O Horror na Festa Imbecil

Não sei onde estava com a cabeça quando decidi ir àquela festa estúpida e deprimente. Deprimente para mim, que jamais conseguiria participar daquela categoria medíocre de diversão, em que era odiosamente torturado por ruídos abomináveis de funk, axé, forró, pagode e outras degradações sonoras. Meu temperamento jamais compactuaria com aquele espetáculo de baixaria e vulgaridade hediondas. O que para os outros, em seu vazio interior, era um paraíso de frivolidade, para mim era um inferno de enfado e monotonia, uma lamentável perda de tempo. Por isso, resolvi isolar-me em um canto, sentando-me sozinho com uma garrafa de vinho. Pelo menos, iria me divertir observando o ridículo dos outros e degustando uma bebida que tem bem mais a me dizer que aquela espécie de festa.

Cerca de uma hora depois, havia bebido toda a garrafa e preparava-me para ir embora, quando senti uma forte tontura, e fui obrigado a voltar a sentar. Por alguns segundos, somente a escuridão dominava meus olhos, e, quando me retornou o sentido da visão, o que vi constituía-se de um horror tão pungente que me sinto transtornado ao narrá-lo. É que as pessoas que ali bebiam, que conversavam suas tolices aos gritos, que dançavam e rebolavam ridícula e freneticamente, que se insinuavam de forma erótica, que se abraçavam e se beijavam grotescamente, não eram mais pessoas, mas seres pavorosos que não saberia definir cabalmente, tão repulsivas e bizarras eram suas feições. Em palavras simples, posso afirmar que eram como monstros insanamente repelentes, entes disformes, todos imundos, nojentos, perfidamente asquerosos. Todo o ambiente também parecia imerso na mais podre imundície, uma sujeira absoluta, fétida e insuportável, algo tão abominável que eu não poderia identificar adequadamente sua constituição.

Minhas alucinações assumiram então um novo aspecto, ainda mais absurdo. Enquanto a festa ominosa prosseguia, quatro seres alados com enormes asas de morcego membranosas e providas de garras passaram pelo ambiente. Possuíam um par de chifres negros, com o corpo de formato antropóide e coberto de espessas escamas, sobressaindo na hedionda face dois imensos olhos sanguinolentos. Dirigiram-se cada um para os cantos do salão e, em questão de segundos, deslocaram e ergueram integralmente o teto do mesmo, carregando-o para longe, além de meu campo visual. Em seguida, os demônios alados retornaram trazendo algo como um telão de gigantescas proporções. Enquanto os repulsivos partícipes da festa executavam suas lúbricas danças, indiferentes ou inconscientes quanto ao que ocorria no alto, principiaram a surgir no medonho telão sustentado pelos diabos algumas imagens, ao total de sete, que insuflaram em meu mundo emocional a mais fremente e arrasadora tristeza por mim já vivenciada. Tentarei, ainda que de forma insipiente, descrever as terríveis e perturbadoras visões...

Na primeira delas, vi um imenso lago de água cristalina em um vasto campo de um verde profundo e inquietante. Ao redor do lago, dezenas de animais de variadas espécies agrupavam-se, aparentemente nervosos, transtornados. Logo, um esquadrão de pássaros, surgidos de um espaço não visível, lançaram-se desvairadamente nas águas do lago, e, em seguida, todos os outros animais atiraram-se de forma alucinada naquelas águas antes tranqüilas, desaparecendo nas mesmas. Segundos depois, os corpos dos animais assomaram à superfície do lago, flutuando mortos. Haviam se suicidado.

A segunda das visões formava-se de um cemitério com infinito número de cruzes, que se prolongava a incomensurável distância. Eram altas cruzes de um branco imaculado, sob um céu de perturbadora cor de chumbo, nublado, num ambiente pesaroso de dor, angústia e aflição. Pairava algo de nebuloso naquelas atmosferas... Percebi, então, que alguns vultos obscuros começaram a surgir por detrás das cruzes. E o número dos mesmos aumentava assombrosamente, assumindo formas mais perceptíveis. Eram tétricas almas carrancudas, tristonhas e envelhecidas. E passaram a emitir pavorosos grunhidos e murmúrios fantasmagóricos, que se transformaram em gemidos e uivos aterradores, horríveis urros e berros, causadores de lancinante desespero e amargura insuportável. Aquelas vozes dantescas aumentavam e diminuíam seu volume constantemente, dando a depressiva impressão de uma procissão fúnebre provinda de abismos infernais.

Sem intervalo, surgiu ante meus olhos a terceira das visões, que nada mais era que um sol negro mergulhando em um mar de sangue arroxeado, sob apocalíptica tempestade de chuva também negra. A visão foi tão rápida e frenética que me deixou uma sensação de dilacerante angústia. Imediatamente, sobreveio a quarta visão, algo que não sei descrever... Meu Deus! Que seres eram aqueles? Juro que jamais presenciei coisa semelhante, seja na realidade, seja em ficções, seja em sonhos ou nas minhas próprias imaginações, já tão doentias e absurdas. Eram loucuras, loucuras completas, absolutas loucuras. Alguns daqueles seres eram tão exageradamente horripilantes que minha mente insiste em esquecê-los, para não sofrer trauma ainda maior; outros, tão feéricos e maravilhosos que não consigo alcançar imagens e palavras para decodificá-los de alguma maneira. Sequer me recordo do ambiente em que estavam e do que faziam... Por isso, calo-me e passo à quinta visão. Esta constituía-se por um casal que dava seu último beijo, durante uma noite de lôbrega escuridão. Beijaram-se e se despediram irradiando infinita tristeza de seus olhos. Enquanto se afastavam, um olhava para o outro com um desespero crescente, e então se jogaram ao chão em derramado choro, um choro horripilante, aos gritos, de lágrimas de sangue e linfa, um pranto funesto e pressago, de um pânico sobrenatural... Por fim, seus olhos caíram, e surgiu da escuridão um pequeno duende horrível e envelhecido, cuja face não pude divisar. Ele juntou os globos oculares do solo, colocou-os em uma bolsa e desapareceu na noite negra...

A penúltima das visões principiou com uma imagem de um melancólico crepúsculo romântico sobre extensas colinas de um verde florido. Em seguida, iniciou-se uma música estranha, e vi que era executada por um anjo de grave aspecto portando um violino. Tal música era extremamente triste, atingindo o máximo da tristeza por mim conhecida. Duvido que alguém tenha escutado melodia mais melancólica, duvido. Era de uma tristeza fenomenal, inconcebível. Chorei insanamente a escutando... E o anjo desapareceu, mas a música prosseguiu por alguns minutos. Pude, a seguir, identificar uma multidão de seres que, lentamente, melancolicamente, funebremente, seguiam o anjo. Tais seres também apresentavam características angelicais, porém, ao mesmo tempo, eram assombrosamente tristonhos, com profundas faces de desespero. Finalmente, na sétima e última das visões, voltou o anjo da música triste, mas sem o violino e em outro cenário, dominado por uma névoa intensamente vermelha, rubra ao extremo. O silêncio era sepulcral (devo esclarecer que durante as visões, deixei totalmente de ouvir os sons da festa). O anjo olhou-me fixa e gravemente... seu rosto era belíssimo e de traços delicados. Em seguida, ergueu o braço direito e com o dedo indicador apontou o céu... E findaram-se as visões. As gárgulas do inferno recolheram o telão, o teto foi recolocado no local, e fui descansar de minha exaustão psíquica.

Passados alguns segundos, o cenário imundo da festa voltou ao normal, assim como seus participantes, que retornaram ao comum aspecto humano. Excetuando este último parágrafo, todo este relato eu escrevi durante a festa, enquanto as visões permaneciam vivas em minha mente. Curiosamente, ninguém prestara atenção em mim naquele canto penumbroso... Todavia, alguns minutos após ter finalizado o relato dos horrores, uma mulher desconhecida dirigiu-se até onde eu estava e perguntou-me o que eu fizera todo aquele tempo ali sozinho, pois já era alta madrugada. Entreguei-lhe as folhas com meu escrito e disse que escrevera tudo durante a festa. Ela sentou-se e leu integralmente o relato. Em seguida, com expressão de reprovação, disse-me estas palavras: “Que coisa horrível, pra que escrever isso? Pra que tanto horror? De onde tu tirou essas coisas? Que absurdo! E numa festa! Dizer isso de nós... Tu é louco, doente? Qual o teu problema?” Não respondi, apenas expressei um leve sorriso irônico, peguei as folhas com o relato, despedi-me friamente da mulher e saí daquela festa imbecil, onde jamais deveria ter posto meus pés.

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Alessandro Reiffer
Enviado por Alessandro Reiffer em 29/04/2006
Reeditado em 23/08/2006
Código do texto: T147399