Caronte - cap. 1

Faltava pouco para as três da manhã. Ele estava ansioso. Sentado no centro do círculo pensava em desistir, embora tivesse certeza de já ser tarde para isso. Sentia em sua pele a temperatura caindo. O frio corria pela sala embaçando as janelas e formando uma fina camada de gelo em seu parapeito. Caio prosseguiu recitando as estranhas rimas em um idioma que desconhecia tentando controlar sua voz trêmula.As luzes da casa tremeluziam, até que a débil tentativa de manterem-se acesas cedeu à total escuridão. Agora apenas duas velas ao lado do homem lutavam contra a penumbra do cômodo.

-Tem alguém ai?

Nada.

-Se tiver alguém eu... eu ordeno que apareça!

Desencadeada pelo comando, uma espessa e fétida fumaça negra começou a se condensar pelos cantos da sala. O negrume borbulhava enquanto se retorcia seguindo em direção a um grande triângulo desenhado pouco a frente do círculo onde estava o homem. De súbito, uma rajada de vento fez as chamas das velas cintilarem, jogando a sala novamente ao breu. Ao recobrarem sua força as chamas o revelaram que já não estava mais só. No centro do triângulo, usando um vestidinho azul e sapatos polidos, estava uma garotinha de cachos dourados.

-Oi moço, me chamou? -disse a menina com uma voz aveludada e sorriso estampado.

Caio estava paralisados, como se sua coluna estivesse fincada ao chão. Não sabia se acreditava em tudo aquilo, mas agora que já havia dado o primeiro passo iria até o fim.

-Acha que sou otário? Ordeno que mostre sua verdadeira forma seu porco nojento!

-Ora, ora. Temos um valentão aqui. Saiba que se não fosse teu círculo de proteção tuas tripas já estariam no teto agora.

-Mas eu estou no círculo, então cala tua boca que você deve me obedecer.

Soltando um leve riso de desprezo a garotinha materializou uma faca no ar e cortou a própria garganta. Seu corpo fez um baque oco ao bater no chão, e seu sangue formou uma grande poça escarlate. De dentro do viscoso líquido brotou um braço, que apoiando-se no chão da sala elevou o restante do corpo demoníaco de dentro do fluido rubro.

-A seu serviço, mestre...