Hospedaria 2

Seus Olhos

O balseiro atravessava Takashi pelo rio em sua balsa rústica. O homem segurava firmemente sua maleta a balseiro por sua vez realizava movimentos suaves e repetitivos. A balsa chega em seu destino, Takashi oferece uma gorjeta para o balseiro este recusa.

Takashi caminhava pelo Hall da hospedaria parando a frente do balcão de recepção onde Michael entregava o livro de registros com um sorriso no rosto.

Michael: Bem vindo senhor.

Takashi: Boa tarde, preciso de um quarto para passar a noite.

Michael: E o que o trás a esta hospedaria?

Takashi (mostrando sua maleta): Eu sou um artesão e preciso de um local silencioso para terminar o meu trabalho.

Michael: Eu lhe darei o quarto mais silencioso.

O recepcionista vira-se para pegar uma chave enquanto Takashi prepara-se para assinar o livro de registros percebendo que seu nome já estava escrito.

Takashi: O que significa isso?

Michael: O nome é apenas uma formalidade senhor artesão.

Ainda desconfiado Takashi dá um passo para trás esbarrando em Misa, esta permanecia imóvel olhando para baixo.

Takashi: Desculpe.

Michael: Não precisa desculpar-se, ela está aqui para isso. Misa leve a mala do senhor Takashi para o quarto 02

Misa: Sim.

Pouco depois Takashi entra no quarto 02, ele caminha por este vistoriando o local. Misa coloca a maleta gentilmente no chão.

Takashi: Obrigado, deve estar pesada.

Ele oferece uma gorjeta para Misa que recusa.

Misa: Eu não posso aceitar senhor.

Takashi: Por que vocês abriram uma hospedaria no meio de um rio? Não que eu esteja reclamando eu vim aqui por causa disto, mas é curioso.

Misa: Eu não sei senhor. O senhor terá que perguntar a dona da hospedaria.

Takashi: Por favor me chame de Takashi.

Misa: Mais alguma coisa Takashi?

Takashi: Sim, que tal um sorriso?

Envergonhada ela sorri enquanto Takashi coloca sua maleta sobre a cama.

Takashi: As meninas novas deveriam sorrir mais.

Misa: O que você tem na maleta?

Takashi: Eu vou mostrar.

Ele abre sua maleta retirando algo que parecia uma boneca loira de olhos azuis em escala natural, com cuidado Takashi senta-a na cama, a boneca parecia respirar, ela olha para o lado e respira novamente.

Takashi: Esta é Illiana um autômato

Misa: O que?

Takashi: Autômatos são maquinismos de aparência humana que se movem por meios mecânicos, é uma arte quase esquecida.

Misa: É incrível.

Takashi: Os primeiros autômatos foram criados por europeus, por isto Illiana tem aparência ocidental, meu próximo autômato será uma japonesa, poderia usa-la como minha modelo.

Misa (envergonhada): Eu? Que vergonha. Talvez o senhor devesse fazer um autômato a imagem e semelhança de minha mestra.

Takashi repara que havia um tom triste na voz de Misa, a garota se retira deixando o artesão sozinho. Este abre outra mala retirando alguns mecanismos e uma peça de plástico rudimentar, ele começa a esculpir um rosto.

Do lado de fora do quarto Misa olhava tristemente para a porta do quarto de Takashi, ela fecha os olhos ao perceber que Michael estava de pé ao seu lado.

Michael: Não chore pelos nossos hospedes.

Misa: Ele parece um homem tão bom.

Michael: Bondade e maldade não existem, são apenas maneiras de se interpretar a vida. Um covarde diz não ser capaz de fazer qualquer coisa justificando-se que estaria praticando o bem.

Misa: Mas o que este homem fez?

Michael ri alto, como se tivesse se divertindo com a pergunta dela, Michael vai embora rindo deixando Misa para trás. Após algum tempo Misa vai embora.

Começava a anoitecer, Takashi ainda trabalhava em seu novo autômato, sem perceber que Illiana olha para ele e respira profundamente.

A porta do quarto 01 abre-se. Uma garota vestida com um quimono preto caminha lentamente, com gestos suaves e delicados, como uma princesa a garota para e vira-se ficando de frente para a porta do quarto 02.

Garota: Não chore por ele Misa, pois ele não choraria por você.

Sua voz era suave, melancólica e penetrante soando mais sabiamente do que de costume, ela permanecia imóvel olhando para a porta como se soubesse o que estava acontecendo no quarto.

Takashi espreguiça-se na cadeira, ele estava cansado, de fato o quarto era tranqüilo e ele pudera trabalhar até tarde, já era noite e ele precisava dormir. Takashi fica de pé seus olhos se cruzam com os de Illiana, por um segundo ele fica fascinado.

Takashi: Você é a imagem da perfeição.

Ele levanta Illiana, esta respira profundamente enquanto olha para seu criador, Takashi dança com ela.

Takashi: Tão bela, tão pura, como se tivesse sido moldada por Deus.

Ele beija Illiana, não um beijo comum, mas um beijo apaixonado, como um homem beija seu maior e verdadeiro amor. Sem perceber o autômato em que ele estava trabalhando fica de pé, ainda incompleto (faltavam-lhe os olhos) nua o autômato anda pelo quarto.

Takashi: Acordou Sakura?

Ele olha dentro dos globos oculares. Aquele vazio, o negro e escuro vazio provoca uma angústia profunda, ele grita jogando Sakura no chão, em desespero Takashi começa a destruir o quarto. A porta se abre e a garota de quimono preto entra.

Garota: Pobre alma solitária, sua angústia o trouxe até mim.

Takashi: Sai do meu quarto.

Garota: Seu desespero é tão grande que você não consegue encarar sua própria criação incompleta.

Takashi estava em um baile de gala dançando com Illiana fazendo juras de amor eterno ao seu autômato. Ambos dançavam no centro do salão, os outros convidados formavam um círculo e aplaudiam “o casal”.

Takashi: Virei a casa de seus pais todos os dias para visita-la, isto é se seu pai permitir.

Ele olha para o lado procurando pelo pai de Illiana, percebendo que os aplausos cessaram, ao contrário, eles seguravam os risos, Illiana respira profundamente. A garota de quimono preto estava no centro do salão sendo iluminada.

Garota: O seu sonho acabou artesão.

Takashi: O que é isso?

Os dois estavam sozinhos no salão, ele esbarra em Illiana derrubando-a no chão. Takashi apressa-se em ajuda-la porém ao agachar-se depara-se com Sakura. O autômato o olhava sem seus olhos. Takashi contempla o vazio em seus olhos caindo para trás.

Garota: Seus olhos, eu preciso deles.

Ela aproxima-se dele caminhando delicadamente, de forma sedutora, a garota puxa a manga direita de seu quimono, cerra seu punho erguendo dois dedos: indicador e médio. Segurando a manga direita de seu quimono com a mão esquerda com seus dedos em riste aproximando-os dos olhos de Takashi.

Garota: Seus olhos, ela precisa de seus olhos.

Sakura estava sentada ao lado de Illiana, os dois autômatos respiravam profundamente, Sakura movia seu tronco, ela levanta suas pálpebras revelando um par de olhos brilhante.

Takashi gritava enquanto se arrastava pelo chão, ele sangrava pelos globos oculares, que agora estavam fechados.

Garota: Os olhos são o espelho para a alma, também são a entrada e a saída para o mundo exterior.

Ele continuava se arrastando gritando por Illiana, Misa observava tudo de dentro de um quarto, Michael apoia sua mão no ombro dela, fechando a porta.

Michael: Isto não é para os seus olhos.

De volta ao corredor a garota estava de cócoras a frente de Takashi segurando a cabeça deste. Ela abre as pálpebras vazias dele olhando dentro do vazio de seus globos oculares.

Garota: Onde está sua alma? Nem você poderia responder esta pergunta.

Takashi: Não!!!!!! Por que??????

Garota: Você sabe.

Takashi: Deixe-me ir.

Garota: Tarde demais, seu nome está no livro de registros, você pernoitou na minha hospedaria. Sua vida acabou no momento em que entrou aqui.

Takashi: Eu não fiz nada.

Garota: Exatamente.

No quarto 02 uma lágrima escorre pelo rosto de Sakura.

Os primeiros raios de sol nascia. A neblina provinda do rio ocultava a claridade tornando o dia cinza. Misa e Michael estavam do lado de fora, a garota se protegia do frio.

Misa: Eu posso fazer uma pergunta?

Michael: Pode sim, mas não garanto uma resposta satisfatória.

Misa: Ontem a noite a mestra disse que o nome do Sr. Takashi estava no livro de registro e por isso ele não poderia ir embora.

Michael: Então por que ela permitiu que você fosse embora?

Misa: Sim, eu ainda não entendo.

A porta se abre dela sai a garota vestida de quimono preto ela carregava um pequeno barco artesanal com uma vela dentro.

Michael: Os autômatos já foram embalados e estão junto com os outros objetos.

Misa presta atenção em sua mestra, esta estava inexpressiva, ela caminha lenta e suavemente até a borda da hospedaria agachando-se próximo ao rio.

Garota: Freud disse que o medo de perder os olhos é equivalente ao medo da castração e este por sua vez é sentido como sendo o medo da morte. Não acham isso interessante?

Michael: Realmente é fascinante.

De maneira serena ela acende a vela – nesta estava escrito Takashi – ela coloca o barco com a vela a bordo sobre o rio e fica vendo o barco indo embora.

FIM