A Hospedaria: Das Unheimlich (O Estranho)

Este conto ele é um capítulo a parte das demais histórias da Hospedaria, revelando a história da personagem principal. Como eu não gosto muito de explicar as origens de seres fantásticos acabei optando por uma maneira diferente de contar suas origens. Por isto mesmo ele é um capítulo a parte uma vez que “A Hospedaria” terminou no conto 09.

A Hospedaria: Das Unheimlich (O Estranho)

Michael arrumava os papéis da hospedaria, revendo os nomes de hospedes de várias épocas diferentes, ele olha para o lado como se pressentisse a vinda de sua mestra, não havia nenhum rastro de sua presença, mas Michael sabia que ela estava lá.

Diego estava digitando em seu computador: “...mas Michael sabia que ela estava lá.” Ele estrala seus dedos para em seguida espreguiçar-se na cadeira, pouco depois ele fica de pé começando a andar de um lado ao outro esperando ter alguma idéia. Como de costume ele falava consigo mesmo.

Diego: Ainda não estou contente com aquele final.

O autor bebe um pouco de água voltando para seu quarto sem perceber a presença da garota de quimono preto que estava observando-o. de volta a seu quarto ele olha atentamente para uma imagem de Sigmund Freud fixada em seu quadro de avisos há vários anos.

Diego: E agora?

voltando-se para seus livros em busca de alguma inspiração, sem perceber que a garota de quimono preto estava de pé atrás de seu criador resguardando silêncio sepulcral. Desta vez ela estava no mundo real, mantendo a mesma beleza e encanto hipnotizador, porém de olhar mais terrível do que descrito, mais assustadora e igualmente sedutora. Seu silêncio é quebrado.

Garota: “O meu destino é perturbar o sono da humanidade”.

Diego deixa seu livro “Dicionário de Psicanálise” cair no chão com o susto, paralisado de medo Diego só conseguia pensar em duas coisas: ele conhecia aquela voz, embora nunca a tivesse ouvido e ele tinha certeza que estava sozinho em casa. Diego fecha os olhos rezando sem saber qual medo era pior o de olhar para trás ou ficar de costas para o desconhecido. Por fim ele olha. A garota estava imóvel sem expressão, olhando fixamente nos olhos de seu criador.

Garota: Foi Freud quem disse isto. Não foi?

Ele não consegue responder, surpreendendo-se por ainda estar lúcido Diego cambaleia pelo quarto. A garota desvia o olhar de seu criador pela primeira vez estudando minuciosamente os detalhes do quarto daquele homem.

Garota: Como um homem tão gentil pode ter dito uma frase tão terrível?

Ela examina o quarto minuciosamente, estudando cada detalhe, decorando cada título de DVD, livros, Toys e outros enfeites. .

Garota: Talvez ele tenha sido irônico.

Diego (quase sem voz): Quem?

Garota: Freud.

Diego move sua cabeça positivamente, ainda sem voz.

Garota: Esta frase é uma maneira interessante de referir-se a sua obra.

Diego: A psicanálise é isto.

Garota: Não se cresce sem dor. Pode-se dizer que o sofrimento é necessário para “alcançar a felicidade”.

Em silêncio ela recolhe o livro caído de maneira gentil, de uma maneira que ninguém imaginaria ao ver aquela criatura. Calmamente ela folheia o livro num misto de curiosidade e determinação buscando uma informação em especial.

Garota: Será que a felicidade realmente existe?

Diego: O que você quer?

Ela para de folhear o livro olhando-o de maneira irritada com o questionamento, o sangue de Diego gelar. A raiva da garota é rapidamente substituída pela indiferença.

Diego: É isso.

Garota: O que?

Diego: Seus olhos, eles não refletem nada.

A garota desvia seu olhar para o livro encontrando a letra “S”.

Garota: Por que as pessoas tem medo do escuro?

Diego: Por que não tem nada lá, ao mesmo tempo em que pode haver qualquer coisa.

Garota: Monstros habitam a escuridão.

Diego: Mas você é diferente. Existe alguma coisa ai.

Garota: Você está mais calmo.

Diego: Você é a minha criação – ele faz uma pausa como se procurasse as palavras certas – de alguma forma você precisa de mim.

Garota: Outras pessoas já me conhecem, a sua vida não significa mais nada.

Ela volta sua atenção para o livro “dicionário de psicanálise” enquanto Diego cai sentado em sua cadeira esperando tenebrosamente pelas próximas palavras daquela garota esta abre o livro na página 744.

Garota: “O supereu mergulha suas raízes no isso e, de uma maneira implacável, exerce as funções de juiz e censor em relação ao eu. No Brasil também se usa o termo ‘superego’”.

Ela fica em silêncio absorvendo a informação enquanto Diego volta sua atenção para o monitor onde vê que seu texto estava diferente: “Garota: “O supereu mergulha suas raízes no isso e, de uma maneira implacável, exerce as funções de juiz e censor em relação ao eu. No Brasil também se usa o termo ‘superego’”.

Ela fica em silêncio absorvendo a informação enquanto Diego volta sua atenção para o monitor onde vê que seu texto estava diferente”.

Garota: Geralmente usa-se Deus como representação das normas, mas você preferiu outra imagem. Por que?

Diego: O demônio também é um superego eficiente.

Ele volta sua atenção para a garota, mas ela não estava mais lá Diego deita-se na cama imaginando se tudo aquilo não teria sido sua imaginação. Subitamente o autor sente alguma coisa sobre seu rosto algo liso, macio e negro. Eram os cabelos da garota de preto esta estava na cabeceira da cama olhando para seu criador de cima, em uma posição invertida a ele, olhando-o diretamente nos olhos encostando seu nariz na testa de seu criador.

Garota: Chegou a hora.

Diego acorda em cima da balsa, esta estava atracada o balseiro olhava-o de cima por detrás da máscara apontando para frente Diego segue a indicação reconhecendo a hospedaria, algo que ele nunca tinha visto mas sabia como era, ele rapidamente fica de pé descendo da balsa, andando a passos largos porém hesitantes, entrando naquele lugar maldito enquanto a balsa some em meio ao nevoeiro.

Dentro da pensão Diego encara Michael, este não consegue esconder seu sorriso, era nítido a maldade nos olhos do gerente.

Michael: Deve-se ter muito cuidado com suas criações.

Diego: Não preciso de suas lições de moral.

O criador afasta-se daquela figura repulsiva tentando imaginar uma maneira de fugir.

Michael: Não se pode criar monstros e depois lamentar as conseqüências.

O recepcionista ri enquanto Diego anda pelos corredores da pensão sabendo qual o destino de todos aqueles que percorrem seus corredores. Ele abre a porta de um dos quarto sentindo um “estranho familiar” sem perceber que a garota estava de pé atrás dele.

Garota: Curiosa escolha de palavras “estranho familiar”.

Diego: Eu ainda não sei se gosto ou odeio você.

Garota: Você me ama e isto o perturba.

Ela afasta-se da porta flutuando sobre seus pés sumindo nas trevas deixando Diego sozinho, este sabia que estava sendo observado. Ao sentar-se na cama da hospedaria Diego sente alguma coisa deitada ao seu lado esta coisa fica mais próxima encostando em seu rosto.

Coisa: Eu sempre estarei com você.

O medo paralisa Diego enquanto aquela coisa toma forma o mal cheiro e a textura de lodo o invadem. Em um ato de impulsividade Diego consegue fugir do quarto. Voltando para a sua casa, agora sim ele tinha certeza que estava louco porém Diego para assustado ao ver um buraco na parede, de onde sai uma aranha marrom com abdome pontiagudo. De dentro do buraco ouviam-se gemidos agonizantes Diego caminha para trás esbarrando na garota de quimono preto.

Garota: E então? Está pronto para morrer?

Ela mantinha um ar sacro no entanto aterrorizador.

Garota (melancólica): Por que todos querem entender?

Diego: Entender você?

Garota: O horror, ele nunca pode ser sentido de forma clara ou coesa, ele é ambivalente pode sentir-se medo na coisas mais belas e felicidade nos momentos mais terríveis. Porém o estranho este sim é sinistro.

Diego: Inquietante.

Garota: “O meu destino é perturbar o sono da humanidade”. Agora eu entendo e entendo outra coisa. Não foi você quem me criou mas apenas me deu forma.

Ela afasta-se enquanto Diego fica de pé.

Garota: Você apenas me deu forma tendo como base uma crença inata dos humanos no sobrenatural.

Diego: Mesmo assim não ficou claro.

Garota: Não existe clareza quando fala-se de seres humanos.

Diego: Você tem razão.

Garota: O sinistro (ou estranho) é um sentimento inquietante como algo que o deixa indefeso perante forças das quais não se conhece a procedência.

Diego: Estas forças vem de nós.

Ela aproxima-se de seu “criador” olhando-o dentro dos olhos pela ultima vez, Diego faz o mesmo, ela passa por ele entrando nas trevas.

Garota: A única certeza que tenho é que todos me amam, eles me desejam, mas não suportam a minha presença.

Ele nota uma tristeza profunda emergindo da alma da garota, resistindo ao impulso de consola-la, Diego recompõe-se.

Garota: Adeus.

A garota dirige-se para o escuro sentindo a manga de seu roupão presa a algo, ela olha para trás percebendo que seu criador a segurava os dois permanecem se silêncio, por fim Diego solta a garota, esta mantém uma expressão serena enquanto some nas trevas.

A garota andava solitária em meio a multidão, sentindo algo estranho no ar, o céu estava cinza, nuvens carregadas cobriam o sol. Ela sentia as pessoas andando em “câmera lenta” quando algumas colegiais passam por ela ignorando-a, uma delas muda sua expressão.

Misa: Das Unheimliche substantivo, do Alemão significa “O Estranho”.

Sem entender por que disse isto a garota segue seu caminho ao lado de seus colegas, todas passam na frente de uma livraria sem percebera presença de um livro entre os demais. Uma edição rara de Das Unheimlich (O Estranho) de Sigmund Freud publicado em 1919.

FIM