Hospedaria 1: Iniciação

“O mundo não é uma realidade objetiva, mas uma fantasmagoria povoada com os nossos medos e desejos.”

(Melanie Klein)

Misa saia correndo de seu colégio, para a irritação de suas colegas Saory e Rei. estas apressavam Misa que tropeça nas próprias pernas.

Misa: Para que tanta pressa?

Rei: Queremos ver a nova hospedaria.

Misa: E para que vocês querem ver uma coisa destas?

Saory: Você não sabe?

Rei: Típico.

Misa: O que?

Rei: Estamos falando daquela hospedaria do outro lado do rio.

Misa: Aquela que dizem ser assombrada?

Saory: Esta mesma, parece que ela foi comprada por um investidor misterioso.

Pouco depois as três amigas estavam na margem do rio olhando para a hospedaria que ficava no meio das águas, imaginando como fariam para chegar até a entrada da hospedaria, quando uma balsa rudimentar, guiada por um homem alto vestindo um manto negro e uma máscara branca encosta na margem, o homem fita as três garotas que começam a se arrepender da idéia de conhecer a hospedaria.

Misa: Você é o responsável pelo transporte dos hospedes?

Ele movimenta sua cabeça positivamente fazendo menção para que as três subam.

Saory: Você não fala?

Com um gesto o homem demonstra ser mudo, mais uma vez ela faz menção para que as três subam. A primeira a subir é Rei, seguida por Saory e Misa. O homem conduz a balsa lentamente até a hospedaria, Misa olha para o rio mas não enxerga seu reflexo.

Misa: Achei que a água fosse mais lúcida.

O homem não reage ao questionamento, em fim eles chegam até a hospedaria, as três descem da balsa apressadas entrando na hospedaria. Esta mantinha um ambiente clássico com castiçais de prata na parede e um tapete vermelho. Um homem ocidental, alto, cabelos ralos e olhar sinistro as observava de trás do balcão de recepções.

Rei: Você é o dono?

Michael: Eu me chamo Michael e não, não sou o dono apenas o gerente contratado.

Misa: Ficamos curiosas para saber quem tinha comprado a hospedaria.

Michael: Por causa das histórias? Minha mestra está descansando se quiserem poderão conhece-la. Por gentileza assinem o livro de registro.

Saory: Nós não vamos ficar aqui.

Michael: Não é necessário, assinem para nos dar sorte. Vocês são as primeiras pessoas a entrarem aqui.

As três aproximam-se para assinar o livro percebendo que seus nomes já estavam escritos nele.

Saory: O que significa isso?

Michael sorri, ele realmente esta se divertindo ao afastar-se, Misa corre para o lado de fora da hospedaria percebendo que o balseiro não estava mais lá.

Misa: Onde está a balsa?

Michael: Ele vem de hora em hora.

As outras duas garotas aproximam-se deles, também procurando pelo balseiro.

Rei: De hora em hora? E o que acontece se chegar um hóspede nesse intervalo de tempo?

Michael: Então nosso balseiro irá recolhe-lo.

Rei: E como ele sabe que chegou um hóspede?

Michael: Ele sabe.

Ao terminar sua fala Michael entra na hospedaria, inconformada Rei entra atrás dele, Saory a segue. Misa não queria ficar sozinha e as segue.

Rei: Como assim? Vamos Ter que espera-lo voltar?

Michael: Vocês são minhas convidadas.

Ele volta para trás do balcão deixando as três amigas, Saory sorri.

Saory: De graça?

Michael: Sim.

Saory: Podemos explorar o local?

Michael: Sim. Apenas não perturbem minha mestra.

Ele entrega uma chave para cada uma das garotas, Misa olha em seu relógio percebendo que elas ainda ficariam mais quarenta minutos naquele lugar. Rei e Saory entram em um cobertor sendo seguidas por Misa.

Misa: Por favor esperem.

As três garotas andavam pelos corredores logo elas ficam desanimadas descobrindo que todos eram iguais.

Rei: Vamos entram em um dos quartos?

Misa: Não.

Rei: O que foi? Ele disse que poderíamos explorar o lugar.

Misa: Agora chega.

Enquanto isso Michael estava na recepção olhando o livro de registros quando sente a presença de alguém, ele sorri.

Garota: Você está se divertindo muito hoje.

A fala era suave, melancólica e penetrante, do tipo que ecoa em nossas mentes muito tempo depois de ser proferida, o que faz com que Michael ache tudo ainda mais divertido.

Michael: Elas estão conhecendo a pensão.

Garota: uma delas não deveria ter vindo.

Michael: O que vai fazer?

Ele se vira fitando aquela garota. Uma mulher japonesa com pouco mais de vinte anos, olhar penetrante, expressão séria porém serena, longos cabelos negros vestindo quimono preto com alguns desenhos abstratos.

Garota: Ela já está aqui dentro.

Misa senta-se em sua cama, ela olha pela janela, do lado de fora o vento para de soprar. A porta corrediça de seu quarto abre em uma pequena fresta, ela ouve um som que não consegue distinguir.

Misa: Quem está ai?

Rei entra em um quarto seguida de Saory, quando esta fecha a porta ela descobre que estava sozinha. Saory chama por Rei.

Saory: Para de brincadeira.

Ela abre a porta saindo do quarto para o corredor, só que entra novamente no quarto.

Saory: O que é isso?

A porta abre-se repentinamente, Saory vê seus pais transando sem saberem que estavam sendo observados por uma garota, Saory se assusta ao descobrir que a garota era ela, a pequena Saory cerra seu punho com raiva.

Saory: O que é isso?

Em outra cena a pequena Saory presencia uma briga de seu pai com sua mãe. A mulher vai embora deixando o homem sozinho, a garotinha senta no colo de seu pai.

Saory (atual): Pare com isso!

Pequena Saory abraça seu pai beijando seu pescoço, como sua mãe o fazia.

Pai: O que você está fazendo?

Ela sorri acomodando-se sobre o colo de seu pai, este fica de pé indo embora irritado ela o segue até o quarto.

Saory: Eu não quero ver.

A mãe de Saory volta para casa, ela ouve um barulho vindo de seu quarto a mulher encontra seu marido e sua filha na cama.

A Saory atual gritava em total desespero sem perceber que a garota de quimono preto estava atrás dela.

Saory: Eu era uma criança.

Garota: Mas sabia o que estava fazendo.

Saory: Não, eu era inocente.

Garota: Seu pai o amava, ele faria qualquer coisa por você mas isto não bastava. Você o violentou.

Saory (gritando): Não!

Garota: Ninguém acreditou nele, logo todos o abandonaram.

A porta abre-se novamente, Saory vê seu pai se enforcando, ela chora dizendo "não". A garota de quimono preto aproxima-se dela a porta fecha sozinha.

Rei ouve Saory chamando-a, ela vira-se percebendo que estava sozinha.

Rei: Saory?

Ela abre a porta do quarto, apenas uma fresta, o que vê não é o corredor mas sua casa e ela mesma quando pequena. Rei com apenas seis anos de idade treinava balet, Rei cai exausta no chão, sua mãe bate em suas costas com uma vara.

Mãe: De pé.

Rei: Estou cansada.

Mãe: Cala a boca. Como você vai ser famosa fazendo assim? Quero mais dez exercícios destes.

A Rei adolescente derrama uma lágrima enquanto invade a sala de treinamento, ela segura sua mãe pelo colarinho chacoalhando-a, Rei atira-a ao chão batendo com a cabeça de sua mãe no chão enquanto gritava “pare com isso”! a cabeça de sua mãe estava deformada, as mãos de rei estavam sujas de sangue, ela afasta-se esbarrando na garota de quimono preto.

Garota: Não foi um acidente.

Rei: Eu não fiz nada, você tem que acreditar.

Garota: Exato, você não fez nada.

Ela aponta para o vazio. Este transforma-se na casa de Rei, sua mãe estava em pé, sobre uma cadeira, tentando trocar uma lâmpada, a jovem Rei olhava a cena de longe percebendo que a cadeira estava cedendo, Rei não fala nada e sua mãe cai no chão quebrando seu pescoço.

Rei (chorando): Eu não fiz nada.

Garota: Poderia ter feito.

Rei (chorando): Não fiz nada.

Garota: Mas quem poderia culpa-la? Sua mãe quis viver a sua vida, ela a sufocava, a paralisava. Agora é ela que está paralisada.

A garota mostra outra imagem de sua mãe nos dias de hoje: tetraplégica, presa a uma cadeira de rodas, ela passa seus dias olhando pela janela.

Rei chorava ainda mais quando a garota leva sua mão a cabeça dela.

Garota: Vamos. Existe um lugar para você.

Misa fica de pé andando pelo seu quarto até a porta, ela para ao ouvir um ruído. Misa olha por uma fresta reconhecendo Rei e Saory as duas estavam como espíritos, Misa cai para trás fugindo das duas que andam lentamente, a estudante encosta-se em uma parede. Um par de braços a puxa para o nada.

Garota: Você não deveria estar aqui.

Misa estava caída no Hall de entrada da hospedaria olhando para a garota de quimono preto sem perceber Michael atrás dela.

Michael: Esta é minha mestra, a dona da hospedaria.

Misa: O que aconteceu com Rei e Saory?

Michael: Elas estão em seus devidos lugares.

Misa: O que isso significa?

Garota: Elas estão no inferno.

Misa: Vocês são demônios?

Garota: Michael é humano, o balseiro também.

Misa: E você? Quem é você?

Garota: Sua imaginação não é o suficiente para entender quem eu sou.

Michael: Hora de ir.

Misa (gritando): Não, por favor.

Garota: Tarde de mais, seu nome está no livro de registros, você não deveria ter vindo.

Misa: Por favor.

Garota: Há uma possibilidade, seja minha empregada, volte aqui todos os dias e eu a libertarei. Um dia.

A porta se abre, Misa avista o balseira esperando por ela na entrada.

Garota: Pode ir, mas lembre-se se você não voltar eu irei atrás de você e então rasgarei a sua alma.

Misa vai embora deixando a hospedaria e sua dona e seu empregado.

Michael: Tem certeza disto?

Garota: Você honrou com o seu acordo.

No dia seguinte Misa estava de pé do outro lado do rio, o balseiro encosta sua balsa na margem para que Misa suba.

FIM