Conto de Necrotério 3 - Ritum Nosferatum Alerum

- É esse.

- Tem certeza, Malfat ?

- Tenho, meus olhos estão quase cegos mas ainda servem. É esse, sim.

- Está bem... vamos começar. Cadê a pedra ?

- Aqui.

- Faça um círculo grande em redor. Ao redor de toda a mesa. Ela tem que ficar no centro. Não... NÃO ! Maior ! MAIOR ! Ahhh agora sim.

- Ai, minha perna.

- Velha resmungona.

- E você não, sua banguela ? Ihahahahahah ! Aiiii minha cabeça, sua...

- Te bato de novo, e mais forte, se não parar com essa risada de hiena.

- ....

- Agora o círculo menor, dentro do outro.

- “Como o cano que recobre a caca, como a caca que recobre o berro, como o berro que protege meu estrupício, nenhum boçal vai passar desse prepúcio”.

- Hein ???

- Eu já disse, como a caca...

- Velha cega e burra, tá tudo errado.

- Então diga você, faça você, que minhas costas não agüentam mais ficar curvadas desse jeito. Tenho 107 anos, lembra ?

- E eu tenho 108, irmã.

- Hunf.

- “Como o PANO que recobre a ARCA, como a ARCA que recobre o VERBO, como o VERBO protege meu ESPÍRITO, nenhum MAL ultrapassará esse CÍRCULO.”

- Meu encanto estava bem melhor.

- Mas não era o certo. Deixa que eu faço isso. Aiiii meu joelho.

- Velha resmungona.

- Há ! Por isso não funcionou. Você disse tudo errado. Desse jeito, nossa reputação vai acabar. E os clientes ?

- Não os vi mais. Vamos embora daqui, Magrit, eles nem se preocupam mais com o serviço...

- Mas NÓS sim. Não vamos deixar nada inacabado. As palavras rituais. A estrela de cinco pontas. Desenhou ?

- Já....

- As túnicas.

- Aqui.

- Os assistentes.

- Eu.

- Eu preciso de mais cinco, e de convidados !

- Nós os tínhamos ontem, no ritual oficial.

- Diabos ! Mais erros !

- Por favor, Magrit, vamos embora, nós procuramos os clientes, amanhã voltamos com todos e...

- Procuramos outra vez no manicômio, Malfat ?

- Manicômio ????

- Eram de lá.

- Nós, descendentes de sete honradas gerações de...

- Quieta agora !

- No manicômio ????

- Outros tempos, outros clientes.

- Francamente, você... esclerosou.

- Respeito comigo, irmã. Sou tão gagá quanto você é garota de programa. Arrume a mesa.

- Tudo eu, tudo eu... Mas não é que calhou bem ? É o complemento perfeito, velas e...

- Caluda. “Deouriom est uslartinium serventi. Partirium et retorium doius oint ent. Estoriam servium ternium etnia. Herditae ermita ritus efae siandio iatus alent. Perdurem oiti isterioum sistoriumm, sortilegium ortilae, aest factuo instrantae sistoent. Perdurtium ordenari reatus, Diablo, Incubus, Noctivagus, herectius, Ermohim, Ihntru, Rasptuiem, Olea-vaent.”

Um vento frio percorreu a enorme sala. Magrit e Malfat estremeceram, apesar de cobertas até os pés com os pesados mantos negros.

- “Em nome de Satanás, Espírito do Mal, Senhor das Trevas.”

- Amém.

- “Satanás esteja conosco.”

- Vintém.

- “E com nosso espírito.”

- Com meu espirro também.

- “Príncipe das fornicações, amaldiçoai-nos. “

- Malfat...

- “Rei da Luxúria, amaldiçoai-nos.”

- Malfaaaaaatttt...

- “Pai do incesto, amaldiçoai-nos.”

- Está se mexendo.

- “Satanás, que faz com que os homens se destruam como feras, amaldiçoai-nos.”

- Olhando para mim.

- “Serpente do Gênesis, amaldiçoai-nos.”

- Olhando para você.

- “Satanás, que moveste o braço de Caim, amaldiçoai-nos.”

- Malfat, saia desse transe.

- “Satanás, que fizeste Noé cair no sono, amaldiçoai-nos.”

- Malfat, acorda...

- “Protetor dos ladrões e assassinos, amparai-nos.”

- Tá tudo errado.

- “Ânfora de peçonha, ajudai-nos.”

- Droga, de novo não....

- “Mestre das ciências malditas, velai por nós.”

- Segura ! Malfat, vem cá !!!

- “Príncipe imenso dos espaços infinitos, Matéria e Espírito, Razão e Força, nós vos adoramos.”

- Senhoras, o que...

- Ai nãããããããooo.... Malfat, socorro ! Droga me chama de cega mas é surda feito uma porta ! Ele tá falando com a gente !!!

- “Satanás esteja conosco. E com nossos espíritos. Amém.”

- DE NOVO NÃO !!!

- Inferno ! Quero dizer, Satanás. Aliás, amém.

- AHHH NÃO !!! Eu conheço vocês, suas velhas malucas !

- Malfat, diabo, me ajuda !!! Esse aqui tá vivo !!!

- AIIIIIIIIIIIUUUUUUUUU PORRA ! CARACOLES ! Me furou DE NOVO com esse inferno desse punhal ! Depois de tudo que fizeram para me costurar ! QUE SACO, me esqueçam !

- MALFATTTTTTT !

- Não se pode mais dormir nessa merda de lugar não, companheiro ?

- Calaboca Fonseca, que agora você conseguiu incomodar até a mim.

- Olavo, olha lá, tem gente mexendo no jantar da gente ! Nós íamos voltar lá depois que acabasse o turno desse legista, e...

- Elas não tão futucando muito nele, cara, ainda vai sobrar muita carne pra gente, fica frio !!!

- MAIS do que eu já estou, deitado nessa merda dessa mini-geladeira ?

- Shhhhhhhhh assim você chama a atenção sobre a gente, ô defunto burro !

- ........

Na sala, a gritaria continua.

- MAAALLLFAATTTTTTT !!!!

- “Que entrem agora as hostes infernais e os seres da noite, e encham o lugar com sua presença.”

- Malfat, que raio, Satanás, íncubos, súcubos e fornicadores do Inferno, quando você começa não vê mais nada ! Eu vou é embora daqui !!! Vou te largar sozinha com esses...

Passos apressados. Três pares de pés.

- TODO MUNDO PRESO !!!

- São essas duas, policial Feitosa. Fazem duas horas que estão aqui, sujando tudo e fazendo rituais macabros com os corpos.

- Vocês estão presas, senhoras, e... peraí ! A descrição corresponde com a das bruxas de ontem e... é esse o corpo ?

- Crisóstomo Arruda. Ele mesmo.

- Então fechamos. São as próprias. Ei, aquela ali não cala a boca não ?

- “Aquele que desejar participar das trevas, da vida eterna e da escuridão, aquele que abdica ao dia e ao sol, deve dar um passo à frente.”

- Cruzes.

- Velhas malditas. Vamos levá-las agora.

- Peixoto, você deu um passo à frente...

- E você também, pra segurar no braço da drogadona aí. Deixa disso, cara, é ridículo, você não acredita nessas coisas. Vamos embora. Doutor, voltamos mais tarde para conversar com o senhor, tomar seu depoimento.

- Estarei à disposição.

- Hmmm... obrigado. Até mais.

Ouviu-se o ruído de quatro pares de pés afastando-se do centro anatômico, e, muito longe, gritos e guinchos furiosos.

- Ela saiu do transe... – disse o médico, baixinho.

- Foi. E não resolveu meu problema.

- Crisóstomo ? Achei que...

- Não. E agora nunca vamos saber, né ?

- Mil perdões. Mas eu não podia deixar aquilo continuar acontecendo.

- Errr... o senhor vai ter que me costurar de novo.

- Vou pegar os instrumentos.

O Dr. Saiu, deixando o pobre Crisóstomo a sós. Num canto escuro da sala, um ruído muito baixo, muito suave, soou. As pequenas portas superiores de duas unidades refrigeradas para cadáveres voltaram a se fechar.

Rio de Janeiro, 25 de setembro de 2002.

Mônica Virgo
Enviado por Mônica Virgo em 06/04/2005
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