Zona Morta Santo André - Cap. 11 - O ônibus

Passamos pelo portão e chegamos na rua, onde a expectativa de apenas sete doentes se tornava mentirosa. A rua estava cheia deles. Espalhados, é verdade, mas ainda assim cheia, e os que estavam mais próximos se viraram para nós na hora em que passamos. Descemos a rua correndo e desviando deles. Corremos o quanto nos era permitido, e infelizmente isso não significava muito, por que o Vinicius era muito lento, por ser criança e por estar ferido.

Viramos numa esquina e demos de cara com uma rua intransitável, com muitos doentes e carros abandonados. Tivemos que dar meia volta e nisso quase que os doentes que estavam atrás de nós conseguem nos pegar. Corremos pro outro lado. Essa parte da rua sai em uma grande avenida. Corremos até ela. O cenário era caótico. Centenas de carros abandonados, e centenas de doentes vagando sem destino, isto é, até nos verem, por que então nós nos tornamos o destino deles.

Devia estar tendo um congestionamento enorme, com pessoas desesperadas querendo sair o quanto antes da cidade, mas acabaram ficando presas no trânsito. Ambulâncias estavam lá também, abandonadas, incapazes de chegar até o local que foram chamadas. Corremos por entre os carros, desviando dos doentes. O Renan chega perto de um carro de polícia e para. Vejo ele colocando a cabeça pra dentro do carro e ao tirar ele guarda alguma coisa no bolso, mas nessa rápida parada quase é pego.

- ATRÁS DE VOCÊ ! - eu grito.

O doente recebe um soco no rosto e cai no chão, para levantar apenas alguns segundos depois. Do nada, um doente sem pernas me agarra e eu caio. Tento fazê-lo me soltar, mas outros doentes já vinham em minha direção. Me arrasto para baixo de um carro e saio do outro lado. Vejo o Vinicius subindo no capô de uma picape. Corro até ele e o pego pra continuarmos correndo, mas perdemos o Renan de vista. Continuamos, até que o vemos saindo de trás de uma perua. Nós o seguimos, até que chegamos no lugar que devia ser a origem do congestionamento. Um ônibus tombado no asfalto bloqueava todas as faixas. Havia doentes por todo lado, achando brechas entre os carros para chegar até nós.

- ALI ! RÁPIDO ! - Renan grita, e nós seguimos. Entramos em outro ônibus. Vemos que o motorista estava desmaiado. Ele fecha a porta, mas os doentes começavam a chegar. Com vários chutes, ele quebra um dos bancos e coloca contra a porta. Sentamos para descansar. Em pouco tempo os doentes cercaram o ônibus, eles queriam entrar de qualquer jeito. E estavam conseguindo! Vimos que havia janelas abertas, e os doentes estavam entrando por elas! Noto um guarda-chuva em um banco. Sem pensar muito, pego ele e começo a dar guardachuvadas nos doentes que tentavam entrar, para impedi-los, e a fechar as janelas. Quando olho para o fundo do ônibus, me desespero! Um doente havia conseguido pular pra dentro, e estava se levantando. Outro já estava fazendo o mesmo que o anterior e estava com metade do corpo pra dentro.

- DROGA!

O Renan pegou o guarda-chuva de mim e correu até ele, batendo com força em sua cabeça. O outro ainda estava tentando entrar. Então eu tentei empurrá-lo de volta pra fora e fechei aquela janela.

- RENAN! - Ouvimos a voz do Vinicius gritar. Quando olhamos, o motorista, antes desmaiado, estava em pé, e começou a ir na direção do garoto. Vi uma bolsa no chão. Peguei ela e joguei no motorista doente, que recuou um pouco, para dar tempo ao Renan de terminar de matar o doente que entrou pela janela. O garoto menor saiu do lugar em que estava para vir até nós, mas tropeçou e caiu no chão. O motorista doente, recuperado da bolsada, foi na direção dele, mas quando ia se jogar sobre o garotinho, recebeu um golpe no pescoço e caiu pra trás.

- A gente precisa sair daqui de qualquer jeito! - Eu disse, olhando pro motorista jogado no chão com metade do pescoço dilacerada, mas ainda mexendo os braços e pernas. - Eles não morrem não ?!?!

A porta estava quase sendo arrancada pelos doentes.

- Tamos presos de novo!! - Disse Renan, porcurando uma saída.

- MEU DEUS! Eles tão em volta do ônibus inteiro! - Eu disse, olhando pelas janelas e ficando impressionado com a quantidade de doentes que apareciam.

- Todas as janelas tão fechadas? - Ele me pergunta.

- Acho que sim... e a porta, agüenta?

- Não sei por quanto tempo.

Acabamos saindo da panela pra cair no fogo. Eles estavam ao redor do ônibus, tentando entrar de qualquer jeito e ainda por cima gemendo. E nós, sem idéias de como escapar dessa vez.

Ao longe, escutamos alguns gritos, agudos, pareciam femininos. Não sabíamos de quem eram ou de onde vinham, mas me lembraram muito a voz da Camila e da minha mãe... mas pararam em pouco tempo.

Começamos a revirar o ônibus, as coisas que estavam jogadas. Eu peguei um bolsa preta e a abri. Estava bagunçada. Achei dentro dela uma carteira, que estava com uns trinta reais em dinheiro e mais alguns cartões de crédito. O nome da dona era Eliana Herbenn Martinez. Continuei a mexer na bolsa da dona Eliana, e eis que encontro uma embalagem de balas de goma e alguns chicletes. Guardo-os no bolso e dou as balas para o Vinicius.

- Acho que achei uma saída - Renan me disse.

- Como... aonde ?! - eu quis saber, e ele aponta aquela coisa tipo uma escotilha no teto do ônibus.

- Vem cá. Eu te levanto e você vê se dá pra abrir - Ele então me levanta e eu tento abrir, sem muito sucesso.

- Parece que não dá não...

- Tenta de novo. - Então eu puxo uma espécie de trava e ela abre.

- CONSEGUIU! Empurra ela! - Eu empurro ela pra fora, mas então ouvimos um "crackt" vindo da frente. Olhamos, e vemos os doentes colocando os braços pra dentro.

- Eles tão empurrando muito. A gente precisa sair rápido! - Renan disse - Vai você e espera que eu te passo o Vini. - Então ele me ajuda a sair e eu fico esperando ele me passar o irmão. Demora um pouco, mas então eles aparecem e eu puxo o garoto pelos braços. - DIZ PRA ELE FICAR LONGE DAS BEIRADAS! - O Renan fala. - Cara, você vai ter que me ajudar, eu não consigo subir sozinho.

- Tá bom! Dá a mão! - Eu falo.

- Não, peraí. Eu pulo, me seguro na borda e você me puxa, tá bem?

- OK !

Ele então dá um pulo e se segura. Eu começo a puxar ele, quando ouvimos mais barulho, e então alguma coisa puxa ele de volta.

- ELES TÃO ME PUXANDO! ME SEGURA! - Ele grita pra mim. Com sorte, consigo puxar ele e fechamos a "escotilha".

- Legal, e agora? - Eu falei. Estávamos em cima de um ônibus, com montes de doentes ao redor, sem idéias de como escapar dessa vez e com uma criança ferida. E ainda por cima era noite, o que diminuía toda e qualquer chance de resgate.

[...]

The Kinslayer
Enviado por The Kinslayer em 06/09/2008
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