A Casa no Fim da Rua

Benjamim desceu a escadaria de sua nova casa.

– Onde vai filho? – indagou a mãe da cozinha de onde descascava uma cebola.

– Não vou sair da rua – respondeu ele em tom monótono.

A mãe sorriu enquanto ele saia para a manhã fria da pequena cidade.

Atravessou o quintal gramado e chegou até o portão.

Olhou para os dois lados da rua, sua casa ficava na esquina, olhando para a direita via-se uma rua reta, que parecia não ter fim, tudo era idêntico, era estranho, como se houvesse um grande espelho ao lado da sua casa refletindo-a infinitamente. Eram simetricamente iguais, na mesma cor pastel-pálido, as cercas baixas e brancas, os gramados bem cuidados, como se a qualquer momento fosse surgir o “Concurso do Mais Belo Gramado da Cidade”.

Mas era um belo lugar, isso Benjamim tinha que admitir, mas sair de onde crescera para uma cidade com uma vizinhança totalmente desconhecida transformava aquilo tudo em uma melancolia frustrante.

Estava prestes a dar um chute de protesto no portão quando uma garota virou a esquina, caminhando pela rua silenciosa; era um pouco mais baixa, usava bermuda e uma blusa branca decotada que deixava a mostra boa parte de seus seios em fase de crescimento.

Ela sorriu para ele. Benjamin olhou para o lado para ter certeza de que fora mesmo para ele. Vendo que não havia ninguém retribuiu o sorriso corando.

– Olá!! - disse ela ainda sorridente – Você é o novo vizinho, não é?

– Éh... Sim... – disse meio sem jeito afagando os cabelos.

– Sou Lilly! - disse ela estendendo a mão – Moro na rua de trás!

– Ah...pode me chamar de Ben! – respondeu recompensando o aperto rapidamente. – Você não está com frio?

Idiota, pensou ele, Acaba de conhecer uma garota e é isso que diz?

Mas ela respondeu ainda ponderando o sorriso no rosto.

– Eu já me acostumei! – Ela olhou nos olhos dele. – Quantos anos você tem?

– Catorze! - informou ele.

Ficaram em silencio e o vento levou o perfume dela de encontro ao seu rosto. Era delicioso.

De repente ela acenou para o outro lado da rua, Ben se virou para ver quem era e lá vinha um garoto atravessando até eles, tinha um andar gingado que incomodou Ben.

– E ai? – disse para Lilly, virou-se e estendeu a mão para Ben. – Como vai Turista.

– Não sou turista. Eu moro aqui! – respondeu em tom azedo, hesitando em apertar a mão do garoto.

– Tudo bem! Eu sou o Leo, como devo chamá-lo então?

– Ben!

– Pra onde estava indo? – perguntou Lilly a Leo.

– Eu estava... Indo até o fim da rua!

– Ah não, Leo! - disse ela impaciente – essa maluquice de novo?

Ben olhava de um para o outro.

– Você sabe que não é maluquice! – protestou Leo.

– Esperem! – disse Ben – O que tem no fim da rua?

Leo sorriu ante a pergunta.

– No fim dessa rua há uma casa que não é nada parecida com as outras! – respondeu o outro garoto em um forçado tom sombrio. – É velha, suja e abandonada, os antigos dizem que ela pertenceu a um cara que enlouqueceu, matou a esposa e os filhos e depois os enterrou no porão antes de se matar...

– Tá...isso é papo furado! – disse Lilly irritada.

– Humpf ! – fez Ben, destilando seu ceticismo.

– Ahh, então você também não acredita, não é? Pois bem, fiquem aí, eu vou lá dar uma olhada. – E saiu andando decidido.

– Espera, eu vou com você! – disse Lilly.

Rapidamente Ben destrancou o portão.

– Não vou deixar que vá sozinha.

– Ela não estará sozinha Turista, eu vou junto! – disse Leo sem diminuir o passo.

– Grande coisa, eu nem conheço você!

– Na verdade você é o estranho aqui, eu sou primo dela! - disse Leo em tom definitivo.

– Isso não vem ao caso! – disse Ben agradecendo por ele ser apenas o primo.

– Mas é claro que vem ao caso! Eu sou parente dela e você chegou a...

– Vocês querem parar com isso? - disse Lilly pondo fim na discussão.

Andavam, mas a impressão era de que não saiam do lugar, tudo era perturbadoramente idêntico, exceto pelos números de bronze pregados nas portas.

– Mas diz aí Turista, por que se mudou pra cá?

– Porque minha mãe quis, por mim ainda estaria na minha velha cidade.

– Eu fico feliz que tenha se mudado Ben! – disse Lilly fazendo seu rosto corar – Não tem muita gente da nossa idade por aqui.

Que ótimo, pensou Bem, Vou ter como amiga uma bela garota, e de quebra eu ganho um chato pra carregar!

***

Cinco minutos depois os três se encontravam diante de uma casa de madeira velha. Realmente estava suja e abandonada, mas Ben pôde perceber que fora uma casa requintada há muito tempo.

– Então é isso? – comentou Ben em tom cético.

– Não tá botando fé, né? – disse Leo sorrindo.

– Já disse que é cão! – azedou Lilly.

– Então porque os vizinhos reclamam dos barulhos à noite? – defendeu Leo.

– Eles já viram alguma coisa? - perguntou Ben em tom de quem já sabia a resposta.

– Bem... Não, mas já ouviram vozes, e barulhos...

– Olha cara, eles podem ter ouvido só um maconheiro viajando ou um casal trepando, tá? A Lilly tem razão, é lorota! – disse Ben definitivamente. Virou-se e fez sinal para que Lilly o acompanhasse.

– Esta com medo, Turista? – disse Leo naquele forçado tom sombrio – Você está?

Ben o encarou.

– Eu não, mas e você? Se não está com medo por que ainda está aqui fora? - indagou Ben em tom de desafio.

– Hahaha Turista, você é tão engraçado! – disse Leo irônico enquanto rumava para o portão da casa velha.

– Pra que a pressa? - disse Ben se adiantando para passar o portão antes de Leo.

Garotos, pensou Lilly.

– Lá vamos nós! – disse ela entrando logo atrás deles.

Atravessaram o quintal mal cuidado, havia touceiras de mato que chegavam à altura dos joelhos. Subiram os degraus que rangeram sob o peso deles. Ben se adiantou e bateu na porta três vezes.

– Cara, mas tu é cabeça oca mesmo não é? – disse Leo triunfante. – Acha que alguém vai atender?

– Ah é? Não esta cheia de fantasmas então? – ironizou Bem.

– Quer entrar de uma vez! – ordenou Leo – Damas vão na frente, não é?

Ben fechou a mão para socar a face sardenta de Leo, mas Lilly se colocou entre os dois.

– Já chega? – disse amarrando a cara para os garotos. – Parecem dois idiotas, por que não se comportam.

– Mas uma gracinha e ninguém me segura! – bufou Ben.

– Entrem logo de uma vez! – disse Lilly irritada empurrando-os para dentro.

O cheiro de madeira podre e mofo eram fortes, Lilly tapou o nariz e a boca.

– Sinistro! – disse Leo.

– Cadê o Gasparzinho? – perguntou Ben se divertindo.

Leo o ignorou e rumou para o que devia ser a cozinha. Ben e Lilly se entreolharam e o seguiram. A mesa no centro do cômodo e a pia no lado oposto indicavam que fora mesmo uma cozinha, logo ao lado da entrada havia uma porta trancada por dentro.

– Interessante, não? – disse Leo forçando a fechadura. Então desferiu um chute violento contra ela, mas não cedeu apesar da madeira ser velha.

– Por que não me dá uma mão ao invés de ficar olhando, cara?

Ben revirou os olhos.

– Ta legal, se é pra sairmos logo daqui.

Então os dois chutaram.

Uma. Duas. Três vezes.

A porta cedeu e Leo a empurrou para o lado.

Os três olharam para baixo, havia uma escada, mas a escuridão só deixava visível o começo dela.

– Vocês vão descer nesse breu aí? – disse Lilly horrorizada.

Leo tirou uma lanterna do bolso e sorriu para os dois.

– Eu estou preparado!

– Tá bom ô caça-fantasma! – disse Ben – Já estamos aqui, vamos descer.

– Vamos lá! – disse Leo triunfante.

Ben seguiu logo atrás, Lilly agarrou sua mão instintivamente. Ele sabia que era só por medo. Mas e dai? Quem se importava? Pelo menos ele a sentia ali em silêncio; talvez a cidade não fosse tão ruim assim.

– Eu não disse? – gritou Leo ao pé da escada. Ben e Lilly ficaram ao seu lado, Leo iluminou e todos boquiabriram-se com a cena. Havia quatro caixões colocados em forma de círculo no chão de terra batida. Ben sentiu Lilly apertar mais ainda sua mão.

– E ai turista? O que me diz disso? – perguntou Leo batendo com as costas da mão em seu peito.

– Espera um pouco? – disse Ben soltando a mão de Lilly e agarrando a lanterna de Leo, caminhou cauteloso até o meio do círculo, ajoelhou-se ao lado de um dos caixões.

Eram feitos de mármore negro.

– Leo? – disse Ben ainda cauteloso – Quantas pessoas moravam aqui?

– Pelo que eu ouvi era o marido a esposa e um casal de filhos.

– Ta legal, vamos pensar um pouco então, o cara mata a esposa e os filhos, depois se mata e consegue fechar o próprio caixão?

– E daí? Ele pode ter se matado lá dentro? O cara devia ser um doente?

– Hum, não sei não! – disse Lilly. – Não tá me cheirando bem.

– Tá legal! – disse Leo tomando a lanterna de Bem. – Vamos verificar.

– Verificar o quê? – perguntou Lilly incrédula.

– Verificar se o cara se matou aí dentro ou não! – respondeu enquanto prendia a lanterna na lateral da escada, de modo que ela iluminasse todo o porão.

– Fala sério? – disse Ben.

– Relaxa cara, o máximo que vamos achar aí vão ser ossos e olhe lá, me dá uma mão aqui.

Desejando que aquilo acabasse rápido Ben resolveu ajudá-lo. Cada um pegou um lado da tampa do caixão e forçou para cima, era mais pesada do que esperavam e ela acabou cedendo, batendo desajeitadamente no caixão com um estrépito, em seguida escorregou para o chão espatifando-se; Leo caiu sentado, sentindo uma ardência na palma da mão direita.

– Ah droga! - disse enquanto arrancava o caco negro de mármore do meio da mão.

– Olha só pra isso, cara? - disse Ben apontando para o interior do caixão.

Leo se pôs de pé e Lilly se adiantou roendo as unhas.

– Caraca? – exclamou Leo. Dentro do caixão havia um homem, mas não parecia estar morto há muito tempo. Leo levou a mão até o peito do morto.

– Não respira!

– É lógico! – disse Ben – Teria morrido por falta de ar aí dentro, mas não parece ter morrido há muito tempo como na sua história.

– O que você acha? – disse Leo pondo a mão na face do homem, queria ver se estava fria.

Estava.

Quando recuou a mão o sangue escorreu dela e pingou entre os lábios do morto.

Os três se entreolharam.

– Sinistro! – disse Leo, e antes que fizesse qualquer movimento o morto abriu os olhos, as pupilas negras como o mármore.

– Ah meu Deus! – choramingou Lilly correndo em direção à escada, mas o morto se levantou e chegou tão rápido à frente dela que Ben e Leo não conseguiram acompanhar seus movimentos. Lilly caiu sentada, aterrorizada.

Leo e Ben olhavam bestificados.

O morto vestia-se todo de preto, terno de cetim, tinha os cabelos grandes e encarava Lilly com uma fúria sedenta no olhar.

Ben se moveu na direção de Lilly, mas o morto foi mais rápido e a puxou pelos cabelos, colocando-a de pé de costas para ele, uma mão segurava o pescoço dela, Ben estacou olhando apreensivo para aquelas unhas enormes pressionando a carne fina e branca, ela estava imóvel, em estado de choque.

O morto cheirou seus cabelos, fazendo sua pele se arrepiar; levantou a cabeça e sorriu, havia enormes caninos se projetando para fora da boca repuxada, gritou e os outros caixões se abriram, Ben e Leo estavam no meio do círculo de costas um para o outro, uma mulher toda de branco, cabeleira negra, se adiantou até o morto, devia ser a esposa ou não, Ben não conseguia pensar, não com aquelas outras duas criaturas rodeando ele e Leo.

– Nããããããoooo! – gritou Leo, Ben se virou para ver o que o fez gritar, mas um dos mortos o agarrou pelos ombros e cravou os dentes em sua jugular, tentou gritar, mas era como se sua garganta estivesse em chamas, sua visão ficou turva e sentiu como se o chão sumisse sob seus pés.

***

A última vez que o rosto de Ben, Leo e Lilly foram vistos, foi em cartazes espalhados por vários pontos de Vila Magnólia sob a legenda: Desaparecidos.

Fim