MARIPOSAS

“Por onde andei, enquanto você me procurava...” Sei lá! O quê? Como o quê? Oras, eu respondi apenas, sei lá... Não é para responder. Não? Claro que não, eu estava apenas cantarolando... Vai me dizer que não conhece a música? Mas, falando nisso... Por onde andaste? Eu passei as duas últimas semanas no hospital... Credo! Tá doente? Eu? Não, não... Minha prima estava internada. Ah bom... Já saiu? Sim, o enterro foi ontem. Tá lôco meu? O que aconteceu? Acidente? Mais ou menos... Como assim? Mais ou menos.... Ela foi atacada... Nossa sociedade está virando um inferno, verdadeira guerra civil. Não podemos mais sair às ruas, vivemos enjaulados e ninguém se importa. Não sei nem porquê insistimos em chamar isso de sociedade. Na verdade é um ajuntamento de egoístas. Como foi esse ataque? Mão armada? Menores? Foi à noite? Ela estava só? Quantos anos sua prima tinha? Calma, calma... Você me deixa maluco! Uma pergunta de cada vez e sem discurso de sociólogo.... Na verdade ela foi atacada sim, mas por mariposas... Prostitutas? O que ela estava fazendo no meio delas? Não, não, não! Preste atenção: eu disse mariposas. Aquela borboleta besta que fica na parede que nem quadro? Essa mesmo. Minha prima, que aliás fazia faculdade de filosofia, estava com as amigas abastecendo o carro em um posto da rodovia perto de Paraty... Na Rio-Santos? É... e enquanto o frentista olhava os níveis de água e óleo, três delas desceram para comprar picolé. Minha prima ficou junto do carro para que não houvesse nenhuma sacanagem com o mostrador da bomba de gasolina. Sabe como é, né? Chapa de São Paulo, Estado do Rio... Sei, sei, mas e daí? Daí... que veio um monte de mariposa pra cima dela, em vôos rasantes atacando firme, inclusive batendo contra ela, o carro e tudo o mais. As amigas vieram acudir, achando que era só espantar e pronto. As bichas ficaram mais raivosas ainda, intensificando o ataque. Uma das meninas lembrou que estas borboletas são atraídas pela luz e correu para fora do alcance da iluminação do posto. A coitada nem viu aonde começou o barranco e despencou mais de trinta metros. Morreu na hora. Foi um grito de horror e as amigas e o frentista correram para ver. Minha prima se trancou dentro do carro e fechou os vidros. Nenhuma mariposa conseguiu entrar junto mas duas delas se meteram pelo duto do ar e foram estraçalhadas pelo sistema de sucção e ventilação do carro. Enquanto as outras duas não entendiam o que estava acontecendo e ficavam gritando o nome da terceira na beira do barranco, o frentista tratava de se defender com a vassoura de pêlo, aquela que eles usam para limpar os vidros. Portanto, ninguém viu o que estava acontecendo dentro do carro...É! Uma viatura da Polícia Rodoviária, que passava casualmente, reparou no tumulto e veio ver de perto. Chamaram os Bombeiros para resgatar o corpo da ribanceira e quando a coisa acalmou, perceberam minha prima desmaiada dentro do carro. O Resgate levou ela, mas só no hospital é que perceberam a gravidade do caso. Uma determinada espécie de mariposa, a HYLESIA SP que causa dermatite papulopruriginosa, tem ´gerado transtornos ultimamente, na medida em que se debate e libera suas espículas. Estas, ao atingirem a epiderme causam um trauma mecânico que posteriormente evolui para intenso prurido. O problema é que ela respirou esta porcaria na medida em que as mariposas foram estraçalhadas pelo sistema de ventilação. Foi só sofrimento. Credo! O duro foi convencer os médicos de que ela tinha sofrido ataque de mariposa. Me perdoe, mas tenho vontade de rir... Ora se tem graça! A mariposa e os efeitos destes seus espículos estão descritos no Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos da FUNASA e desde 2001 deveria ser de conhecimento de todos os médicos e agentes de saúde. Mas, como tudo neste país, o atendimento à população nos postos de saúde é mambembe. Plantonistas mal preparados, médicos desinteressados e estressados, é só o que temos... Mas me diga, já escolheu? Podemos pedir? Sim... Garçom!

Ocirema Solrac
Enviado por Ocirema Solrac em 29/03/2009
Reeditado em 15/12/2009
Código do texto: T1512257
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