Morta há Muito Tempo

Caía uma leve garoa, o único ruído naquele apartamento era o da chuva, subitamente o porteiro arromba a porta, ao entrar ele é golpeado pelo mal cheiro, um policial entra atrás dele. Ambos param na frente de dois corpos: um homem e uma mulher, perto deles estava Luana, uma adolescente com retardo mental.

Dez anos depois Joana, uma assistente social recém transferida, começa seu trabalho colocando em dia os papéis de seu novo escritório, “isso está uma bagunça” reclamava consigo mesma, Poll, outro assistente social, entra no escritório curioso.

Poll: Você chamou?

Joana: Não, desculpe é que eu estou meio perdida.

Poll: Tudo bem.

Joana: Poll, todos esses papéis.

Poll (rindo): Esse é o arquivo morto da sessão.

Joana: Arquivo morto?

Poll: Sim, todos esses casos estão encerrada.

Assim que ele vai embora Joana puxa uma pasta, derrubando vários arquivos, entre eles um arquivo gigantesco amarrado com uma corda branca, intrigada Joana lê o nome do arquivo “Luana”, Joana ameaça desamarrar o arquivo quando seu chefe, Tomas, entra na sala.

Tomas: Como está indo?

Joana: Muito bem, no arquivo morto.

Tomas: Desculpe, essa é a única sala que temos.

Joana: Se você precisava de uma faxineira deveria Ter contratado outra pessoa.

Sem jeito ele olha em volta, até reparar na pasta na mão de Joana, Tomas fica assustado e sorridente ao mesmo tempo, Joana percebe seu olhar e intrigada levanta a pasta.

Tomas: Então isso estava aqui?

Joana: Quem é essa menina?

Tomas: Era, a pasta “Luana” foi o caso mais intrigante de nossa cessão.

Joana (assustada): Por quantos lares adotivos ela passou?

Tomas: Apenas um.

Joana: E tudo isso?

Tomas: São cópias dos inquéritos policiais, como você não é da cidade talvez não saiba, mas essa garota envolvia muitos mistérios, leia o arquivo, vai ser interessante.

A noite Joana entra em casa, ela surpreende-se com um caminho de pétalas de rosa, ao segui-las Joana encontra velas acesas, uma garrafa de vinho tinto, duas taças e um peru assado. Seu marido sai da cozinha surpreso.

Joana: O que é isso?

Gorge: Você estragou a surpresa.

Joana: Como você é lindo.

Os dois se beijam, as horas passam, as velas derretem, ambos estavam na cama, Joana coloca o arquivo “Luana” dentro de uma gaveta, intrigando seu marido.

Gorge: O que é isso?

Joana: Um arquivo antigo.

Gorge (irônico): Roubando arquivos?

Joana: Aquilo lá é uma bagunça, o diretor da sessão deixou que eu trouxesse o caso.

Gorge: “Lição de casa”?

Joana: Não sei, na verdade nem sei por que eu o trouxe.

Joana estava em uma casa que nunca vira, o sangue escorre, gritos cessam subitamente, um gemido invade o local, Joana sente algo aproximando-se, o gemido fica mais alto, uma porta abre devagar, Joana grita, ela é acordada por Gorge, percebendo que ainda estava em sua cama, os dois se abraçam, sem perceber que a porta do quarto estava entreaberta.

Amanhece, Gorge vestia sua melhor roupa, enquanto esperava o microondas aquecer seu café, Joana surpreende-se com o marido, ela sorri e belisca a bunda dele.

Joana: A onde vai?

Gorge: Com ciúmes?

Joana: Não, ninguém é mais bonita que eu.

Ela ri enquanto bebe um gole de café Gorge termina de abotoar sua camisa e apoia-se na pia, bebendo seu café.

Gorge: Tenho uma entrevista no jornal local.

Joana: Você consegue, essa cidade é pequena e seu currículo é o melhor de todos.

Gorge: Como você sabe disso?

Joana: Ninguém aqui deve ter sido correspondente internacional.

Horas depois no trabalho Joana consegue achar um lugar para sentar-se, em meio aos arquivos, ela liga o computador, analisando as opções de adoções, reclamando que precisa de uma secretária, ela olha para sua bolsa e vê o arquivo “Luana”, decidindo que já era hora de le-lo.

Nove anos atrás Luana havia sido adotada por um casal, longe do orfanato Rafaela, a filha do casal que adotou Luana, estava deitada na cama ao lado de sua melhor amiga Clare.

Rafaela: Hoje chega a monga.

Clare: Quem?

Rafaela: Aquela garota que meus pais adotaram, eles foram busca-la no orfanato.

Clare: E por que ela é monga?

Rafaela: Parece que o parto foi complicado, ou alguma coisa assim e ela nasceu “errada”, meus pais devem estar se sentindo culpados e fizeram isso para compensar alguma coisa, sei lá.

Clare: E amanhã a noite?

Rafaela: Confirmadissimo.

As duas garotas ouvem o som de um carro estacionando, Rafaela faz uma careta, pois sabe que sua irmã chegou, Clare ri com sua amiga, as duas descem as escadas correndo, os pais de Rafaela, Marcos e Roberta, tiram uma careira de rodas do porta-malas, enquanto Marcos carrega Luana, sentando-a na cadeira de rodas, Luana tinha sua cabeça caída de lado, proferindo alguns sons.

Roberta (falando com Luana): Isso mesmo, essa é a sua irmã.

Rafaela: Mãe, ela não pode entende-la.

Roberta: Como você sabe?

Clare sorri, se despede de todas e vai embora, enquanto Luana é acomodada em sua nova casa, a noite durante o jantar Rafaela fica furiosa com seus pais.

O telefone toca quebrando a concentração de Joana, ela seu marido dizendo que tinha conseguido o emprego.

Gorge: Vou passar no mercado a caminho de casa para comemorarmos.

Joana: Ótimo, mas com cautela, amanhã ainda é quarta-feira.

Gorge: Tudo bem, e você como vai?

Joana: Na mesma, apenas agendando visitas, não sei se foi boa idéia aceitar esse emprego.

Gorge: Tão ruim assim?

Joana: Tão chato assim, pelo menos o salário é bom.

Tomas bate na porta de Joana, essa despede-se de seu marido, enquanto manda Tomas entrar, ela desliga o telefone e força um sorriso.

Tomas: Como vai tudo?

Joana: Qual a possibilidade de eu ter uma secretária?

Tomas: Poucas, mas se precisar agendar alguma visita as nossas recepcionistas poderão marca-las.

Joana: Deu o enviou com essa notícia.

Tomas: E o arquivo?

Joana: Ainda estou limpando-o.

Tomas: Quero dizer o arquivo “Luana”.

Joana: Ela era uma garota excepcional que foi adotada, diria que teve sorte, mas não é tão estranho assim.

Tomas: Você não leu o inquérito policial?

Joana: Não tenho saco para isso.

Tomas: continue lendo.

Joana: O que tem o inquérito.

Tomas: Seus pais foram assassinados na sua frente, ela foi a única testemunha.

Joana: Deixe-me adivinhar: o assassino nunca foi encontrado.

Tomas: O apartamento estava trancado por dentro, os policiais tiveram que arrombar a porta, os pais tiveram um ataque cardíaco simultâneo.

A noite Joana transava com seu marido, ela estava sobre ele, sem perceber que alguma coisa os observavam de cima, a porta do quarto fica entreaberta.

Naquela noite Joana tem o mesmo sonho, ela sente algo pegajoso no chão, ao abaixar-se vê que o sangue era pegajoso formando um rastro pelo chão, Joana olha para o lado percebendo que estava em um apartamento, os gemidos recomeçam, ela vê uma porta abrindo-se, uma mão passa pelo vão da porta, como se alguém estivesse se arrastando, Joana acorda assustada, dessa vez ela não gritou, Gorge continua dormindo, como havia perdido o sono ela volta a ler o arquivo “Luana”.

Nove anos antes Rafaela jantava com seus pais e sua nova irmã.

Rafaela: Como assim não posso dar a minha festa?

Marcos: A sua irmã não está acostumada com barulho, nem com muita gente.

Rafaela: Isso não é justo.

Roberta: Você já não foi a uma festa semana passada?

Rafaela: Tudo por causa dessa aberração.

Marcos: Rafaela!

Rafaela: Olha para ela, nem parece humana.

Roberta: Sua irmã nasceu de um parto complicado, durante o nascimento ela sofreu de falta de oxigenação no cérebro, ela é doente.

Rafaela: E que culpa eu tenho?

Marcos: Rafaela.

Rafaela: Só vão vir poucas pessoas, vamos ficar conversando, sem música alta, por favor.

Os pais se olham por um segundo, enquanto a expectativa de Rafaela cresce.

Roberta: Tudo bem, mas com uma condição sua irmã também vai nessa festa.

Rafaela: O que!?

Roberta: Ou ela vai ou nada de festa.

Na noite seguinte Clair e Rafaela terminavam de preparar a comida japonesa, Carlos, Jake e Gabriela chegam, todos vão para perto da piscina, sentando em volta de uma mesa, Marcos leva Luana até elas e se despede.

Os amigos começam a jantar quando Robert pula o muro, trazendo consigo quatro garrafas de vinho, todos começam a beber e comer.

Carlos (irônico): Festa legal.

Clair: Não necessariamente.

Os dois pulam na piscina, enquanto Jake e Robert começam a competir para ver quem bebe mais.

Rafaela: O que acontece se eu der vinho para ela?

Gabriela: Para com isso.

Rafaela: Por que? Isso tudo é culpa dela.

Gabriela: Eles não estão reclamando.

“Eles” Clair e Carlos estavam se beijando na piscina, Clair tira a parte de cima do biquíni, Jake e Marcos começam a gritar.

Rafaela: Mas o que é isso? Exibição pública?

Clair: Já fizemos coisas muito piores.

Gabriela: Agora eu quero saber?

Rafaela: E você, qual foi a coisa mais excitante que você já fez?

Gabriela: Eu? Nada de mais.

Jake: O que é isso? Jogo da verdade?

Rafaela: Só para animar um pouco?

Clair: Lembra do primeiro colegial? Eu fiquei com um menino no parquinho das crianças, durante uma festa na escola, eu sabia que mais alguém podia ver, mas foi ótimo.

Carlos: Eu vi, foi lá que eu me apaixonei por ela.

Jake: Eu também vi, parecia que a Clair estava brincando de gangorra, mas só ela subia.

Todos começam a dar risada, menos Clair que joga água nos dois.

Robert: Ano passado eu peguei o penúltimo metrô, a estação estava vazia, eu entrei no túnel, estava com muito sono, e deitei nos trilhos esperando, queria saber se iria conseguir dormir podendo morrer a qualquer momento.

Rafaela: Nossa!

Robert; E você?

Rafaela: A primeira e ultima vez que fiquei chapada, meu então namorado me deu cocaína com anfetamina, parecia que o chão estava abrindo, ele disse que eu comecei a gritar no chão, o maior mico.

Robert: Depois disso mais nada?

Rafaela: Não.

Gabriela: E você Carlos?

Jake: Não vai falar daquilo.

Clair: O que é aquilo?

Carlos: Vocês conhecem a brincadeira do copo?

Todos ficam contrariados, Jake bebe mais um copo de vinho dizendo que tinha avisado.

Gabriela: Mas isso é uma brincadeira.

Carlos: Não, é sério e foi a maior emoção da minha vida.

Jake: Para com isso.

Carlos: Tá com medo? Já faz tempo que você me diz que essa brincadeira é mentira, mas nunca quis repeti-la.

Rafaela (sorrindo): Somos em seis, bom seis e meio.

Clair: Vocês estão falando sério?

Pouco depois estava tudo pronto, os seis amigos sentavam em círculo, Luana estava afastada, Carlos bebe mais um pouco de vinho e vira o copo sobre a mesa, todos colocam suas mãos sobre o copo.

Rafaela: E agora?

Carlos: Esperamos.

Jake: Que saco, ainda dá tempo de rolar uma suruba, certo Clair?

Clair: Filho da puta.

Um vento súbito chacoalha as folhas de uma árvore e agitam a água da piscina, a cadeira de rodas de Luana anda alguns centímetros, a inquietação toma a todos, o copo gira suavemente.

Robert: O que foi isso?

Carlos: Silêncio.

O copo parece andar poucos centímetros, uma nuvem encobre a lua, Luana tenta falar alguma coisa, sua voz não sai, o copo se move rapidamente.

Carlos: Tem alguém ai?

“SIM”

Carlos: Qual o seu nome?

Dessa vez o copo não se move, Luana tenta gritar, começando a chorar, o copo move-se, parando sobre a letra “D”, a lua é descoberta, o vento para, Luana estava chorando, mas parecia melhor, Rafaela levanta-se, indo até sua irmã.

Carlos: Dizem que pessoas como ela são mais sensíveis, mas não sei.

Clair: Acho que essa é a nossa deixa.

Ela aponta para a entrada da casa, Marcos estava de pé sorrindo, ele vai até Luana, dizendo que ninguém precisa ir embora, mas Luana tem que ir dormir.

Assim que eles saem Rafaela senta-se na mesa com seus amigos, eles vêem a luz do quarto de Luana sendo apagada.

Rafaela: Vamos continuar?

Gabriela: Não, por favor.

Os gritos de Luana percorrem a casa, ela gritava em desespero, Marcos e Roberta entram no quarto, ascendendo a luz, a garota chorava copiosamente, os amigos decidem que está na hora deles irem embora.

Amanhece, era Sábado, por isso Rafaela acorda quase meio dia, sua cabeça doía um pouco por causa do vinho, ela ouve alguma coisa sendo quebrada. Ela se vira, olhando um porta retrato com foto de seus amigos caído no chão, seu lençol aperta um pouco, o colchão afunda um pouco, ela se levanta rapidamente ascendendo a luz, mas tudo estava normal.

Ela descia as escadas calmamente, e se surpreende ao ver seus pais sérios.

Marcos: Houve um acidente, o carro de Carlos bateu, ninguém sobreviveu.

De volta ao presente Joana afasta o arquivo de seus olhos sussurrando: “todos morreram”, ela grita ao ser abraçado, era Gorge, ele a beija no rosto.

Gorge: O que foi?

Joana: Nada.

Ela fecha o arquivo, colocando-o de lado, ambos levantam-se, sem perceber uma sombra na cama deles.

Uma criança chorava, enquanto era ninada por sua mãe, mais duas meninas corriam em volta, um quarto filho batucava nas panelas, a mãe gritava, ao mesmo tempo que Joana preenchia uma ficha.

Mãe: Então quanto que eu ganho?

Joana: Temos a ajuda básica, você trabalha?

Mãe: Você acha que eu suportaria isso se trabalhasse?

Joana: Não trabalha, e seu marido?

Mãe: Você acha que...

Joana: Sem marido.

Ela destaca um pedaço do protocolo, entregando-o para aquela mulher, avisando que em breve entrariam em contato, Joana entra em seu carro aliviada, uma menina de longos cabelos negros estava sentada no banco de trás, sangrando, Joana olha para trás, a garota havia sumido, com seu susto ela tinha derrubado o arquivo “Luana”, a assistente social começa a recolher algumas folhas soltas, quando encontra algumas fotos da perícia, tiradas na noite da morte de Luana, o apartamento era o mesmo de seus sonhos.

Meia hora depois Joana falava ao telefone com seu marido, ela estaciona o carro, olhando para cima.

Gorge: O que exatamente você quer?

Joana: Tudo que você encontrar, notícias sobre a morte dos pais de Luana, sobre eles e qualquer coisa sobre o que aconteceu depois.

Ela sai do carro desligando o telefone, entrando em um prédio, encontrando-se com o síndico.

Sindico: Foi a senhora que ligou?

Joana: Sim, desculpe ligar em cima da hora, mas é que eu estou com pressa.

Pouco depois eles estavam no apartamento onde os pais de Luana morreram, ela constata era o mesmo lugar de seu sonho, o síndico torce em silêncio para que Joana não pergunte por que o apartamento está tão barato, a assistente social caminha pela sala, fazendo o mesmo caminho que faz em seu sonho, algo a observava de cima, Joana olha para o lado, vendo uma porta fechada, ela sente um arrepio.

Síndico: Esse é o quarto menor.

Joana: O que?

Síndico: O apartamento tem dois quartos, um grande e outro pequeno.

Joana: Para as crianças?

Síndico (intrigado): Sim.

Ela abre a porta entrando no quarto, ele estava vazio, Joana aproxima-se da janela, subitamente Joana olha para um dos cantos do quarto, não havia nada, o síndico entra atrás dela, ele estava assustado, ambos estavam perto da janela.

Síndico: Vamos ver outros cômodos?

Joana: Já vi o que queria, obrigada.

Enquanto isso Gorge olhava várias capas de jornal, parando em uma delas sorrindo triunfante, enquanto anota alguma coisa.

Era noite, Tomas andava pelo prédio da assistência social, parando na frente da sala de Joana, ela já estava fechada, essa se entre abre, Tomas dá um passo para frente, a porta abre lentamente, ele arregala seu olho, um gemido invade o local, Tomas cai sentado, uma garota se arrasta pelo chão, ele grita.

Ao mesmo tempo Joana lia alguns relatórios de casos antigos, Gorge a abraça, beijando seu pescoço, Joana sorri.

Joana: Boa noite amor.

Gorge: Boa noite.

Joana: Por que está tão feliz.

Gorge: Encontrei algumas coisas para você.

Joana: Sobre os pais de Luana?

Gorge: Também, achei outra coisa, mas eu só darei para você se tiver alguma coisa.

Os dois sorriem, pouco depois eles estavam transando na cama, o lençol escorrega lentamente, como se estivesse sendo puxado. Uma hora depois Joana descansava no peito de Gorge, esse entrega uma capa de jornal para Joana, ela surpreende-se, a porta do quarto abre e fecha-se silenciosamente.

Joana estava no apartamento dos crimes, ela ajoelha-se na trilha de sangue, notando que o sangue estava denso, havia alguma coisa branca misturada, Joana leva sua mão a boca, contendo o vômito, era placenta, Joana cai de costas, a porta do quarto estava aberta, Luana engatinhava no chão, olhando-a nos olhos, a garota aproxima-se de Joana que perde sua voz.

Joana acorda com o despertador, já era dia, ela levanta-se para se trocar, o lençol estava caído, ao recolhe-lo Joana estranha, ele estava quente, um choro infantil, Joana gira em torno de si, mas estava sozinha no quarto.

Ao chegar em seu trabalho Joana estranha a movimentação, vários policiais andavam apressados pelos corredores, os funcionários cercavam sua sala, preocupada ela aproxima-se de Poll.

Joana: O que aconteceu?

Poll: Tomas.

Joana: O que ele fez agora?

Poll: Ele sofreu uma parada cardíaca ontem a noite.

Joana: Não pode ser.

Ela abre passagem, indo até a porta de sua sala, onde vê Tomas morto no chão, um policial tenta retira-la, mas Joana o empurra dizendo que aquela é sua sala, outro policial faz com que ela entre.

Policial: A sala é sua?

Joana: Mudei essa semana.

Policial: Tem idéia do por que ele estaria aqui?

Joana: Tomas tinha a chave de todos os escritórios, mas não sei por que viria aqui, essa sala era usada como arquivo morto.

Joana sai do prédio de assistência social correndo, ela respira profundamente e entra no carro, abrindo o caso “Luana”, ela vê a imagem dos cadáveres dos pais de Luana e de seus pais adotivos, todos eles morreram de ataques cardíacos, Joana recosta no banco vendo Tomas de pé apontando para a estrada, ela olha para o jorna que Gorge trouxera: “Filha é acusada pela morte de pais e irmã adotiva” abaixo do título a imagem de Rafaela em uma camisa de força.

Gorge pega o telefone tentando ligar para sua esposa, o telefone estava mudo, ele tenta mais uma vez e nada.

Gorge: O telefone está quebrado?

Secretária: Não.

Ele levanta-se, indo usar o telefone de sua secretária, mas a ligação cai na caixa postal.

Secretária: Alguma coisa errada?

Gorge: Nada.

Ele volta para sua sala, passando na frente de uma grande janela, uma garota estava do lado de fora olhando-o, encostada no vidro, como se ela se apoiasse.

Gorge senta em sua mesa, a tela do computador estava em descanso, ele move o mouse e lê o conteúdo da tela, pensando em Joana.

Joana estava em uma sala de espera, uma enfermeira abre a porta, Rafaela entra, olhando para baixo, arrastando seus pés, as duas mulheres ficam sentadas uma de frente para a outra.

Joana: Nós não nos conhecemos...

Rafaela: Ela está com você.

Joana: Como?

Rafaela: Eu já vi, ela está com você.

Joana: Eu sou assistente social e...

Rafaela (sorrindo): Eu estava certa.

Joana: Eu preciso saber o que aconteceu com Luana e seus pais.

Rafaela: Eu os matei.

Joana: Eu li as notícias da época e o relatório policial, mas não acredito.

Rafaela: Eu matei todos naquela noite, Carlos sugeriu que fizéssemos a brincadeira do copo, naquela hora eu não sabia, mas ela sabia.

Joana: Quem é ela?

Rafaela: A aberração que meus pais trouxeram, ela trouxe uma coisa consigo, primeiro foram meus amigos, na outra noite foram meus pais, eu estava no meu quarto quando ouvi um barulho, eu levantei rápido tentando abrir a porta, alguma coisa a prendia, minha mãe estava gritando, a porta abriu.

Nove anos antes Rafaela batia na porta gritando em desespero, girando a maçaneta, enquanto ouve os berros desesperados de sua irmã, a porta abre, sua mãe estava paralisada de medo, medo do que estava no quarto de Rafaela, a garota é arrastada para a escuridão, a mãe tenta levantar em desespero quando a porta fecha.

Horas depois Rafaela fica de pé, correndo pela casa, os móveis estavam bagunçadas, Luana se arrastava pelo chão, entre seus pais, Rafaela entra em desespero apertando o pescoço de Luana, essa olhava para cima, Rafaela olha para trás.

De volta ao presente Rafaela olhava nos olhos de Joana, essa estava pasma, as duas ficam em silêncio.

Rafaela: quando acordei aquele monstro estava afogado na piscina.

Joana: O que você viu perto do corpo de seus pais?

Uma enfermeira vê Rafaela respondendo a pergunta de Joana, mas não consegue ouvir nada, ela entra na sala dizendo que o tempo acabou, Rafaela é erguida pela enfermeira enquanto Joana permanece em silêncio.

Rafaela: Em nove anos nesse sanatório eu ouvi muitas coisas, inclusive que os arquivos de natalidade mais antigos estão arquivados no porão, caso queira saber.

A garota é levada pela enfermeira, pouco depois Joana ascende a luz do porão, logo ela vê vários arquivos, em dezenas de estantes, ela escolhe a esmo um lugar para começar sua busca, a assistente social andava entre duas estantes, um arquivo cai no chão assustando-a, era o arquivo dos pais de Luana.

Ela começa a ler os exames pré-natais, surpreendendo-se com alguma coisa, um gemido invade o porão, Luana se arrasta pelo chão atrás de uma instante, Joana vê algo movendo-se, a assistente abraça os arquivos tentando correr até a porta entreaberta, Luana a fecha, Joana tenta correr para outro corredor, Luana estava na sua frente, apoiando-se em uma estante, erguendo seu tronco, com os cabelos caídos, ela tenta falar, olhando fixamente para trás de Joana, essa move sua cabeça lentamente, ela desmaia.

Joana estava de pé na sala de cirurgia, uma equipe médica entra apressada cm a mãe de Luana em trabalho de parto, a mulher gritava muito, uma enfermeira afastava o pai de Luana, a mulher grita mais alto, a enfermeira tranca a porta, Joana percebe que mais ninguém podia vê-la.

Médico: O bebê está sentado.

Enfermeira: Empurre.

O sangue da grávida escorre por suas pernas, manchando o chão, uma enfermeira limpa o sangue de suas coxas, ela grita.

Médico: Vou Ter que abrir.

Mãe: Não.

Médico: Anestesia.

Mesmo sendo dopada a mulher gritava, tentando fugir do bisturi, mais uma contração, a enfermeira vê alguma coisa, uma criança nasce, logo ela é enrolada em um lençol e tirada da vista de sua mãe.

Enfermeira: Já é tarde.

A mulher grita mais uma vez, outra criança nasce, a enfermeira toma seu pulso, outra faz respiração boca a boca, a mulher chorava, porém fica tranqüila ao ouvir o choro de sua filha.

Joana acorda, ela estava deitada na cama em um quarto do hospital, Gorge sorri sentado ao seu lado, ele alisa os cabelos de sua esposa que respira tranqüila.

Gorge: Você está bem?

Joana: Tive um pesadelo.

Gorge: Você desmaiou no porão, estava abraçando o arquivo da família de Luana.

Joana: Você imagina como é morrer antes mesmo de conseguir viver.

Gorge: O que?

Joana: Luana é gêmea univitelina, sua irmã morreu no parto.

Gorge: Eu sei, descobri em minha pesquisa – Joana fica muda de surpresa – eu ia contar para você, mas não consegui te ligar, agora descanse.

Joana: Com que nome bebê seria batizado?

Gorge: Diana.

O marido sai do quarto deixando sua esposa descansar, ele carregava o arquivo “Luana” da assistência social, ele tinha ligado para Poll e iria devolve-lo antes que sua esposa estivesse melhor, ele entra no elevador, Gorge estava sozinho porém a imagem gerada pela camera do elevador mostrava uma menina com claro déficit mental olhando para ele.

Joana dormia sedada, o lençol que a cobria caia lentamente, Joana abre os olhos vendo que o lençol estava no chão, ela o puxa de volta virando-se para o lado, Luana estava na cama olhando-a, Joana levanta, cambaleante ela anda pelo corredor caindo no chão, a porta de uma saída de incêndio abre lentamente, Luana sobe as escadas se arrastando, ela para ao lado da porta, apoiando-se no batente, Luana olha para cima assustada, Joana olha para trás, ela vê outra garota se arrastando pelo teto, a garota cai sobre Joana, que em desespero a chuta.

A assistente social levanta-se com esforço e se apoia na parede enquanto desce as escadas, a outra garota descia as escadas se arrastando, Joana cai dos degraus, no lança inferior das escadas estava Luana gemendo como se quisesse falar alguma coisa, Joana olha par cima e vê a outra garota descendo as escadas, a garota aproxima-se de Joana, apoiando suas mãos nas pernas de Joana, a garota olha Joana por entre seus cabelos sujos, em seguida apoia sua cabeça na barriga de Joana.

Joana acorda, Gorge estava de pé ao lado de um médico, os dois estavam serenos, mas tranqüilos, Gorge sorri.

Joana: Onde ela está?

Gorge: Quem?

Joana: A garota?

Médico: Você teve uma alucinação.

Joana: Não!

Médico: Na verdade a culpa é minha, quando a mediquei não fiz todos os exames necessários, tal reação é comum em seu estado.

Joana: Como assim.

Gorge: Eu não falei?

Joana: O que?

Gorge: Você está grávida.

Joana treme de medo enquanto alisa seu ventre, as palavras de Rafaela vêm a sua mente: “ela trouxe uma coisa consigo”, Joana olha sua barriga “o copo move-se, parando sobre a letra ‘D’”, os olhos de Joana lacrimejam, seu queixo treme, “Joana: Com que nome bebê seria batizado?”, “Gorge: Diana.” Gorge sorri de alegria, enquanto recebe um abraço do médico, Joana chora, como se não restasse mais nada a não ser chorar.

FIM