O Suicida

O velório estava perto do fim, o pessoal da funerária já havia chegado, eles iam levar o caixão para o cemitério. Dei uma última olhada no meu filho em seus dezoito anos, o seu paletó negro era triste para mim, um pai não deve enterrar seu filho e sim ao contrario, sempre ouvi isso, mas nunca havia entendido que era a mais pura verdade, para piorar minha dor, o paletó me trouxe memórias antigas, lembrei de quando ele era só um menino, quando o vi dando seu primeiro passo, seu primeiro “papai”, quando eu o ensinava a ler, toda a sua infância, a rebeldia da adolescência, lembrei da primeira vez que ele bebeu, chegou bêbado em casa, tivemos uma discussão, talvez a partir daí que ele tenha começado a se rebelar mais e mais contra mim, passado cinco anos ele está ali deitado em seu caixão, minha dor não pode ser expressa em palavras, ainda mais por causa das circunstancias da morte dele, não morreu em um acidente, em um assalto ou de um ataque de formigas. Ele se matou, tomou vários comprimidos para dormir, vários relaxantes musculares.

No cemitério, o caixão foi aberto mais uma vez, a dor parecia aumentar progressivamente, minha esposa aos prantos, me fazia mais triste ainda, sempre pensei que fosse sisudo o suficiente para não chorar nessas horas, mas desde o velório, meu pranto era enorme. Minha mãe e meu pai me consolavam, mas mesmo assim nunca tinha sentido tamanha dor. A fria sepultura dele, escrita “Aqui jaz Paulo Fernandes Teixeira, filho, neto, sobrinho, amigo”. Meu filho estava morto, só então “caiu à ficha”.

Naquela noite, fomos dormir cedo, não consegui dormir, afinal não posso dizer que estava conformado com a morte dele, pois sabia que nunca iria me conformar. Meu filho fora tirado de mim de maneira horrível, suicídio, sua alma não teria direito e ver a face de nosso senhor, meu menino iria sofrer por toda a eternidade, um suicida tem o destino maldito. Fiquei pensando toda a noite, lá pelas tantas da madrugada quando dormi, já era quase de manhã. Tive um rápido sonho, onde via meu filho andando em uma estrada longa, em direção a uma luz, mas de repente ele voltava correndo na minha direção, quando ia abraçá-lo ele sumia de repente. Acordei assustado.

Na outra noite tive um sonho parecido, só que dessa vez eu sabia que ele vinha caindo de um penhasco, eu iria segura-lo a qualquer custo, iria salva-lo, mas quando ele ia cair em meus braços, ele sumia. Contei esses sonhos para Gabriela e sua irmã Geórgia, elas disseram que ele queria me dizer algo. Na noite seguinte, o sonho com Paulo se repetiu só que agora ele estava sendo espremido entre duas paredes escuras, e eu nada podia fazer. Até que na quinta-feira, ele finalmente falou comigo:

- Pai, me ajude, eu estou com medo. Socorro.

- Paulo o que eu posso fazer?

-O veneno continua nas minhas veias, não me vê sou um fantasma. Estou errando os caminhos pai, em vez de ir estou vindo, alguma coisa está errada, eu não consigo chegar à luz. – disse chorando, eu sabia q era por ele ser um suicida.

-Filho. – nesse momento fui interrompido, uma figura toda vestida de branco que disse.

- Sua entrada é permitida, mas só você pode achar o caminho. - e olhando para mim completou- e precisa do seu perdão, agora, acorde... Você esta vivo, acorde e morra..

Acordei assustado. O que tudo aquilo significava? Contei novamente para minha esposa e minha cunhada. Elas disseram conhecer uma cigana que sabia ler os sonhos, combinamos de após o almoço iríamos conversar com a cigana.

Chegamos a uma pequena casinha, a mulher era uma quarentona, Morgana era seu nome, a cigana nos explicou que poderíamos ter um problema com nosso filho, ele poderia estar com alguma coisa em seu corpo físico que impedia ele de chegar à luz, poderia ser alguma coisa em seu bolso, poderia ser algo que o atrapalhava no outro plano, enquanto não chegasse à luz, ele vagaria por toda a eternidade, mas eu sabia que ele era um suicida, suicidas não vão para o céu, são condenados. Ela depois, em particular me perguntou se eu sabia de algo a mais, falei-lhe sobre o suicídio e que eu nuca o perdoaria por isso. Ela me perguntou se ele merecia o meu perdão. Assim, resolvi que iria desenterrar Paulo. Iria procurar alguma coisa que pudesse ajudá-lo, afinal, eu o amava.

Combinei com alguns amigos, que nós íamos à noite ao cemitério, eu, Geórgia, Vladimir, Oscar e Gabriela. À noite pegamos meu carro, o velho Chevette Marajó 88 e fomos com pás e picarete invadir o cemitério. Achei uma rádio que estava tocando “L.A Woman” do The Doors, o que serviu para quebra um pouco o gelo do trabalho que iríamos fazer. Chegado ao cemitério, subornamos o coveiro e os seguranças que estavam ali, iríamos desenterrar Paulo.

Começamos cavando a sepultura, mais uma vez aquela sensação de tristeza vinha em minha mente, era estranho, estava feliz, pois ia vê-lo mais uma vez, mas estava muito assustado. Terra e mais terra era tirada do buraco, até que um som oco nos denunciou o caixão. Os homens continuaram tirando o caixão e colocaram do lado da cova.

O coveiro que tinha ido nos ajudar forçou a tampa do caixão, com um rangido, ela caiu de lado, a primeira coisa que pude ver foi marcas de sangue no tecido da tampa do caixão, pareciam, meu deus, eram marcas de dedos ensangüentados, olhei dentro do caixão, para minha surpresa, o corpo estava emborcado, virei o cadáver e quase cai dentro da cova com o susto, a expressão de terror na face do me filho, meu deus, meu deus, seus dedos estavam todos ensangüentados, suas unhas tinham se arrancado da carne, as mulheres choravam. Abracei o corpo sem vida e sussurrei baixinho:

- Eu te perdôo meu filho, você não é um suicida. - nesse momento o coveiro, não menos assustado do que todos os outros, falou o que todos já haviam entendido:

- Meu Deus. Ele foi enterrado vivo.

João Murillo
Enviado por João Murillo em 12/10/2010
Código do texto: T2552613
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