Convite para churrasco...
 
Marcel acordou as 5 da tarde, entre litros, tocos de cigarros e um insistente periquito que cantava sem parar na varanda do vizinho.
Suava muito, afinal era um dependente de álcool e drogas e o corpo diante da menor necessidade disso dava sinais claros, como suor e delírio.
Levantou cambaleante, olhou um tanto contrariado a luz que entrava na clarabóia da cozinha, irritava-o, chegou ao banheiro, vomitou no vaso um misto de nojo e ânsia pelo cheiro fétido daquela pocilga que era o seu banheiro e do cheiro que vinha pela janela.
Nas tardes o esgoto fluía de seu canal normal a céu aberto e penetrava nas narinas acostumadas a podridão absoluta e a miséria decadente e sem amanhã. 
A kitinete em que morava fora herança da ultima pessoa de sua família, sua mãe que morreu em situação misteriosa, ao jogar-se do terraço do prédio. 
Na verdade o prédio era dividido em duas alas, era um misto de cômodos para lojistas que negociavam coisa escusas como contrabandos, receptações e armas e o principal, drogas e kitinetes, onde se refugiava a escoria do mundo, e viviam todos sob a legalidade suspeita e bem paga.
Escovou os dentes amarelados, enquanto lia um breve recado dos amigos, mais uma vez sentiu ânsia para vomitar, enxaguou a boca, lavou o rosto e com as mãos molhadas umedeceu seus longos cabelos negros, um diferencial naquele pedaço do mundo esquecido pelos Deuses entregue ao inferno de cada dia.
Depois, olhou-se e viu que aos 37 anos, os sulcos em seu rosto, lhe conferiam 50 anos, sentiu pena de si e ao mesmo tempo, saudade de sua juventude naquelas vielas, correndo atrás de uma bola.
Bateu primeiro de um lado do rosto com a mão e depois do outro, bafejou no espelho, e disse:
____Hoje é o meu dia, vou agarrar uma bela gata...
Pegou mais uma vez aquele bilhete escrito com letra de forma, que o convidada para um churrasco, as 9 horas, conferiu o local, embrulhou o recado e o jogou no lixo.
Voltou ao quarto, empunhou seu tres bru de marchand, dois sprays em cada axila, depois dois ou tres pingos de água de colônia, pronto este era o ritual para a pele, as roupas viriam na hora de sair.
Ainda estava tremulo, mas não queria chegar a festa bêbado, por isso foi a geladeira e apenas tomou meia dose de absinto, claro, de contrabandeado.
Deitou no sofá para escutar musica e adormeceu, acordou assustado, eram 8 e meia já, vestiu-se, colocou o seu surrado blazer riscado, e sorriu pensando: Vamos lá ta na hora da janta...
Percorreu um longo trecho de caminhos estreitos, até sair na rodovia, andou mais 200 metros, entrou numa estradinha e novamente as luzes anunciavam o seu destino, vislumbrou ao longe o pequeno barracão da comunidade iluminado, e atrás a quadra de areia em que seria realizado o churrasco, ainda na penumbra, atrás da quadra o matagal imenso em declive interminável e num lugar inacessível.
Chegou a frente ao barracão não ouviu nada, nem musica, nem vozes...
Contornou o barracão, abriu um portãozinho e adentrou a quadra de areia...
Neste momento duas lâmpadas fracas ao fundo da quadra foram acesas, Marcel sentiu o prolongamento de um braço trazer até seus olhos um caderno, e este caderno aberto exatamente na página com seu nome, e seus débitos antigos...
Olhou por cima dos ombros e percebeu a presença de dois homens, e a sua frente mais um...
Um filme passou pela mente apavorada de Marcel, viu-se menino naquelas ruas, todos os principais fatos de sua vida passaram como flash parecia iminente a sua morte...
Marcel, com a voz embargada disse:
___Vamos conversar? E ao mesmo tempo caiu de costas, enquanto tirava de dentro do blazer uma metralhadora, e atirou na pessoa que estava a sua frente, rolou e tinha os dois de trás na mira... Sorriu, e lhes falou:
____Cadê suas armas rapazes?
____Deitem, rápido... Depois retirou sua cinta de brim amarrou-os um de costas para o outro e mandou erguerem-se.
Arrastando-os os conduziu até a parte de trás dos vestiários da quadra, e ao chegar, sorriu entre perguntas sarcásticas...
____Ahahahah, então o churrasco ta quase pronto?
Em sua frente uma pilha de pneus.
Marcel mandou que eles fossem e sentassem em cima da pilha e depois descarregou a metralhadora, dilacerando seus oponentes, arrastou o morto anteriormente, e unindo aos outros, colocou fogo.
Por meia hora queimaram, depois foram mergulhados no abismo do matagal os restos, misturados a borracha e cinzas.
Ninguém vive 37 anos num inferno se não tiver aprendido todas as suas nuances .
Olhe embaixo de sua porta para ver se não tem nenhum convite de churrasco para hoje.
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
 
Malgaxe
Malgaxe
Enviado por Malgaxe em 15/01/2011
Código do texto: T2731348
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