A Procissão

Eu havia acabado de me mudar para um pequeno povoado chamdo Tangente, naquela época, ainda não havia chegado energia elétrica em todos os recantos do Brasil, principalmente, aqui no interior do Ceará, a cidade mais proxima é Massapê (essa cidade fica a 244 km de Fortaleza), e fica há mais de 20 km de distância, a noite toda a luz que tinhamos era da lamparina a gás (querosene) e lampiões a gás de cozinha, ao cair do crepúsculo todo a vila se acendia, nas chamas daqueles lampiões e lamparinas, os amigos se encontravam para jogar baralho, dominó, as mulheres iam fazer chapéus de palha e conversar. Eu como ainda era desconhecido no lugar preferia ficar em casa, lendo meus bons e velhos livros, lia coisas como Monteiro Lobato, José de Alencar, Patativa do Assaré pois, adorava ler romances (que é como algumas pessoas daqui chamavam o cordel na época).

Numa certa noite, no início do mês de Novembro, eu estava com mais uma daquelas insônias infernais que já me perseguiam desde essa época, resolvi então partir para a leitura de um romance "o pavão misterioso". Lá pelas tantas, adormeci, quando acordei ainda era cedo(nessa época e nesses lugares as pessoas dormiam pouco depois do por do sol), resolvi ir dar uma espiada no movimento na rua pois, ouvia uma cantiga de reza bem característica, abri minha janela, vi uma procissão passando na rua, como sempre gostei dessas festas religiosas pensei em seguir o cortejo, vesti uma camisa branca e minha calça nova e corri para a rua. Bem na frente, onde eu não podia ver bem, ia um homem vestido com uma batina preta, era calvo, e bem alto, devia ser o padre, não tinha certeza afinal ainda não conhecia ninguém do lugar, e aquelas pessoas iam cantando hinos de louvor a nossa senhora e ao sagrado coração de jesus, ladainhas, entre outras cânticos que eu conhecia muito bem. Em cada janela da minha ruela havia uma vela acessa, menos na minha é claro pois, eu não sabia que ia ter uma procissão, saí correndo atrás da procissão até que consegui me juntar com as últimas pessoas que levavam velas, os cânticos continuavam e o padre continuava a marchar na frente, eu ia atrás sorrindente tentando ver alguem que conhecesse de vista.

Uma senhora com uma mantilha cobrindo seu rosto veio em minha direção com uma vela nas mãos e disse:

- Aqui meu filho, leve a minha vela, você é o único sem e pegue esse terço como lembrança. - nesse momento notei que eu era a única pessoa sem uma vela na mão, dei um sorriso e acenei com a cabeça para a senhora enquanto colocava o terço no bolso da calça, ela voltou para seu lugar, e continuou cantando.

Eu era o último na procissão, demos a volta na esquina da rua e dei de cara com o cemitério da vila, notei que todos rumavam para lá, achei meio esquisito mas, mesmo assim continuei. Era o último da fila para entrar no cemitério, estava tudo escuro, quando ia passar pela entrada, todas as luzes que vinham das velas sumiram como um passe de mágica, pensei que tivesse dado um vento bem forte, um grande baque me derrubou para trás, notei que o grande portão de ferro do cemitério estava fechado e eu havia me chocado contra ele, cai no chão sentado, nesse momento reparei que minha vela tinha se apagado, quando levantei a mão notei que não segurava mais uma vela e sim um osso pontiagudo. Olhei para dentro do cemitério, não havia ninguém ali, assustado sai correndo para minha casa.

No outro dia meus vizinhos me contaram a historia do cortejo dos mortos que sempre passa por ali, retornando ao cemitério, quem não coloca uma vela na sua janela é assombrado por eles, lembrei do terço da velha, coloquei a mão no bolso da calça e vi que o terço que a velha me dera ao contrário da vela não tinha sumido nem se transformado, estava lá intacto, esse terço eu guardo até hoje.

João Murillo
Enviado por João Murillo em 03/08/2010
Reeditado em 03/08/2010
Código do texto: T2416474
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.