DANILO É O LOBO!

- Danilo é o lobo! – Repetia incessantemente Michele.

- Como você pode ter tanta certeza disso? – Replicava Alex.

- Porque eu sou vizinha dele e tenho reparado no seu jeito de agir nas últimas semanas. Estou te dizendo, Alex, eu vi, ninguém me contou não, tenho meus olhos como testemunha. Na última lua cheia eu vi quando ele saiu pela porta dos fundos da casa, o acompanhei de longe e o vi seguindo em direção ao Mato Alto...

- Você diz ao bosque? Interrompeu o rapaz...

- É, Alex, lá mesmo, deixe-me falar, eu reparei bem, ele seguiu apressado e antes de se perder na escuridão da mata, arrancou as roupas do corpo e começou a correr utilizando os quatro membros para isso...

- Você só pode estar brincando, menina...

- Não, eu juro, e te digo mais, duas meninas desapareceram no bairro vizinho, e eu mudo o meu nome se não foi por obra dele.

- Você só está de implicância porque ele é diferente, não se mistura muito na escola...

- Não é isso não, Alex, ele é esquisito sim, mas é pelo fato de ser um amaldiçoado...

- Você está vendo muito filme de terror...

- Pode debochar, mas se você está tão certo de que estou louca, vamos fazer uma prova então, ou você tem medo?

- Medo? Eu? Nunca! O que você tem em mente?

- É o seguinte...

Já era madrugada de sexta-feira, o rapaz seguia apressado pelas ruas vazias e frias, sempre fazia muito frio naquela época do ano, mesmo com o céu aberto e a lua imensa a brilhar. Apenas as luzes oriundas dos postes faziam companhia a ele, Danilo apertava mais o passo, sempre agia assim quando cruzava a calçada ao lado do bosque do Mato Alto, sua pele negra parecia ficar com um tom pálido ao passar pelo local. Dobrou o quarteirão, já se aproximava de sua residência quando fora surpreendido por um golpe na cabeça que o levou ao chão. Quando acordou estava no interior do bosque, amarrado a uma árvore, várias pessoas o cercavam, cabeças encapuzadas, ele demorou a colocar os pensamentos em ordem.

- Hoje você será desmascarado, assassino – falava uma voz feminina, que lhe soou familiar.

- O que é isso, gente? Me tirem daqui, eu não tenho nada a ver com isso, por favor, me deixem ir.

- Não sem antes você revelar a sua verdadeira face.

- Não, não, me soltem – desesperava-se o rapaz – vocês não entendem.

Um som que gelou a alma de todos ecoou, um ruído que sugeria a abertura dos portões do inferno, todos se calaram. Novamente o uivo.

- O que é isso, Michele? O que é isso? – As palavras de Alex denunciavam toda a apreensão que inundava o ambiente.

A garota não conseguiu responder, antes que pudesse abrir a boca, um gigante revestido de pêlos saltava sobre o grupo logo atrás de onde estava, a fraca iluminação do bosque não permitia que definissem com exatidão os contornos do ser que os atacava, para sorte deles, pois a figura seria capaz de matar apenas com a visualização de sua imagem.

Michele vislumbrava apenas as órbitas amareladas que saltavam de um lado para o outro, cada salto dado era acompanhado por um grito apavorante. Os jovens tentavam correr, mas eram impedidos pela fúria assassina da fera. O rapaz amarrado à árvore repetia a mesma frase:

- Eu tentei avisar! Eu tentei avisar!

Um a um os jovens foram perdendo as vidas, sem ao menos entender ao certo o que buscavam naquele lugar, naquela situação, talvez achassem que apenas participariam daquelas brincadeiras cujo único propósito seria humilhar o colega esquisitão da escola. Nunca imaginariam deparar-se com um ser cujo único propósito na vida era matar, comer, matar novamente, para voltar a comer.

Michele e Alex foram cercados pela besta, às suas costas estava o rapaz acorrentado.

- Eu avisei, eu avisei – a voz já não era a de Danilo, um timbre diferente, grave, saía da garganta do jovem enquanto falava, os elos da corrente foram cedendo até arrebentarem.

A respiração era pesada, uma fumaça esbranquiçada era expelida pelas narinas e boca.

- Victor – falou o rapaz, direcionando-se à fera diante dele, Michele e Alex observavam atônitos, sem saber o que fazer – eu sabia que era você, só poderia ser, ninguém mais teria o desrespeito de invadir o território alheio, demorei a reconhecer o seu cheiro na terra.

Ao som de estalos e grunhidos, a criatura bestial, até então postada em quatro patas, ensaiou um erguer de corpo e ganhou traços humanos.

- Você não merece ser um de nós, é muito benevolente, muito previsível, aprecia os humanos de maneira errada. Deles, só a carne – falava Victor.

Danilo urrou com um ódio incomum, até mesmo para a sua espécie, e ambos, quase que de forma simultânea, converteram-se em feras, saltando um de encontro ao outro, os jovens, que estavam entre eles, foram atacados pelas duas forças, caíram feridos no chão, vitimados por cortes profundos provocados pelas garras negras e dentes alvos. Os gigantes entraram em combate.

Alex sentia seu sangue escapar livremente pelos sulcos abertos em seu tórax, ele fitava os olhos vítreos e sem vida da amiga caída bem ao lado de onde estava, desviou o olhar para as feras, dentes e garras abriam caminho através dos pêlos, rasgavam a carne, jorrando um sangue de tonalidade escura sobre o barro. Uivos e rosnados, a lua no céu a tudo assistia. O rapaz, em um último esforço, tentou encontrar um pensamento, mas nada chegava à sua mente, tentava buscar a lucidez, mas esta lhe abandonava.

Uma das feras sobrepujava a outra, abria a imensa boca de onde escorria um líquido esbranquiçado e pegajoso, apenas uma sairia com vida.

Um urro, que seria complementado pelo golpe derradeiro, mas, não houve tempo para isso, garras afiadas como a lâmina de um samurai golpearam o pescoço da criatura invasora, separando a cabeça do corpo, Victor tombava sem vida.

Danilo, vencido em batalha, levou seus olhos de fera em direção ao seu salvador. Ele sabia que aquela máquina assassina só estava diante dele por obra sua, pois agora, no sangue de Alex corria a essência do lobo. A fisionomia do rapaz de atitudes esquisitas começava a se mostrar novamente.

- Obrigado, eu nunca quis criar problemas na vizinhança, eu agia distante daqui, os desaparecimentos foram obra do invasor, nós temos uma área de atuação, só pode haver um de nós em cada regi...

Antes que pudesse completar a sentença, um golpe rápido e preciso o calou, a mandíbula poderosa do novo lobo dilacerou a pele macia de seu pescoço. Ainda aproveitava a energia da carne recém ingerida quando decidiu reverter o processo de transformação, Alex sempre imaginou que se existissem tais feras elas seriam movidas apenas por instinto e morte, ele ficara maravilhado com a possibilidade de dominar um poder incomparável sem perder o domínio de suas ações.

Já plenamente em forma humana ele olhou para a amiga caída sem vida e disse em voz alta:

- É, você tinha razão, Danilo era mesmo o lobo.

Caminhou solitário pelas trilhas desertas do bosque.

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 04/05/2009
Reeditado em 17/11/2009
Código do texto: T1575124