De olhos bem abertos

- Você tem que me entender. Ele é louco – disse a mulher, segurando nas mãos do homem apaixonado que estava diante dela. Amava-o muito, desde o primeiro momento que o vira. Os primeiros meses juntos só serviram para confirmar aquele amor, pois recebera apoio e consideração o tempo todo. Era uma dádiva depois dos anos difíceis que passara.

Os dois estavam sentados na sala do apartamento que haviam alugado apenas para se encontrarem secretamente. Não queriam que ninguém os descobrisse, tanto é que ela demorava uma hora para chegar ao local de tanto dar voltas e mais voltas, cruzando a cidade e voltando. Ele não sabia disso, imaginava que havia apenas um segredo por causa da pressão da família dela.

O homem inclinou-se um pouco, encorajado pelo toque dela. Sentir aquelas mãos quentes encostando nele era ficar próximo do paraíso. Nem percebeu que ela tremia.

- Não ligo. Eu passo qualquer coisa por sua causa. Ele pode fazer o que quiser. Não tenho medo dele.

“Era bom ter...” ela pensou. Uma lágrima quase escorreu por seu rosto, porém ela fungou e a manteve presa no olho. Ele estendeu a mão para tocar-lhe o rosto, talvez percebendo os olhos úmidos. Ela negou sutilmente, com a delicadeza feminina que fez a atenção dele se desviar para a beleza dela. Então ele se ocupou com os longos cabelos loiros, colocando-os atrás da orelha e passando o dedo por eles.

Ela pensou que era melhor acabar com tudo de uma vez, antes que tudo acabasse em tragédia, a mesma tradicional história de ciúme e obsessão que sempre levava à violência. Tensa, tocou-o no rosto, sem perceber que aqueles toques apenas o deixavam mais determinado a ficar do lado dela.

- Você não entende. Ele lida com pessoas ruins. Ele é uma pessoa ruim. Não imagina o que eu já o vi fazer. Ele me fazia ver as piores coisas.

- A gente chama a polícia. Ou eu mesmo resolvo. Tenho amigos que podem ensinar para ele o que é ser homem. Sempre há um peixe maior no lago, meu amor.

Ela sorriu para ele. Outro ato ingênuo de sua paixão que o deixou mais apaixonado, acionou a esperança e amplificou a vontade de protegê-la, apenas para vê-la sorrindo mais uma vez. Levantaram-se para ir embora. Ele estava mais contente, pois passara os últimos minutos preocupado com um possível término do relacionamento e ainda com a tristeza dela. A tarde fora maravilhosa, com o vinho, o sexo e a conversa, até chegarem naquele assunto, quando então se vestiram e sentaram-se para conversar.

Ao abrir a porta, ela já tinha um sorriso discreto no rosto que desapareceu quando um homem sorridente de cabelos escuros e olhos sem brilho apareceu encostado à parede do outro lado do corredor. Ela quase gritou e tentou fechar a porta, porém o amante já estava lá com o instinto de protegê-la.

- Então é você... – começou, mas o homem já andara até ele e com um soco simples na garganta e outro nos rins, fez o apaixonado se dobrar. Jogou-o para dentro do quarto.

A mulher apenas o olhava. Já conhecia a primeira regra. Nunca gritar. Mordeu os lábios para conter a vontade desesperada de se entregar ao terror.

Agora os três estavam dentro do apartamento. O homem olhou tudo. Havia apenas uma mesa, uma televisão, um sofá e um quadro pendurado na parede.

- Você o ama, não é? – disse, sem tristeza ou ameaça.

Ela não respondeu, porém o olhar preocupado que levou ao amante demonstrou que sim.

- Tive que esperar seis meses para deixar sua paixão aumentar. Seis meses... Doeu muito, mas agora sei que você o ama. Você se apaixona fácil, por isso eu te amo.

- Desgraçado – disse o amante, tentando se levantar. O homem não se deu ao trabalho de olhá-lo. Retirou algemas do bolso e andou até a mulher. Ela tentou se livrar, quase gritando, mas se conteve para não quebrar a primeira regra. Tremia tentando entender qual era o jogo da vez. Ficou quieta quando ele simplesmente a algemou e mesmo depois que o invasor andou até o amante e acertou-lhe um chute no rosto, para jogá-lo no chão novamente.

O homem passou a próxima hora com trabalhos cuidadosos e meticulosos. Trouxera uma caixa de ferramentas do corredor e usara cada uma delas. Furara a parede, depois colocara pregos e parafusos. Encostara a mulher lá e passara correias no pescoço, no queixo e na testa. Deixou tão apertado que ela não conseguia se mover.

- Você vai olhá-lo – disse.

Ela gemeu nervosa e ele estendeu o braço e massageou os seios dela. A mulher fechou os olhos nervosa.

- Isso é o que eu menos quero que você faça – disse o torturador.

Ele retirou agulhas pequenas e finas e colou-as em fita adesiva.

- Fique parada para eu não te machucar... – disse, agindo com tanto cuidado quanto um cirurgião.

Prendeu a fita adesiva na pálpebra superior dela. A mulher sentiu a agulha fria quase tocando o globo ocular. Arranhou de leve. O desespero dela aumentou. Precisava sair, precisa fechar os olhos. Pena que não podia. Viu quando ele colocou os protetor auricular nela.

- Hoje serão somente os olhos. Depois passaremos para os outros sentidos.

Aproximou-se do amante deitado e abriu a caixa de ferramentas. Estendeu um dos braços dele e abriu a mão. Retirou um prego grosso e começou a enfiar na palma. O sangue começou a escorrer e o homem, até agora inconsciente, gemeu. Começou a despertar. Abriu os olhos lentamente e viu o prego enfiando na mão. O torturador estava o paralisando. Então, de repente, aquele homem maligno retirou um martelo da caixa de ferramentas. Ergueu-o e bateu com tanta força. O prego atravessou a mão e prendeu-se no piso de madeira. O homem gritou e gemeu. Os gemidos só eram substituídos pelos gritos que se repetiram com os pregos da outra mão e, em seguida, dos pés.

O passo seguinte foi pegar um pouco de sal e jogar sobre as feridas. Salpicou tudo, cobrindo o sangue que escorria. Pegou um alicate e aproximou-se da boca do homem. Usou um equipamento de dentista para mantê-lo de boca aberta. Então, colocou o alicate em um dente e começou a extraí-lo. Puxava lentamente, mexendo para os lados e para frente e para trás. O homem gemia. Ela olhava, ela via tudo, sem poder fechar os olhos. As lágrimas quase lhe ocultavam a visão, mas ela percebia. O invasor retirou os dentes um a um nos próximos quarenta minutos. Parou quando o amante desmaiou, mas já estava preparado para isso. Uma pequena dose de adrenalina despertou a vítima. Balbuciou algo, porém o sangue não lhe permitia falar direito. O torturador limpou cuidadosamente o sangue, não para ouvir a vítima. Não, aquele dia não era para os ouvidos, era para os olhos. Só precisava de espaço para outra coisa.

Retirou agulhas da caixa de ferramentas. Tinham duas pontas. Aproximou-se da boca do homem e as enfiou uma a uma onde deveria estar os dentes. Quando o osso impedia, colocava nas gengivas. Tocava os nervos um a um com a ponta das agulhas e o homem gemia, chorava. O torturador continua cutucando os nervos. Parou quando acabou de fixar as agulhas. Então retirou o equipamento de dentista que mantinha a boca aberta e pegou um vidro com um conta-gotas. O rótulo indicava que era ácido. Pingou as gotas lentamente na boca da vítima. O instinto agiu antes do raciocínio e da dor. Mais do que rapidamente, o homem fechou a boca. E então as agulhas se enfiaram nas gengivas, em outros nervos, no céu da boca, na língua.

O torturador não viu, não se divertiu. A diversão não era para ele, mas para a mulher que amava. Era ela que precisava se deliciar com aquela visão. A vítima gritou, mas o grito não importava. O que valeu foi a visão quando ele abriu as bocas, as agulhas saindo ensangüentadas e sendo cuspidas. Uma desceu pela garganta e se enfiou de um modo que quase engasgou o homem. O torturador a retirou com o alicate.

A mulher ainda mordia os lábios. Seria pior se gritasse... Pior? Pior?! Quase não se continha. Queria fechar os olhos. A incapacidade de ouvir tudo dava ainda mais vontade de fechar as pálpebras para então ficar ausente daquela cena. Não, não era possível. Um instinto impedia que fecha os olhos. As agulhas arranhando avisavam que não podia nem piscar. Não podia perder nada.

O torturador, ainda com o alicate na mão, desceu para perto da virilha do homem. Baixou as calças e expôs o pênis. Procurou um pouco mais abaixo do pênis e encontrou o que queria. Colocou o alicate para onde imaginava serem os testículos. Apertou-os um a um vagarosamente. A pele foi se rompendo e os testículos se estourando aos poucos. Acabou com mais sangue escorrendo e com uma boca cheia de agulhas gemendo, sem forças para gritar.

Injetou mais adrenalina na vítima. O amante despertou e ficou mais preparado para o que se seguiria. O torturador retirou um bisturi da caixa de ferramentas. Começou a incisão na base do pênis e dividiu-o ao meio lentamente. O sangue escorria e tudo se separava, até o membro se transformar em duas partes flácidas e sujas. Levantou-se e olhou para a mulher que amava.

- É tudo por você, meu amor.

Pegou o alicate mais uma vez e agora foi para as mãos do O amante tentou mexer o braço, porém o prego enfiando na palma apenas o machucou mais. O sangue escorreu por cada um dos dedos, inclusive os dedos dos pés, pois ele repetiu o processo em todos os vintes dedos.

Resolveu terminar o trabalho com o sentido que interessava no momento, a visão. Ficou de cócoras em frente à cabeça da vítima. Segurou-o com apenas uma mão. Mesmo com a adrenalina, ele não tinha forças para reagir. Então pegou uma agulha e colocou diante da pupila do homem. Enfiou-a como uma criança que está furando um balão em uma festa de aniversário. Fez igual no outro olho e se levantou.

Foi até a mulher que amava e a beijou no rosto para depois retirar as agulhas de seus olhos. Ela piscou uma vez e as lágrimas escorreram.

- Não chore, meu amor. Sei que está emocionada.

Soltou-a e ela desabou no chão, soluçando. Estava de olhos fechados, mas acabou os abrindo por impulso, quando sua mente traumatizada lembrou-a das agulhas. Só que elas não estavam mais lá. Colocou as mãos no rosto e chorou, então o torturador a abraçou.

- Não precisa se emocionar tanto... Olha, vou deixar isso aqui – disse, retirando uma pequena garrafa de vidro tampada com uma rolha. – Basta um gole disso e ele sobreviverá. Não vai curar nenhuma ferida, mas ele sobreviverá.

Então lhe beijou como um marido que se despede para sair para o trabalho e saiu como se nada houvesse acontecido. Ela ficou sentada olhando para a poção e para o homem que amava. Fez duas perguntas a si mesma em meio ao desespero e ao choro. O que era amor? Ver aquele homem viver como um resto de gente ou deixá-lo falecer?

Fosse qual fosse a resposta, o objetivo não era a vida dele. Era a alma dela e aquele homem mal que partira sabia disso.