Noturno Festim

O silêncio era um grito rasgando as trevas. Sentia a melancolia estruturar arrepios em seus ossos, enquanto a mágoa roia-lhe o coração. O homem caminhava pela rua, e o luar cuspia luz sobre o calçamento. Ele sentia galgar-lhe a espinha o medo do desconhecido que se revelava naquela noite de lua alta e gorda. A dor lhe cegava, e as rotas incertas de sua embriaguez em labirintos de curvas na amplidão retilínea. Caminhava ébrio, ébrio de todas as atrocidades que lhe cortavam em pedaços o coração; sentia uma coisa esquisita, uma sombria emoção de que as coisas poderiam mudar, mas algo lhe trancava a garganta que em meio aos gritos criava uma atmosfera de profundo terror.

Repentinamente um vulto alto e magro aproximou-se de forma inexata, e seu rosto transfigurado em sonho mergulhou num abismo de delírios, uma placenta musgosa de angustia. Participava dum teatro do absurdo, dum festim infernal onde a consciência obumbrada, não enxerga os astros dançarem no firmamento. O homem era um fragmento do que fora. Recordava a lava da dúvida em seu vulcão cerebral, erupções cutâneas enfeitavam ao redor de seus lábios, e um filamento de pus promanava de seu olhar, como se fossem lágrimas. Não era um homem, era uma besta, um simiesco que arrojava impropérios devastadores na devassidão de sua consciência. O amor era uma quimera em seu olhar e as garras de osso furavam a carne em farrapos. O fulgor de seus dentes idolatrava o sabor da carne carbonizada. A noite era propicia a tristeza e a orgia, mas isto era apenas o começo. Afinal a lua gorda e reluzente hipernutrida sorria, e os gritos ensurdeceram a madrugada. Triste era o fim dos monstros que despertam nas trevas com sede de sol, encontrada no sangue. Sim a noite era uma celebração de imundícies, uma sinfonia onde o acorde mais belo era o lamento de algum deus sepultado. Enfim reinava a fera interior de cada um, sempre na iminência dum ato extremo. A morte os saúda.

Luis Felipe Saratt
Enviado por Luis Felipe Saratt em 07/11/2008
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