Trecho de "O porão", livro de minha autoria

Trago até vocês, um pequeno trecho de uma das minhas obras, a qual ainda está em processo de criação. Trata-se das reflexões de um dos personagens, conhecido como Tadeu, um ótimo contador de histórias, que acredita na influência do sobrenatural.

“ Em toda a minha vida como entusiasta no ramo do sobrenatural, tive a chance de presenciar fatos marcantes, de natureza incomum. Vivo em Monte Santo desde que me entendo por gente. Nunca ousei sair desse pequeno munícipio, palco de minhas peripécias e confusões. Em todo esse tempo, que admito ser longo, sempre demonstrei-me imensamente interessado pelo passado deste lugar, ao qual poucos gostam de se referir, por conta das lembranças terríveís que temos, de épocas distantes, em que a escravidão era tida como algo normal, adotada pelos senhores de engenho, que tornavam a região ainda mais rica, arrecadando a sua fortuna as custas dos seus subordinados, pobres explorados que nada podiam fazer para se verem livres de tal situação.

Em meio a esses desafortunados, dizem que havia um jovem escravo, que em um ensolarado dia de verão, decidiu tomar medidas acerca do que vivia, da tragédia na qual era obrigado a conviver. Uniu-se aos seus amigos, causando uma rebelião na senzala do poderoso barão de Monte Santo, honorável fundador de nossa humilde cidade. A confusão foi tamanha, que os capatazes não conseguiram controlá-los, mesmo com o assasinato de alguns deles. Por fim, a polícia foi chamada para o local, acabando com a festa dos negros. Todos eles foram condenados a serem castigados, mas o líder da revolta, foi levado para um comôdo separado, aonde eram guardados os valores da família. Esse era o porão do luxuoso casarão do barão.

Um descendente de um dos cruéis capatazes do velho barão, conhece os fatos que ali ocorreram, tendo ouvido da boca de seu avó. Por ele foi dito, que o pobre escravo, apelidado de bravo guerreiro por seus amigos, homenagem dada graças a sua coragem e destreza diante de injúrias, foi colocado de pé, amarrado a um pilar de sustentação do comôdo, estando totalmente nú, com o corpo desprotegido do que viria. Para muitos, tal cena anunciaria o ínicio de repetidas e sofridas chicotadas, comuns naquele tempo, mas o que aconteceu, foi algo inesperado, capaz de causar espanto aos mais acostumados as barbaridades da vida.

O maldoso barão, muniu-se de sua lâmina mais afiada, a qual carregava para todos os cantos, como um amulheto da sorte. Deixou-a escorregar de leve pelo corpo do negro, causando-lhe ferimentos rasos, quase imperceptíveis. Lambeu o sangue da vitíma com prazer, sentindo uma satisfação dominadora ao realizar tal ato, divertindo-se pelas feições assustadas de seus companheiros, que assistiam a tudo aquilo com nojo. Por fim, levantou sua arma na altura da cabeça do escravo, descendo-a com força sobre o seu pescoço, separando-o do corpo, fazendo jatos de sangue, escorrerem violentamente, com uma pressão assustadora. Cada centímetro do porão foi manchado de um vermelho vivo instigante, assim como os presentes, que nada faziam, atemorizados pelo o que viam. Terminada a execução, o barão guardou seu facão, apanhando a cabeça do negro caída ao chão, a qual usou como símbolo de sua autoridade, pendurando-a na entrada de sua fazenda, como se fosse um troféu.

Um fato realmente terrível, que nos faz lembrar muito bem, do passado perturbador deste pequeno munícipio, arquivo de segredos infinitos. A maldade sempre existiu por aqui. Digo isso, com toda a certeza. Muitas coisas que acontecem em nosso meio, nos são ocultadas, apenas para se evitar búrburio, revolta. Existem relatos piores do que esse, e atuais. Não consigo pensar, na origem de toda essa ignorância, que habita em cada alma vivente, capaz de destruir mentes sãs, provocar sofrimento. Eu não escrevi este livro para discutirmos tal tema, mas não poderia deixar de citar. Era certo, de que as forças do outro lado, agissem de alguma forma, manifestando-se de acordo com o que ocorreu. E assim foi. O espírito daquele escravo, retornou em busca de vingança, induzido por agentes poderosos, reinadores da eternidade. Vi a aparição desse injustiçado, ás portas do velho casarão, em uma distante noite, da qual sofro em recordar.”

Canhestro
Enviado por Canhestro em 23/09/2010
Código do texto: T2515733
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