O Açougueiro

Ao entrar nesta cidade, nota-se que nada poderia distingui-la de outras tantas inúteis. Uma única avenida entusiasmante à atravessa, delimita a pequena igreja com sua forma bem cuidada a ambiguidez do local, já que a sua frente se encontra um bar, que não fosse pelos pôsteres das belas mulheres nuas segurando cerveja, facilmente poderia confundir-se a um estábulo; sendo estes os mais freqüentados pelos habitantes sem graça e irrelevantes.

- O governo devia bombardear isto aqui, e depois levar essas estúpidas pessoas para servirem de cobaias para raticida – dizia sempre um jornalista que ai morava. Ao palestrar sobre o impacto do sexo nas sociedades cristãs primitivas, acabou atropelado, cinco vezes, por um conservador e fanático padre. Seu corpo ficou tão deformado que tiveram de costurá-lo completamente: órgãos e membros, sua estatura de 1,80 teve de conformar-se com um caixão rústico de míseros 53 cm2.

Uma quantidade elevada de casas parecidas com amplos jardins serve como adereço das muitas ruelas existentes. Durante a semana o papai pega seu limpo carro e vai para seu patético e pouco rendoso trabalho, mamãe começa a preparar o almoço, e o lindo e educado filho aplica as mentiras que aprendeu em casa na incômoda professora. Nos dias livres papai e mamãe ajeitam seu jardim, o que facilita observarem os vizinhos, única fonte de conversa entre os familiares, enquanto o filho sai em busca de qualquer garota para agarrar. E assim, pouco se altera entre os habitantes de cada casa de jardim amplo.

Porém, há uma coisa que contraria essa comum cidade. Dentre os muitos comerciantes e seus métodos ilegais, um se diferencia: o AÇOUGUEIRO.

Lá, aos fundos de um estreito beco, com sua fachada a ruína, encontra-se uma mal escrita placa: Carnes Variadas, os mais fascinantes sabores. Ao entrar na residência o ar que daí sai enoja até os mais machões, é pútrido, devido talvez a grande quantidade de produtos químicos de função desconhecida. Vê-se um único balcão refrigerado onde as carnes sangrentas estão expostas. Um suposto cliente espera por sua encomenda.

Calmamente, por entre um estreito acesso, se aproxima um senhor, aparentando ter seus 35, 40 anos. Seu porte é robusto, altivo, de caminhar forte, que contrasta visivelmente a tortidão de seu rosto: cabelos curtos, nariz e orelhas pontudos, o olhar severo é completado pelo formato rasgado de seu queixo. Ele abruptamente pára, entrega uma sacola ao homem que anteriormente o esperava. Uma trilha de sangue se forma até a entrada, que agora tem como enfeite um Fechado sobre o vidro na janela. Ninguém da cidade sabe de onde esse excêntrico cidadão veio, apenas veio, ai se instalou, e por fim começou a comercializar suas carnes de sabor e cortes gozados, mas viciantes. Todos o têm com recatado, de poucas palavras, mas que traduz boa vontade. Diariamente ele atravessa a porta dos fundos, trazendo os pedidos. E é por ai, nessa entrada, que reside sua fonte de inspiração. Há um quarto, toscamente iluminado, nele uma mesa metálica, toda circundada por facas variadas, e ao alto, ganchos afiados esperando serem usados.

O açougueiro prepara-se para sua grande apresentação, limpa os instrumentos e assegura-se de que público permaneça vivo. Para evitar desagrados amarra-o verticalmente sobre o gancho, e enfim, tudo pronto, inicia seu alucinógeno ritual. Com apenas um golpe degola a besta fera, delícia-se com seus urros, deixa o sangue escorrer até o fim pelo ralo, posteriormente agracia-o com água fervente, para que seu couro seja facilmente retirado, e assim providencia o ápice de seu espetáculo.

Seu êxtase é extremo, sua língua percorre aquele animal ferozmente, intensificando-se na região sexual. Com sua arma, abre-o fazendo com que suas tripas despenquem rapidamente, retira seus órgãos restantes, para poder abrigar sua faminta boca que aguarda o momento de salivar e purificar o interior da volumosa carcaça. Após o gozo, separa seus membros, corta-os magistralmente, como ondas carnívoras em meio ao delicado mar, e finalmente descansa os pedaços num mal cheiroso aromatizante para que no dia seguinte possam ser revendidos.

Mas o que poderia fazer deste incompreendido homem, alguém diferente. Sua função era simples, ao comunicarem-no livrar-se-ia de alguns empecilhos, ganharia por tal coisa, se alegraria, gozaria, e depois vendê-los-ia como carne para os idiotas habitantes da pacata cidade. Pobre tolos, nada desconfiam que ao triturarem seu alimento, ao digeri-lo, ao experimentar a doçura da morte entre seu corpo, não possam estar saboreando a vida de algum dos seus mais adoráveis familiares desaparecidos

- Mais um trabalho feito! – dizia sempre o açougueiro ao repousar sua faca sobre a mesa, exausto, extasiado pelo serviço, no entanto, ávido pelo próximo – qual parte da carne você deseja?

ThOuGhTfUl
Enviado por ThOuGhTfUl em 27/07/2006
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