O HOMEM QUE FICOU AZUL

Jaime era um homem comum, mais comum impossível, na verdade tinha um ar de funcionário público. Porém, Jaime era motorista de táxi. Era viúvo e tinha um casal de filhos. Casa própria, simples, porém própria, o carro, que era a ferramenta de trabalho, estava sempre impecável.

O filho de dez anos, Igor, o enchia de orgulho, para Jaime o menino era bom em tudo, nos estudos, no futebol, no judô; onde quer que fosse Jaime vangloriava os feitos do menino. Era imensa a paixão do pai por aquele filho, superada apenas pelo xodó da sua vida, a filha Manuela.

Manuela era realmente uma garota de encher os olhos, estava com dezesseis anos, dona de uma beleza estonteante, loura de olhos verdes e corpo escultural. Mas não deixava que a beleza a tornasse uma garota fútil, dedicava-se aos estudos, as pesquisas, participava de movimentos de caridade, gostava de escrever contos e poemas. Havia passado em primeiro lugar no vestibular para a faculdade de medicina, e como premio Jaime, comprou com muito sacrifício, passagens de ida e volta a Portugal, para Manoela realizar o seu maior sonho, conhecer os avós paternos. No dia que Jaime chegou em casa e deu a notícia, Manoela chorou de emoção e de ansiedade com a viagem eminente. Seriam dois meses em Portugal.

Os amigos,porém, notaram uma grande diferença em Jaime, desde que a filha partiu para a viagem dos seus sonhos. Manoela, que já estava á um mês em Portugal, mandava notícias constantemente. Todavia, Jaime andava triste e pouco falava. Um ou outro amigo às vezes perguntava: _ O que, que há Jaime? Você não é mais o mesmo. _ Jaime desconversava com um sorriso forçado nos lábios dizia apenas: _ Não é nada, não é nada.

Até que um dia, aconteceu, Jaime caiu de bruços na praça dos táxis, começou a se debater, vários amigos correram e o socorreram imediatamente. No hospital depois de se recuperar do desmaio, que foi diagnosticado como uma queda súbita de pressão, Jaime só pedia pra não morrer.

_ Meu Deus, não deixe que eu morra sem ver minha filha. _ Os amigos tentavam acalma-lo.

_ Que isso Jaime, você ainda vai viver muito, nos vamos te aturar por muitos anos ainda. _ Brincavam.

_ Eu não quero morrer sem ver minha filha, ela só volta de Portugal em um mês. _E gritava desesperado.

_ Onde esta o médico?

_ Ele já te medicou, Jaime. _ Falavam os amigos. Mas nada do Jaime se controlar.

_ Pelo amor de Deus, do diabo ou de quem estiver me ouvindo, eu preciso viver mais um mês. _ Até que lhe aplicaram um calmante, conhecido como “sossega leão”.

Três dias depois Jaime voltou a trabalhar, Antônio que era o amigo mais ligado a Jaime percebeu que ele estava com uma cor diferente, ele até parecia estar bem, estava até bastante animado. Antônio olhava para Jaime disfarçadamente, e pensava: _ O meu amigo está com uma coloração estranha.

Dois dias depois Antônio voltou a observar o amigo mais atentamente, agora não havia mais duvida, Jaime estava ficando azul. Logo o Jaime, Atlético Mineiro roxo e que detestava a cor do rival: Cruzeiro.

Antônio não se conteve e falou com o amigo:

_ Jaime, o que, que você anda tomando? Você está ficando azul.

_ Como assim, azul? Perguntou Jaime espantado.

_ Azul mesmo, você está ficando azul, eu lamento te falar assim, mas é a realidade. _ E continuou.

_ O pior é que é um azul parecido com o daquele time de futebol, que você não gosta nem de ouvir falar o nome.

_ Olha, Antônio, você me respeite, tu sabes que eu detesto azul, tanto assim que eu só olho pro céu à noite, ou quando o tempo está comprovadamente nublado. _ Falou Jaime muito sério.

_ Mais Jaime, que remédio o médico te receitou?

_ Ele receitou três colheres de azul de metileno ao dia, eu tomo um viágra por minha conta e depois das refeições licor Curasal Blue.

_ Ah! Então esta explicado, você só ta tomando coisas azuis, tem que ficar azul.

O mês transcorreu sem maiores incidentes, Jaime andava meio encabulado, pois se tornou atração turística, era comum aparecerem curiosos na praça dos táxis perguntando pelo homem que ficou azul. E na verdade Jaime estava cada vez mais azul, as piadinhas também eram comuns, como: _ Oi Jaime, tudo azul? Ou: _ Jaime, eu “to” azul de fome.

Certa manhã Jaime ouviu quando uma criança começou a chorar desesperadamente, olhando pra ele, quando a mãe da criança, uma senhora muito gorda, percebeu que a criança havia se assustado com Jaime, fez o maior escândalo: _ Por que o senhor não pinta a cara de azul, pra espantar sua mãe? Olha o estado que o senhor deixou minha filha, eu vou chamar a polícia, seu palhaço sem graça.

E o italiano da banca de jornais, que se fingindo distraído, sempre cantava um trecho de Volari quando Jaime se aproximava...Nel blu di pinto di blu... Todas essas situações iam aborrecendo e entristecendo Jaime.

Por fim, o dia da chegada de Manoela, Jaime estava louco de saudades, nunca havia passado tanto tempo longe da filha. Antônio foi com Igor busca-la no aeroporto. Jaime se sentia constrangido por causa da cor. Até que Manoela, já preparada por Igor e Antônio sobre a nova cor do pai, entrou em casa, abraçou e beijou Jaime como se não houvesse nada de anormal. Jaime beijou a filha e começou a passar mal imediatamente. Mas uma vez teve que ser levado as pressas para o hospital.

Na sala de espera do hospital, Antônio ouve uma voz perguntar:

_ Quem trouxe o senhor Jaime Oliveira?

_ Antônio levantou a mão e falou: _ Foi eu doutor.

_ Meu amigo, esse cadáver deveria ter ido para o Instituto Médico Legal._ Falou o médico.

_ Mas como? Ele chegou aqui andando. _ Falou Antônio, temendo pelo pior.

_ Mas andando como meu filho? Perguntou o médico e prosseguiu. _ Eu sou médico legista há quase trinta anos, e posso afirmar que esse homem está morto, à pelo menos um mês.

Antônio ficou confuso, correu até a sala onde estava o amigo, e não acreditou no que viu: Jaime coberto por bichos azuis, que saiam dos olhos, das narinas, da boca, dos ouvidos e da pele, agora toda perfurada, exalando um odor insuportável. Aquele era o Jaime, que ele acabara de trazer para o hospital, agora estava ali em avançado estado de putrefação.

Antônio voltou do enterro a pé, queria ficar só pra pensar no amigo, tentar entender o que se passou. Pensava na velocidade em que os bichos azuis se reproduziam, já nasciam grávidos de outro, que nascia grávido de outro, que nascia grávido de outro e assim sucessivamente, gravidez em cadeia, chegando a se reproduzirem a uma velocidade de cinco gerações por minuto. Ia pelo caminho lembrando do seu desespero, enquanto gritava com os amigos para que se apressassem com o caixão, que a cada instante pesava mais, e que chegou à sepultura com mais de quinhentos quilos. Por fim quinze homens se empenhavam na difícil tarefa de levar Jaime para o descanso final. Só Antônio sabia o que ocorria no interior do esquife, e temia que o mesmo estourasse a qualquer momento.

O sol poente reverberava vermelho, no espelho d’água da lagoa da Pampulha, Antônio sentiu uma leve paz, o amigo agora devia estar melhor, mas os pensamentos não param : _ Será que Jaime venceu a morte, para esperar a filha voltar de Portugal? _ Será que ele ”viveu morto” o ultimo mês, e nenhum de nós percebeu? _ Sempre as perguntas, nunca as respostas às suas indagações.

Continuou a vagar por muitas horas naquela tarde, sem perceber que sobre sua cabeça, o céu cintilava bem mais azul.