fome saciada

Ela se casou muito nova.

Cheia de sonhos.

Sonhos de uma vida melhor do que a que ela levava.

Em pouco tempo o casebre se encheu de crianças.

O marido? Mudou muito.

Sem perspectiva de melhoras.

Perdeu o emprego. Sem futuro.

A cabeça parece ter enfraquecido.

Andava sem rumo.

Procurava emprego o dia todo.

Bem, era o que ela pensava.

A dispensa vazia.

A fome entrando pela porta da frente.

Só entrava e não saia.

Nos olhos dos filhos, a dor.

Magrelos. Pele e osso.

Bêbado. Era assim que ele aparecia toda noite.

Um emprego. Ela vai.

Salário é pouco, mas vai.

As crianças ficam sozinha o dia todo.

A situação do marido só piora.

Agora além de chegar bêbado, ainda a espanca.

Uma. Duas. Três vezes.

A paciência vai se esgotando.

Ela não sabe até quando vai suportar.

Mais uma noite, mais uma briga.

E mais outra.

Um dia. Ou melhor, uma noite.

Ele chega bêbado. Vai pra cima dela.

Tenta agredí-la. Hoje foi diferente.

Ela já esperava tal atitude.

Uma faca. Um golpe certeiro.

Nem um grito. Nada.

O silêncio da morte.

Madrugada adentro.

Ela se orgulha por ter aprendido a salgar carnes.

Para que durem muito tempo fora da geladeira.

E teriam carne por um bom tempo.

Pela manhã, a surpresa da carne secando ao sol.

E a triste notícia de que o pai não voltaria mais.

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 20/02/2010
Reeditado em 20/02/2010
Código do texto: T2097663
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