de minha mãe. Peço que ela acorde brilhando como o sol, o Sol de Solene, e me lance um raio de luz em forma de um lindo sorriso, amém!

— Bom dia, mamãe! 

Solene continuava ali, deitada na cama, imóvel. Vinha da fraca respiração o único som que emitia, o único sinal de vida. Estava assim desde o dia que dera à luz Letícia, há exatamente 10 anos. Vítima de erro médico, sofrera uma reação alérgica à anestesia, entrando em estado de coma profundo. Passou dois anos internada. Os médicos não davam esperanças. Segundo eles, é muito difícil alguém retornar ao estado normal depois de tanto tempo ausente. Assim, acharam melhor que Solene fosse tratada em casa, recebendo amor e cuidados da família. Os últimos oito anos passara ali, naquela cama, sendo cuidada pela mãe Eulália e pela pequena Letícia que, apesar de saber de toda a história que envolveu seu nascimento, não se sentia culpada pelo ocorrido. Costumava dizer que sua mãe só estava dormindo e, a qualquer hora, iria despertar. Recebera de sua avó Eulália uma educação baseada no amor e na religiosidade. A fé de Letícia era inabalável. Apesar de não receber, logo pela manhã, o presente de aniversário tão almejado, agradeceu ao Senhor. Acreditava na sabedoria divina e tinha certeza de que, a qualquer momento, seria agraciada com o tão sonhado sorriso de mãe. O dia é longo e está só começando. Quem sabe o que pode acontecer até chegar a noite? – pensava.

Desceu a escada e, na cozinha, sobre a mesa, Letícia encontrou um pequeno bilhete de sua avó dando-lhe parabéns pelo dia e, ao mesmo tempo, pedindo desculpas por não estar presente no momento. Tinha saído, como fazia todas as manhãs, antes mesmo de o sol nascer e só voltaria no final da tarde. Não podia se dar ao luxo de faltar ao expediente em sua pequena loja de doces, mesmo sendo aniversário de sua única e amada neta. Os negócios não iam muito bem e a pobre senhora precisava manter a casa e o tratamento da filha. As despesas com sessões de fisioterapia e medicamentos eram muitas e consumiam todo o lucro dos doces de dona Eulália. Nem mesmo o pai de Letícia as ajudava, afastou-se logo depois do incidente com Solene. Em sua ignorância, culpava a pobre criança. Não quis sequer olhar para a filha recém-nascida, abandonando-a. Casou-se novamente e sumiu no mundo sem deixar pistas.

O coma, ao tempo que escravizava Solene ao leito, prendia a pequena Letícia à casa. Enquanto dona Eulália trabalhava na loja de doces, ela cuidava da mãe e dos serviços domésticos. Era uma rotina muito dura para uma criança. Por tudo isso, já passara da idade de entrar na escola. Tudo que aprendera até o momento fora ensinado pela avó que, mesmo cansada da jornada de trabalho, nunca ia dormir sem antes dar aulas e conselhos à pequena neta. Dentre os conselhos de dona Eulália um, em especial, era repetido com veemência todas as noites:

— Nunca deixe estranhos entrar na casa durante minha ausência.

A obediente criança seguia rigorosamente os conselhos da avó e, mesmo vivendo num regime de semi-escravidão, sem fazer amizades com outras crianças, tinha um aspecto muito feliz. Gostava de cuidar da mãe e por ela, somente por ela, praticava, diariamente, um ato que considerava errado: todas as manhãs, aproveitando um buraco feito na cerca e a ausência de moradores, passava para o quintal da casa vizinha; colhia lindas rosas e enfeitava todo o quarto de Solene. Dessa forma conseguia encher de perfume e vida aquele espaço da casa que, quase sempre, emanava um intenso cheiro de morte. Para que seu deslize não fosse descoberto pela avó, recolhia todas as rosas do quarto, ao por do sol, e as enterrava no fundo do quintal. Porém, justamente no dia do seu 10º aniversário, viu-se na iminência de ser descoberta. Após já haver ultrapassado o buraco na cerca e colhido um grande número de rosas, dirigia-se de volta ao seu quintal quando percebeu que, da janela dos fundos da casa vizinha, uma mulher a observava. Ficou apavorada e, rapidamente, correu para dentro de casa, deixando que as flores caíssem e se espalhassem pelo chão. Como pode ser? A casa estava vazia há tanto tempo e eu não percebi nenhum movimento ou som de mudança. E agora? Aquela mulher certamente vai revelar a minha avó que eu invadi o quintal alheio. Preciso fazer alguma coisa. Depois de muito pensar, decidiu que o melhor a fazer era ir até a casa vizinha e tentar, de alguma maneira, se desculpar. Acreditava que poderia contornar a situação, evitando que sua avó tomasse conhecimento do ocorrido. Não suportava a idéia de contrariá-la. Assim, partiu decidida em direção à casa vizinha. Ao chegar no portão da frente, notou que a velha e conhecida placa de "aluga-se", desgastada pelo tempo, continuava lá, plantada na grama alta e mal cuidada. Tenho certeza que vi aquela mulher. Por que será então que essa placa continua aí? Vestida de saias daquele jeito não pode ser o senhor Osmar, o proprietário. Muito menos a esposa dele que, segundo a minha avó, falecera há quase quinze anos. Será que o senhor Osmar vendeu a casa? Só tem um jeito de ficar sabendo. Trimmm, trimmm... Uma senhora muito simpática abriu a porta com um belo sorriso no rosto e, para a surpresa de Letícia, trazia nas mãos um lindo buquê de rosas. Aquela imagem deixou a menina apreensiva. Um frio estranho percorreu sua coluna, arrepiando-lhe os pêlos da nuca. Por um momento ficou imóvel a observar aquela mulher, não conseguia lembrar de onde, mas tinha a impressão de conhecê-la. Trêmula e quase sem voz, dirigiu-se a ela:

— Bom dia, senhora!

— Bom dia, querida! Pode me chamar de Ivna. Em que posso ajudar essa linda mocinha?

Com o tom amistoso embutido na voz macia e agradável da senhora a sua frente, Letícia, numa fração de segundo, sentiu-se mais à vontade para relatar o motivo de estar ali. Falou do constrangimento em ter sido flagrada colhendo flores que não lhe pertenciam e do receio que sua avó ficasse sabendo de tudo que ocorrera. Não suportaria dar tamanho desgosto. Porém, antes mesmo de ter tempo de pedir desculpas, com um sorriso ainda mais generoso, Ivna estendeu os braços oferecendo à criança o buquê que trazia nas mãos.

— Aqui estão, querida, as rosas são suas; tenho certeza de que você tem um bom motivo para ter feito o que fez. Afinal, vim aqui só conhecer esta casa, pois pretendo comprá-la. Fique tranqüila, não contarei nada a sua avó. Esse passa a ser o nosso segredo.

A feição apreensiva de Letícia desfez-se completamente, diluiu-se num suspiro aliviado. Passou a conversar com Ivna como se amigas íntimas fossem. Confessou que, há muito tempo, tinha o hábito de colher aquelas rosas e com elas enfeitar o quarto da sua querida mãe. Revelou a Ivna a situação em que se encontrava Solene. Por fim, prometeu que, daquele dia em diante, nunca mais voltaria a entrar no jardim dos fundos da casa. Ouvindo essas palavras, Ivna, num movimento suave, virou-se para Letícia e olhou-a fixamente nos olhos, falando com voz aveludada:

— Eu sei, querida! Eu sei!

Continuaram a conversar e trocar confissões, nem se davam conta do tempo que passava rapidamente. Letícia falou do seu aniversário e de como gostaria de receber um sorriso de sua mãe naquele dia. Pelo brilho no olhar, quando falava de Solene, não era difícil perceber quão imenso era o amor que a criança sentia pela mãe. Como se fossem espelhos, os olhos de Ivna refletiam o mesmo terno e úmido brilho. A emoção parecia tomar conta das duas com a mesma intensidade. Letícia fora conquistada rápido e apaixonadamente por Ivna. Gostaria que ela conhecesse minha mãe, mas Vó Eulália certamente desaprovaria. Tomadas pela emoção do diálogo, sorriam com os olhos mareados. Afagando a pequena mão de Letícia e sempre a olhando no fundo dos olhos, Ivna demonstrava carinho e atenção imensos.

— Que tal se formos até sua casa? Fazemos um lindo bolo e aproveitamos para que me apresente Solene. Comemoramos as três, juntas, o seu aniversário. E, quem sabe, posso até lhe dar um maravilhoso presente. 

Ao ouvir a proposta, Letícia ficou realmente tentada. Não era essa a minha vontade? Seria maravilhoso! Mas, como posso desapontar minha avó? Não, não posso fazer isso! E se eu pedisse a Ivna para guardar mais esse segredo? Não vejo nada de errado. Que mal essa senhora tão bondosa poderia fazer a mim e a minha mãe? Rendeu-se, então, à proposta.

— Vamos agora mesmo fazer um delicioso bolo de chocolate!

Partiram as duas, de mãos dadas. Ao chegar à porta da frente, Letícia ainda pensou no conselho diário de sua avó Eulália. Porém, fixando os olhos no lindo sorriso de Ivna, sentiu-se muito segura. Retirou do bolso a chave colocando-a na fechadura e, com dois giros rápidos, abriu passagem, pela primeira vez em sua vida, para que alguém, além de sua avó, entrasse na casa. Nem mesmo o médico de Solene entrava lá, na ausência de dona Eulália. Passaram para o corredor e, enquanto andavam, Ivna observava tudo atentamente. Demorava-se a olhar os quadros e porta-retratos que encontrava. Tomou nas mãos um deles e, para surpresa de Letícia, deixou escapar dos lábios um nome de mulher acompanhado de uma lágrima:

— Solene!

— Como a senhora sabe?

— Eu sei, querida! Eu sei! Reconheço nessa foto a descrição que você me deu da sua mãe. Só pode ser ela. É realmente linda como você disse.

— É sim, mamãe é linda! Prometo que a levarei até lá em cima para conhecê-la pessoalmente. Mas só depois que fizermos o meu bolo. Está bem?

— Claro, querida!

Juntaram todos os ingredientes e, após alguns minutos no forno, o bolo estava pronto – Ficou lindo! – sorriam, radiantes de satisfação. Chegara a hora de Ivna conhecer Solene. Letícia sentia em sua mão a umidade e tremor dos dedos de Ivna. Será que ela está com medo de mamãe? Chegaram ao quarto e, como era de se esperar, lá estava Solene: semblante sereno, parecia, realmente, só estar dormindo. Ivna, com os olhos cheios de lágrimas, pegou carinhosamente a sua mão.

— Olá, querida! Finalmente!

Ivna debruçou-se sobre Solene num carinhoso abraço. Um aconchegante clima de paz reinou por todo o quarto que, naquele momento, exalava um saboroso perfume de flores, um aroma puro, livre do cheiro mórbido de outros dias. Com a voz embargada, Ivna pediu que Letícia fosse até a cozinha e lhe trouxesse um copo com água. A menina prontamente desceu as escadas deixando as duas a sós. Voltou trazendo, numa pequena bandeja, o copo com água solicitado. Antes mesmo de chegar à porta do quarto, ouviu a voz de Ivna sussurrar baixinho algumas palavras, porém não conseguiu decifrá-las. Achou estranho, mas ficou realmente atônita, a ponto de deixar que a bandeja caísse das mãos quando, respondendo às palavras indecifradas de Ivna, outra voz feminina claramente chegou aos seus ouvidos:

— Eu sei, querida! Eu sei!

Letícia ficou pasmada diante da cena: Solene, de olhos abertos, conversava com Ivna, segurando em sua mão. Uma enorme alegria tomou conta do coração da menina. Emocionada, quase não conseguia se mover. Obrigada, Senhor! Mamãe está de volta! Notando a menina paralisada, Ivna foi até ela e pegou-a pela mão, aproximando-a de Solene.

— Veja, querida, esta linda mocinha é Letícia, sua filha!

— Eu sei, querida! Eu sei!

E, com um sorriso ainda mais lindo, Solene deu um forte abraço na filha. As lágrimas e sorrisos encheram todo o quarto. O momento tão aguardado por Letícia finalmente chegara.

— Obrigada, Ivna! Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Você trouxe minha mãe de volta.

— Não, Letícia, não fui eu! Deus atendeu o seu pedido e nos deu esse presente maravilhoso. A sua fé colocou esse lindo sorriso no rosto de Solene, proporcionando grande felicidade para todos nós. Portanto, não me agradeça, mas me prometa uma coisa: aconteça o que acontecer, hoje você não vai ficar triste.

— Eu prometo, Ivna! É claro que prometo! Como poderia ficar triste, logo hoje, o dia em que recebi o melhor presente da minha vida: um sorriso da minha mãe?

Letícia não se continha de tanta felicidade. Isso só pode ser um milagre! Solene, por sua vez, era só sorrisos. Trocavam carinhos e confissões tomadas de muita emoção quando, de repente, são interrompidas pelo som da campainha.

— Vó Eulália chegou! E agora? Ela vai encontrar Ivna aqui dentro. Ivna! Ivna!

Antes de atender a porta, Letícia saiu à procura de Ivna. Olhou por toda a casa e não a encontrou. Onde será que ela está? Como saiu assim, sem que percebêssemos, sem se despedir? Só me resta então abrir a porta para a vovó.

— Vovó! Vovó! Venha rápido! Mamãe acordou! Ela acordou!

— Oh, meu amor, você deve estar sonhando!

— Venha, vovó! Veja!

A criança pegou a avó pela mão, levando-a apressadamente em direção ao quarto de Solene. E, lá chegando, para decepção de Letícia, encontraram Solene imóvel na cama, como sempre estivera há anos. Dona Eulália aproximou-se da filha e, como fazia todos os dias, deu-lhe um beijo na face. Notou, porém, que algo estava diferente: Solene não respirava. Pegou-a pelo pulso e confirmou, com pesar, sua suspeita. Tentou disfarçar para que Letícia não percebesse as lágrimas que já enchiam seus olhos. A criança, lembrando-se das palavras de Ivna, aproximou-se, passando a mão nos cabelos da avó.

— Eu sei, vovó! Eu sei! Mas não vamos ficar tristes! Mamãe estava muito cansada! Deus sabe o que faz!

— Eu sei, querida! Eu sei!

Dona Eulália foi até o armário e de um compartimento, que sempre trazia trancado a chave, tirou um pequeno baú e o entregou a Letícia.

— Isso pertencia a sua mãe e, a partir de hoje, pertence a você.

— E o que tem aí dentro, vovó?

— Nem eu sei! Abra e veja você mesma!

Letícia abriu o baú e ele estava repleto de cartas e fotos. Para a surpresa da menina, a maioria das cartas era endereçada a ela. Dona Eulália explicou que Solene, quando estava grávida, escrevia cartas para a filha que ia nascer, dizendo o quanto a amava. Disse também que não as entregou à neta antes para atender a um pedido de Solene: que enquanto ela vivesse ninguém, além dela, abriria aquele pequeno baú. Dentre as cartas, Letícia encontrou várias endereçadas pelo seu pai a Solene, antigas cartas de amor do tempo em que eles se conheceram e começaram a namorar. Porém, num envelope maior, com formato de coração e sem endereço de remetente, Letícia viria a encontrar a mais intrigante de todas as cartas: 

"Querida Solene, 

Quero, antes de tudo, pedir-lhe perdão pela ausência. Tenho muito medo de ser rejeitada por você. Mas saiba: tudo que quero é poder, um dia, estar a seu lado e merecer o seu amor. Um dia, vou criar coragem e olhar você nos olhos. Acho que ainda não me perdoei por tê-la abandonado. Não vou tentar explicar os motivos, porque hoje eu sei que não existe motivo no mundo que possa justificar uma mãe abandonar uma filha. Um beijo carinhoso da sua mãe que, talvez você não acredite, te ama demais. Assinado: Ivna".

Ao ler aquela carta, Letícia olhou, cheia de dúvidas, para sua avó Eulália.

— Vovó, a senhora conhece essa Ivna? E por que ela está chamando a mamãe de filha se a mamãe é filha da senhora?

Dona Eulália, meio sem jeito, pegou o envelope da mão de Letícia e dele tirou uma fotografia. 

— Eu gostaria que você me perdoasse querida por não ter falado antes, mas preciso lhe contar um segredo. Eu te amo muito e, para mim, você é e sempre será minha querida netinha, porém Solene era minha filha adotiva. Eu a peguei para criar quando ela foi deixada, ainda um bebê, em minha porta. Veja: esta é a foto de Ivna, sua verdadeira avó.

Ao olhar aquela foto, Letícia reconheceu a fisionomia da mulher que estivera com ela durante toda a tarde. Pensou em contar tudo para dona Eulália, mas temia revelar que deixou alguém entrar na casa. Resolveu guardar consigo aquele segredo. Perguntou, então, para a avó o que ela sabia sobre Ivna. Dona Eulália respondeu que, quando Solene estava grávida, Ivna a procurou tentando uma aproximação. Porém, Solene tinha dificuldades em aceitá-la, preferindo manter distância. Ivna ficou muito decepcionada com a atitude da filha e, com muita tristeza, se afastou. Depois que Solene entrou em coma, Ivna voltou a aparecer e, a partir dali, todos os dias a visitava. Passou cerca de três meses nessa rotina. Até que um dia, enquanto se dirigia ao hospital, sofreu um terrível acidente automobilístico, que causou a sua morte. A coitada não teve tempo de receber o perdão da própria filha. 

Ouvindo as palavras de dona Eulália, Letícia ficou ainda mais confusa. Resolveu que, definitivamente, não contaria à dona Eulália sobre a visita que recebera à tarde. Como seria possível alguém acreditar numa história dessas? Foi quando, de repente, lembrou-se do bolo sobre a mesa e das flores que esquecera de tirar do quarto da mãe. Temeu que dona Eulália os descobrisse. Porém, ao olhar a sua volta, percebeu que as flores não se encontravam no quarto. Correu até a cozinha e, como já desconfiava, o bolo também não estava lá. Voltou ao quarto, sentou-se ao lado de dona Eulália e deu-lhe um forte abraço. Fizeram juntas uma oração pedindo a Deus pela alma de Solene. Silenciosamente, Letícia pediu, em oração, pela alma de Ivna. Desistindo de tentar entender o que realmente acontecera naquele dia, preferiu acreditar que Deus enviou Ivna para libertar a filha da prisão que era aquela cama. Prometeu a Ivna e a Solene que, daquele dia em diante, começaria uma nova vida, iria estudar, brincar, se divertir como as outras crianças.

Dona Eulália tomou as providências para o velório de Solene. Reuniu algumas amigas e juntas fizeram uma corrente de orações, que se estendeu durante toda a noite. Letícia foi a única que, não suportando o cansaço do dia, adormeceu. Acordou pela manhã e, de súbito, veio nela uma vontade incontrolável de ir até o quintal. Era como se alguma força a levasse até a porta dos fundos da casa. Chegando lá, ficou encantada ao ver que no local onde costumava enterrar as flores, no intuito de escondê-las de dona Eulália, havia florescido um lindo jardim. O buraco na cerca, pelo qual costumava passar, estava fechado. Observou por uma fresta e viu o proprietário da casa vizinha no mesmo local onde havia visto Ivna no dia anterior. Resolveu então ir até lá. Chegando à frente da casa, notou que a placa de "aluga-se" não mais se encontrava lá. Foi até à porta: trimmm, trimmm...

— Bom dia, seu Osmar!

— Bom dia, Letícia. Soube o que aconteceu com sua mãe. Eu sinto muito!

— Obrigada! Está tudo bem, seu Osmar, a mamãe só descansou! O senhor poderia me dar uma informação?

— Claro, querida! O que você gostaria de saber?

— O senhor vendeu esta casa?

— Não! Não vendi! Acontece que, há mais de dois anos, ninguém me procura demonstrando interesse em comprá-la. Sendo assim, resolvi voltar a morar aqui. Serei novamente seu vizinho.

— Que bom, seu Osmar! Obrigada pela informação!

Letícia voltou para casa, colheu lindas flores em seu novo jardim e enfeitou toda a casa. A menina abraçou dona Eulália e disse-lhe o quanto a amava e que a considerava a mais verdadeira de todas as avós e que, a partir daquele momento, ela seria, também, sua mãe. Ouvindo essas palavras, dona Eulália, emocionada, olhou para Letícia com um lindo sorriso no rosto. Naquele sorriso, Letícia via uma beleza toda especial. Uma beleza que nasce do amor. A mesma beleza que teve a oportunidade de ver no rosto de Solene e no rosto de Ivna. Uma beleza só encontrada em um sorriso de mãe.

Elenildo Pereira
Enviado por Elenildo Pereira em 05/05/2008
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