CURIOSIDADE FATAL

Alguns dizem que realmente aconteceu outros, que a cidade teve apenas um surto psicótico. Não importa. Eu era ainda uma menina e vovó sempre contava fatos que perturbavam sua memória. Hoje, enquanto olhava o velho álbum, vi seu retrato e tudo retornou à minha mente com uma melancolia incalculável e os vestígios do que um dia foi, voltaram com toda força.

CURIOSIDADE FATAL

A cidade era pequena e no alto da colina havia uma antiga e magnífica mansão. Os habitantes do local, diziam que era mal assombrada. O portão de ferro que guardava de forma majestosa todo aquele lugar, não deixava dúvida a ninguém de que a entrada era proibida.

Dentre as infindáveis curiosidades que pairavam na mente dos moradores, a maior delas estava ligada ao mistério do estranho proprietário .Homem de extraordinária beleza e elegância, era visto raramente andando na praça central. Sempre de camisa de linho preta, chapéu Panamá, calçados de couro feitos à mão , calças impecavelmente alinhadas e óculos escuros. Nunca ninguém viu um sorriso em seu rosto.

As pessoas gostam muito de falar da vida dos outros e não faltavam aqueles que fizessem conjecturas sobre suas atividades . Uns diziam que ele era um solitário por ter perdido a mulher que amou num trágico acidente outros, diziam que ela o havia abandonado fugindo com outro. Na verdade o fato de ele não falar com ninguém daquele local e viver isolado incomodava por aguçar a curiosidade daqueles que não têm o que fazer .

Todos os meses durante mais de 30 anos na terceira sexta feira de cada mês, toda a mansão ficava iluminada.Ouvia-se o som alto de músicas clássicas e o imenso movimento de pessoas. Ninguém da cidade. Claro que os políticos e famílias tradicionais ficavam extremamente indignados afinal, quem aquele sujeito pensava que era para ignorá-los?

Foi em uma dessas festas fechadas que o representante da sociedade resolveu tirar satisfação de o porquê ele não ser convidado. Mal sabia o indivíduo de que tal atitude seria o maior erro que poderia ter cometer e para o qual, não teria remédio.

Chegou à mansão muito bem arrumado e com passos firmes atravessou o portão que desde pequeno sempre vira fechado. Observou o jardim , muito bem cuidado, e estranhas estátuas que pareciam observá-lo. Sentiu um arrepio, porém, estava decidido. Iria entrar na festa a qualquer preço. Contaria a todos na cidade e seria ainda mais respeitado.

Bateu à porta e esta se abriu quase imediatamente. Ninguém para recebê-lo! Pessoas muito esquisitas conversavam no imenso salão. Taças eram servidas. Provavelmente era vinho e dos caros.

No canto direito, uma enorme estátua enfeitava o ambiente. Aquela música inebriante, juntamente com aquele vinho deliciosamente diferente estava fazendo com que seus sentidos começassem a fazê-lo imaginar coisas. Olhando bem todos que ali estavam, via apenas uma palidez marmórea no rosto de cada um. De repente a música parou e todos ficaram imóveis como a estátua que no canto estava. O anfitrião desceu as escadas e levantou a taça , brindou a eternidade da vida beijou a mão da peça esculpida. Ele não acreditou no que via, aquela escultura ganhando vida, descendo do pedestal e , com passos delicadamente leves, tomando a mão de seu dono para uma valsa.

Resolveu sair visto que aquilo tudo parecia uma loucura e ninguém tinha percebido sua presença. Abriu a porta e retirou-se . Estava próximo do portão de entrada quando percebeu o mesmo trancado. Como ele sairia dali? Virou-se para procurar outro local de acesso para a rua . Nada. O som da música não parava e ele queria sair. Sentou-se em um banco. Esperaria a oportunidade para voltar para casa. Alguém iria embora antes do amanhecer, o portão seria aberto e ele sairia juntamente com os estranhos convidados. Adormeceu. Acordou de madrugada sentindo muito frio. Ao seu lado uma taça de vinho e um bilhete. “Seja bem vindo, aprecie a festa do alto. Suba no pedestal.”. Sem raciocinar muito bem, foi caminhando como um autômato sem sequer perceber o horror no rosto das estátuas do jardim. Seguiu as instruções do bilhete e subiu . Foi sentindo-se pesado e gelado. Olhou para suas pernas, braços e viu que estava se transformando. Quis gritar, sair correndo...

Durante anos muitas pessoas desapareceram. Aquela cidade foi quase abandonada , diziam que era maldita.

Eu me lembro , vagamente , de muitas estátuas no jardim da velha mansão. Às vezes, enquanto brincávamos de pique – esconde , ouvíamos gritos, pedidos de socorro que vinham do alto da colina. Nunca tive a coragem de entrar na mansão como as crianças desaparecidas o fizeram. Nunca contei a ninguém que aquele estranho homem , que era visto raramente na praça da cidadezinha , transformava os invasores em estátuas e que me dava muitos doces para que eu convencesse outras crianças a brincarem nos jardins de sua mansão.

Mudamos daquele lugar antes de eu completar 13 anos. Nunca mais voltei mas as histórias não pararam e ainda hoje corre boatos de que coisas estranhas acontecem na mansão das estátuas e que o proprietário , exímio escultor, vende suas esculturas

Denize Nelli
Enviado por Denize Nelli em 29/10/2009
Reeditado em 01/04/2013
Código do texto: T1894716
Classificação de conteúdo: seguro