O RENASCIMENTO ( A Saga De Luke)

-VOCÊ ACEITA?

Aquela frase ressoava em seus ouvidos como um címbalo contínuo de amargura e cólera. Ali, naquele porão úmido e vazio, seu corpo lentamente pagava o preço da maldição que drasticamente atraira para si. Sua vida agora convertia-se em morte e lembranças enquanto a voz de Henry persistia encantando sua mente obscura.

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-Não sei, creio que sim!

-Não podes achar, Luke. Isso é algo sério, e implica na mudança permanente de seu destino. Precisas aceitar meu convite, pois é um presente que estou oferecendo. Algo que não desejo lhe impor, apenas ofertar.

Luke olhou fixamente nos olhos do amigo, tentando ler os pensamentos que transcorriam além das palavras sedutoras. Mesmo assim, não captou nada que pudesse ajudar na decisão. Se soubesse o desfecho desse sinistro encontro, talvez tivesse optado por uma escolha mais sábia...

-Então eu aceito, Henry. Conte-me este segredo tão magnífico. Revele-me o que há tanto tempo escondes para que eu possa conhecer a plenitude dessa verdade!

As palavras do jovem foram muito belas, mas não se assimilavam nem um pouco às verdadeiras intenções da criatura que estava diante dele. Lentamente, os olhos de Henry transfiguraram-se, adquirindo um resplendor avermelhado e invívido. Sua tez já tão descorada ficou ainda mais alva, até confundir-se com a neve que cai sobre os montes parcos. E antes que Luke pudesse esboçar qualquer reação, os caninos de Henry vorazmente perfuraram sua jugular.

-O que está fazendo, me solte! Largue-me Henry!

Por mais que tentasse se desvencilhar do ataque, suas forças eram incomparavelmente inferiores ao poder de Henry. Os braços sacudiam fragilmente, como gravetos ao vento. Os resquícios de resistência escoavam pouco a pouco junto ao sangue que era sugado pela criatura. E quanto mais o monstro lhe sugava a vida, mais e mais sua mente divagava, fazendo com que perdesse a lucidez e o ânimo na luta. Dois minutos após a investida, e o jovem desfalecia completamente rendido no solo.

Henry agora olhava o corpo estirado na terra sorrindo prazerosamente, enquanto limpava o filete de sangue que corria dos lábios ressequidos. Levando o próprio pulso à boca, mordeu sua própria carne até que as gotas negras começaram a jorrar lentamente. O líquido impuro vinha do coração da criatura e maculava o solo, deixando-o árido e infértil.

-Beba, minha criança. Abra seus olhos uma última vez para este mundo, prove do gosto da morte, e renasça!

Ele abaixou-se até o corpo ensangüentado do amigo, que já abraçava a morte iminente. Mas, antes que seu último fôlego fosse ceifado, Henry estendeu o pulso descarnado para Luke instigando-o a imitar seu gesto de poucos minutos atrás. O jovem ainda tentou recusar, mas não havia forças suficientes para repudiar o licor demoníaco cor de vinho que respingava seu rosto vencido. E assim, a bebida dos amaldiçoados desceu por sua garganta, trazendo à tona um prazer primitivo. Desejos selvagens revelaram-se instintivamente naquela alma ceifada, fazendo com que as trevas desabrochassem em seu peito. Luke ganhou forças para segurar a mão de Henry e sugar com toda a vontade de uma criança faminta.

O outro apenas gargalhava insanamente, como se estivesse assistindo a um espetáculo único onde a personagem principal se mostrava à mercê de suas vontades. Conforme seu plano magnífico, tudo corria bem e seu mais novo brinquedo estava sendo forjado pelas trevas.

-Já chega, Luke.

A voz de Henry ressoou um tanto fraca, como que demonstrando dor nas palavras...

-Já é o suficiente! Me solte!

Henry agora tentava desvencilhar seu pulso da bocarra escancarada de Luke, que rosnava como um lobo ensandecido, incapaz de libertar sua presa. Henry precisou golpear fortemente seu ombro para interromper a ferocidade de Luke, fazendo com que ele se encolhesse num canto, acuado. Luke ainda não percebia, mas deixara de ser um mero mortal, para se tornar algo bem pior.

-Seu tolo, como ousa me desobedecer? Pagarás caro por tal insolência!

Henry levantou-se num pulo, lambendo o sangue do punho ferido, que já não apresentava nenhum vestígio dos caninos de Luke. E, caminhando em direção do alçapão, sussurrou as últimas palavras que o aprendiz ouviria de sua boca naquele encontro:

-Agora, dê adeus a sua família, aos seus amigos e a tudo o que conheces na vida, pois agora já não fazes mais parte dela. És um amaldiçoado. Um imundo, como a mim muitas vezes já se referiram. Encontrarás teu destino onde minha maldição começou.

Luke tentou acompanhá-lo, mas era tarde demais. Henry moveu-se com a agilidade de um felino e desapareceu por detrás da pequena entrada do porão. Ele agora estava só.

Não muito tempo depois, Luke começou a sentir uma forte tontura. Seus pés cambalearam e viu-se novamente arremessado ao chão. Uma dor aguda dilacerava suas entranhas, fazendo-o grunhir como um cão mutilado.

O estômago de Luke queimava, fazendo com que seu corpo tivesse espasmos e convulsões horríveis. Em sua mente, vozes e gritos atormentavam sua sanidade, deixando-o cada vez mais enlouquecido. Seus lamentos de desespero espalharam-se pelo porão escuro como uma tempestade que arrebata a calmaria do mar. As sensações eram indescritíveis, um turbilhão de informações invadia o sistema nervoso do jovem, revelando seu novo estado de espírito. Trevas e escuridão tomaram conta de sua consciência, e ele finalmente esmoreceu no sofrimento. O velho Luke agora estava completamente morto.

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-ONDE ESTOU?

Sua visão, seu olfato, sua percepção, tudo estava diferente. A mente tentava processar os novos fatos e pouco a pouco ia se recuperando. Luke olhou para o próprio corpo, percebendo que algo havia mudado. No lugar onde Henry o havia golpeado, uma grande mancha negra eternizava as lembranças daquele episódio sombrio. Levantando-se do chão, sentiu uma leveza jamais provada antes. Seus passos pareciam que não tocavam o solo. Seu olfato distinguia perfeitamente todos os odores daquele lugar. A visão enxergava nitidamente o lugar frio e escuro onde adormecera. Luke percebeu que era hora de sair da reclusão.

Com um salto, alcançou furtivamente o alçapão e abriu a porta que dava para o exterior. Lá fora, um pôr do sol alaranjado despedia-se dos seres vivos com seus leves raios deixando a Terra. Sentindo sua pele queimar, Luke retornou rapidamente para a escuridão de seu esconderijo, temendo o fulgor da claridade. No lugar onde os raios solares o tocaram, restara apenas uma leve cicatriz. Uma lágrima rolou por sua face quando se deu conta de que jamais tornaria a ver a luz do dia.