Lycan

Ela caminhava graciosamente, e, embora eu tenha tentado, não pude ignorá-la, passei a observar cuidadosamente, a decorar seus passos e maneirismos, seu sorriso era marcante, sempre presente, aquela criatura exalava simpatia, e beleza...muita beleza.

Passava algumas horas de meu dia a criar cenas de romance, carregadas de tinta almodovariana, dentre mosaicos de Gaudi e telas de candidatos à Picasso eu me imaginava posando de Don Quixote tupiniquim, a destilar poesia barata decorada nos banheiros dos botecos mais imundos, uma ópera do malandro com charme metido à europeu.

O romance de tais cenas era quase perfeito, havia um detalhe que me incomodava!

Não conseguia deixar de pensar no fim de tal beldade sob meu tétrico abraço, a cada beijo, cada carícia, uma besta mexia-se em meu interior.

Eu sentia espasmos de violência, uma violência doce com trilha sonora de Nick Cave, via-a vagarosamente morrendo em minhas mãos enquanto eu lhe tecia juras de eterno amor, aquilo excitava-me, e me garantia sonhos de alta carga erótica...

Certo dia, vencendo minha timidez, arranjei uma maneira fútil de estabelecer contato, algum comentário idiota sobre o tempo ou as horas, que qualquer homem sem criatividade costuma usar em cantadas diárias, para meu espanto e estímulo, fui recebido com aquele belo sorriso que tanto me encantava, não foi difícil então descobrir informações básicas, o que culminou com um convite para um café, que foi prontamente aceito.

Aquela madrugada foi de inquietude, entre paisagens de violência onírica e devaneios de folhetim o tempo avançou, o dia arrastou-se, o momento chegou.

Encontrei-a próximo a um café, ela estava linda, sorridente, meus olhos enlouqueciam ao passear por seu decote, minhas mãos desejavam tocá-la, uma sensação de urgência ia tomando conta.

A conversa foi solta, deliciosa, entremeada de insinuações pinguepongueadas de ambos os lados.

Ela tinha um lindo sorriso.

Mas a besta movia-se em mim, mais do que nunca eu desejava possuí-la...e matá-la!

Lutando contra tais pensamentos tomei-a pela mão e fomos caminhar na noite, pelo canto do olho podia perceber que eu a envolvia, num local mais reservado puxei-a para mim e a beijei, meu sangue latejava nas veias, deixou-se tocar, eu entrava em êxtase, tentei resisitir mais um pouco, mas a besta em mim foi mais forte e eu comecei a apertar-lhe a garganta ao mesmo tempo que sentia um orgasmo aproximar-se, ela me arranhava tentando se libertar, senti uma onde de prazer como nunca antes conhecera, as cores invadiam minha retina de forma desordenada, seus cabelos pareciam estar por todo meu corpo, a dor, inesperada e maravilhosa...

...dor.

Sentia minha alma dividida, dilacerada...

Uma senhora assustou-se ao ver próximo dali uma estranha mulher que corria coberta de sangue e pêlos, gargalhando, uivando plena de satisfação, alimentada, realizada, em fuga charmosa e com a delicadeza única das Clarisses.

Isso foi pouco antes de eu ser encontrado aos pedaços por essa mesma senhora, numa rua pouco iluminada!