Os Mensageiros do Apocalipse

“Ora, quando se completarem os mil anos, Satanás será solto da sua prisão,”

(Apocalipse 20:7-9)

Estávamos em um acampamento no meio da noite. Havia uma floresta ao nosso redor e à nossa frente estava a margem de um rio, onde o reflexo da lua dançava suave.

Tudo o que eu me lembro é que eram umas cinqüenta pessoas. Em sua maioria mulheres, carregando seus filhos. Cobertos por longos xales de lã para se proteger do cortante frio da madrugada. Todos, inclusive eu, usávamos um crucifixo no colar pendurado ao pescoço. Duas fogueiras estavam acesas, onde a maioria das pessoas se amontoava, em busca do calor aconchegante. Todos tinham um aspecto sofrido e desesperado. A aparência de fugitivos no momento da fuga. A cada segundo eles olhavam para os lados, como se um cão de caça estivesse à espreita para devorá-los.

Eu era o único que não sabia de nada. Não sabia o que estava acontecendo. Simplesmente estava ali sozinho entre eles, então eu também devia me preocupar com aquilo, o que quer que fosse. Juntei-me a um grupo de mais ou menos sete pessoas e puxei uma caneca quente de chá. Mas antes que eu pudesse aquecer a boca, algo estranho aconteceu. Vindo do meio da mata, uma mulher quase nua, de tão rasgadas as suas roupas; cicatrizes por todo o corpo e manchas pretas pelo rosto. Os olhos vermelhos e esbugalhados saltando das órbitas, enquanto ela chegava gritando para todos.

- São eles! Eles estão vindo! São eles!

Todas as pessoas se levantaram desesperadas, catando seus pertences e pegando suas malas. As fogueiras foram rapidamente apagadas com terra e algumas senhoras tropeçaram e caíram no meio do caos. As crianças pareciam aterrorizadas e agora corriam com os pais na direção do rio. Muitos pularam na água, de roupa e tudo, e começaram a nadar no meio da escuridão. Iam em direção a outra margem, o que era uma distância significativa e não parecia ser boa idéia. Alguns homens ficaram no acampamento, assim como eu. Pude ouvi-los discutir.

- Claro que não são eles! Não sabem que estamos aqui! Jamais!

- Eles nos encontraram! Eles nos acharam, corram!

- Se realmente são eles, então eu quero ver!

Vi esse último homem seguir na direção da mata, empunhando um facão. Logo os outros o seguiram. Eu permaneci parado no acampamento. A maioria das pessoas no rio já sumiam no horizonte. Estava absurdamente frio e escuro para vê-los lá. Ouvi os grilos e o som cristalino das águas. Encolhi-me no casaco, para não congelar. Agora todos haviam sumido. Sentei, observando o que conseguisse enxergar por entre os galhos da floresta. Foi quando um grito agudo rasgou o silêncio e me fez levantar de um salto.

- Eles estão vindo! São eles! Corram!

E mais dois homens se uniram a ele, todos se jogaram no rio e nadaram para longe.

Fiquei intrigado, não sabia o que “eles” eram. Mas todos fugiam deles como o diabo foge da cruz. O diabo...

A cruz. Apertei o crucifixo que usava no cordão e fechei os olhos, tremendo. Dei uma última olhada para trás e jurei ter ouvido algo. Então, corri na direção do rio e me atirei no banho gelado. Naquele momento a água congelada me esfaqueou por dentro. Eu não conseguia raciocinar, enxergar ou respirar. Apenas sentia frio e medo. Impulsionei o corpo me sacudindo para ir o mais depressa possível. Atrás de mim, alguém vinha pelo fundo. Pude sentir na espinha, mas não pude enxergar. Só vi o reflexo da lua e metade do meu copo submerso na escuridão. Que segredos o fundo daquele rio esconderia? Mas não pude pensar em nada a não ser na dor. Nem mesmo se eu sabia nadar.

Com muito esforço, meus pés tocaram o barro lamacento. Com o corpo cheio de cãibras e a roupa encharcada, subi ofegante na outra margem e corri sem parar. Só havia mato e escuridão. Olhei para o lado e vi uma pequena e antiga casa de barco abandonada. Nenhum sinal dos outros. Deviam ter se escondido lá. Entrei aos tropeços e bati a porta de madeira podre que quase desabou em cima de mim. A casa de barcos estava vazia. Pra onde tinham ido os outros? Segurei meu crucifixo com força e fiquei olhando por uma fresta o que vinha lá de fora. Mas nada veio. Passaram-se minutos e nenhum sinal de nada. Respirei aliviado e abri a porta. Meu coração disparou quando vi. Com botas de couro pretas, armaduras de metal e máscaras de espinhos. Armados com martelos de ferro, chicotes e lanças afiadas. Todos eles tinham longos cabelos negros preso em um rabo de cavalo. Eram todos enormes e maiores que um homem normal. Bati a porta novamente e a tranquei pelo lado de dentro. Bastava um toque para ela ser derrubada. Todos eles me viram, todos estavam vindo agora. Encostei-me à parede e comecei a rezar. Meus olhos amedrontados fixos na porta. Tentei fazer silêncio, mas minha respiração desesperada me denunciava. Era quase impossível não querer gritar.

Um estrondo, minha espinha gelou e a porta foi parar no chão. Tremi da cabeça aos pés, o queixo batendo de frio e pavor. Barulho de passos e metal. A respiração rouca deles fez os pêlos da minha nuca se arrepiarem. Gritei o mais forte que pude, mas minha voz jamais saiu.

Fechei bem os olhos e segurei a pequena cruz.

Eu tinha oito anos.

Glaucio Viana
Enviado por Glaucio Viana em 22/05/2009
Reeditado em 22/11/2022
Código do texto: T1607728
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