UM SONHO

Pois é, no meu sonho vivido na Praça Sete em BH, primeiro apareceu uma cadela toda sarnenta e tomou o pão de um mendigo embriagado, que tirou a velha correia e saiu atrás da cadela para lhe dar uma chibatada. Na corrida atrás da cadela o pedinte esbarrou num executivo e sujou seu terno. Homem novo e forte se achou no direito de dar um chute no mendigo, o jogando ao chão. Apareceu os trombadinhas, talvez amigos do pedinte e se acharam no direito de fazerem o serviço no executivo porque era uma luta desigual. Só de cuecas o executivo chamou a polícia que corria atrás dos trombadinhas que na correria aproveitavam e levavam mais algumas bolsas de pessoas mais distraídas. Como se fosse um filme de ficção, a praça Sete foi ficando mais cheia onde o trânsito não fluía porque todo mundo corria em círculos e não aparecia ninguém que conseguia acabar com aquela correria. Logo apareceu a televisão torcendo para aquela cena não terminar para vender a matéria mais tarde; um vendedor de tênis parou um trombadinha e lhe deu um para fazer propaganda, o do celular colocou um no bolso de trás do outro sem saber que aquele trombadinha já tinha um tanto na cueca. Em questão de minutos, aquela correria virou uma manifestação pública. De sem terra a sem teto, de partidos realmente de esquerda a partidos de direita pedindo para os guardas não atirarem porque bala perdida não rendia votos, a praça sete foi ficando cercada por um paredão humano que quem estava na roda não podia parar. Como se fosse uma quadrilha de festa junina, se tentasse sair aparecia algum guarda todo poderoso dizendo que se saísse seria preso porque era o primeiro suspeito. Naquele círculo vicioso tinha de tudo; desde a cadela sarnenta até funcionários de várias empresas, poucos intelectuais porque estavam em extinção mas o que tinha na realidade eram pessoas correndo para trabalhar ou com medo de serem assaltadas. Apareceu um palanque naquele quarteirão mudo da Rio de Janeiro, destinado a cultura, onde os políticos desfilavam suas abobrinhas dizendo: “Calma gente, o caos não leva a nada, estou com um projeto na câmara para diminuir meus salários... E a cachorra com aquele pão velho na boca sem ter tempo de comer. Aparecia outro e dizia: Se eleito for vou brigar com os gringos para nos deixar entrar por lá! A cachorra parava para ver se estava no país certo mas quando via que todo mundo queria lhe tomar o pão, continuava sua corrida. Não entendeu nadinha quando colocaram uma bandeira do Brasil em seu pescoço como se fosse uma atleta, depois de ganhar uma medalha, coloca a bandeira do Brasil nas costas e começa a chorar em cima do desing que a patrocinou. A cachorra na frente com aquele pão velho e querendo comer; o mendigo atrás querendo seu pão, os trombadinhas trombando com todo mundo porque o chefe da quadrilha ligava lá da penitenciária que estava assistindo pela televisão e ai deles se não tomassem todas as pulseiras porque a escola de samba estava sem dinheiro; o executivo querendo sua roupa ou a sua dignidade porque até o dono do banco que morava tão longe, estava vendo o calo de sua bunda pela internet; naquela corrida apareceu de tudo. A polícia proibia sair mas deixava entrar os interesseiros do capital, todos coligados da força política dominante que ficavam lá no palanque acompanhando na telinha da rede oficial, procurando um jeito de melhorar sua imagem perante os eleitores. E os políticos ficavam discutindo como terminaria mais aquela novela humana: Vamos tirar a cadela e colocar um cachorro. Dizia um. Não, o cachorro pode morder o mendigo e isso não dá voto! Dizia o outro. É só mandar um daqueles idiotas guardas dar uma cacetada na cabeça do mendigo que ele sai da fita! Mas se algum celular fragar um negócio desse vai pegar mal! Pega nada, é só falar na mídia que foi por bem da ordem pública! De repente, o mendigo sumiu porque não mais acompanhava a cachorra e nem os trombadinhas; sumiu do filme da televisão como Tiradentes sumiu na época... Passou mais uma volta e a cachorra sumiu também, mais algumas voltas e foram sumindo executivos, Office boys, contadores, vigias diurnos ou noturnos, empregados de qualquer categoria foram trocados por artistas que fizeram da praça Sete um grande teatro. Filmados até pelo ar, de helicóptero ou daqueles grandes prédios, tinha câmera para tudo. Uma para a última gostosa participante do BBB comendo um churrasco de filé mignon e com slogan da Fome Zero do Lula, o namorado dela desse mesmo BBB, fumando um cigarro e com o slogan de um Banco dizendo para sair do Basicão. Propagandas de companhias telefônicas ou de celulares vinham pelo ar, distribuindo brindes de várias espécies. Uma grande revendedora de eletrodomésticos apareceu com um tanto de cadeiras para o povão sentar e assistir aquela comédia humana. E ainda diziam: Se você não tiver DVD e quiser assistir esse filme que você está vendo, apareça lá na loja com esta cadeira que terá trinta por cento de desconto e se estiver grávida e provar que não é casada, só começará a pagar depois que seu filho nascer. Qualquer sem teto, sem terra, sem emprego, sem dinheiro....que aparecia numa volta sumia na outra porque estava perturbando a ordem pública como se fosse aquela cadela que deu início à volta olímpica na praça Sete.

Não sei se era invisível mas a polícia me deixou ficar por ali, correndo atrás do nada. No início tentei acompanhar a cachorra para lhe dar uma lavagem e não dei conta porque ela preferia aquele pão velho como se fosse aquelas propagandas de rações no grande telão que foi montado naquela praça. Cachorro amigo, coma ração do telão, com ou sem calorias! “Seu cão não ficará estressado”! Eu ia na frente, no lugar da cadela com aquele pão velho e atrás vinha os coligados políticos dando chibatadas e dizendo: Você é amigo daquele cara que fala que política no Brasil é uma cadelagem não é? Uma chibatada. Você fala que a classe empresarial, política e os banqueiros aproveitam da falta da cultura do povo, não fala? Mais chibata. Acordei abraçado ao pirulito da praça Sete, tomando chibatadas de meu chefe. E como suava! Ele só dizia que aquela folga de Segunda Feira não seria de graça não! Quando estava me desfalecendo como um escravo fujão, acordei em minha bucólica vida. Ufa! Que alívio.

JOSÉ EDUARDO ANTUNES

Zeduardo
Enviado por Zeduardo em 25/09/2010
Código do texto: T2519649
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