UMA NOITE DE TERROR

UMA NOITE DE TERROR

Conto de Otrebor Ozodrac

Prefácio:

“A grande força do conto é o calvário dos contistas, que consiste no jogo narrativo para prender o interesse do leitor até o desenlace, que no geral é um enigma. O final enigmático deve surpreender o leitor, deixar–lhe uma semente de meditação ou de pasmo perante a nova situação conhecida. A vida continua e o conto se fecha inseqüente.”

UMA NOITE DE TERROS

CONTO DE OTREBOR OZODRAC

A ESTALAGEM:

Era uma manhã fria no início do inverno. Estavam sentados, após o jantar, em frente de um fogo crepitante na lareira, da velha sala, da casa das três figueiras.

- Vô! Conta uma estória para nós- disse Marcelino ao vô Timóteo.

- Prestem bem atenção, pois a estória que lhes vou contar aconteceu com um velho conhecido meu.

UMA NOITE DE TERROR.

Ele chegou a estalagem por volta das dez horas da noite, após ter dirigido o dia inteiro, entre vales e montanhas e caminhado mais de trinta quilômetros, pela estrada a procura de um abrigo. Abriu a porta, o frio era intenso. Alguém gritou em altos brados:

- (—) Fecha a porta moço, que o frio está invadindo o ambiente.

O que fez com que ele se projetasse para o interior e fechasse a porta imediatamente.

Sem muito observar, logo se dirigiu para a lareira, onde o fogo bramia, consumindo várias toras de lenha. Estendeu as mãos geladas, na direção do calor radiante e passou a esfregá-las, uma contra a outra. Suas pernas não paravam de tremer, seus dentes crepitavam uns contra outros. Nesse estado de recuperação do calor perdido, permaneceu por mais de dez minutos.

Quando o corpo estava aquecido, virou-se de frente para o ambiente, onde havia quatro homens jogando baralho em uma mesa redonda, para seis lugares. As vozes eram confusas, a luz pouca, atrás do balcão o atendente, um homem imensamente gordo, com rosto sorridente e papadas enormes que faziam dobras sobre o pescoço, estava sentado atrás do balcão, com óculos pendurados no nariz, com um avental branco, produzido em tecido de sacos de açúcar. Olhando intensamente para o recém chagado. Afastado a mais de dois metros dos quatro homens que jogavam, ele encostou-se ao balcão, fez um aceno aos quatro homens, cumprimentando-os e logo o Gordo se levantou e veio atendê-lo. Disse sorrindo, de maneira agradável, até que os olhos se tomaram meras frestas entre as dobras de gordura do rosto.

— O que vai ser?

— Quero um quarto para passar a noite e se tiver algo para comer, estou faminto.

Ele pegou sob o balcão um pesado livro de registro, abriu na página e disse:

— Preencha-o por favor, nome, endereço, de onde vem, para onde vai e RG. Para comer temos um resto de sopa, um assado de carneiro e pão.

— Está ótimo, pode servir.

— O que vai beber?

— Uma dose de conhaque para tirar o frio.

Nisso ouve-se uma voz, a mesma que mandara fechar porta, dizer:

— Se aconchega estranho, nenhum de nós tem doença brava.

O recém-chegado aproximou-se e quando perto disse:

— Sou como disse, um estranho, mas me chamo Solon Menezes e estou somente de passagem por estas bandas, estou indo para Bertinada.

— Bertinada fica a mais de trinta quilômetros daqui. Sou Gustavo Salcedo e estes são três forasteiros, como eu, pois somente nos encontramos aqui há algumas horas, sinto dizer-lhe que não irá a lugar algum, dentro dos próximos cinco dias, houve uma queda de barreira e a estrada está obstruída.

— Sei disso, abandonei o meu carro na estrada e segui até aqui para não morrer de frio.

Dois outros, apenas fizeram um leve inclinar de cabeça e nada disseram. O terceiro não deu a mínima atenção ao recém-chegado.

Nisso veio uma senhora, magra de dar dó, com as faces rosadas artificialmente, lábios finos, bem pintados. Os olhos fundos, belicosos e o nariz afilado e descamado, lhe davam um ar de ave de rapina feroz.

Deu boa noite a todos e tratou de estender uma toalha sobre uma das mesas. Logo veio com um prato e talheres. Ao passar por Solon disse:

— Pode sentar que já trarei a comida.

Nisso batem à porta desesperadamente, forçam o trinque e a porta abre. Um homem cambaleante adentra no salão, dizendo:

Há um monstro grande, que pisa forte e tem fogo nos olhos, logo caiu, contorcia-se como se estivesse com dores violentas e os braços e pernas estavam retorcidos.

Eles correram ao seu encontro, Solon coloca a mão sobre a carótida e diz:

— Está morto.

Todos se olharam com espanto, um silêncio sepulcral instalou-se no ambiente.

Aos poucos foram retornando aos seus lugares, Solon sentou à mesa para jantar, pois este já estava servido. O dono da estalagem coçou a cabeça e disse:

— E agora o que é que eu vou fazer com este cadáver? Os jogadores voltaram a jogar.

Os olhos de Sólon, de vez em quando corriam em volta da mesa, estudando os outros.

Gustavo, após esvaziar o seu aperitivo, disse em resposta às dúvidas do estalajadeiro:

— Temos de chamar a policia, o homem deve ter morrido do coração, sirva mais um trago.

Até então, ninguém havia se lembrado do que dissera o homem antes de morrer.

— A cidade mais próxima fica a mais de trinta quilômetros, estamos, mais ou menos no meio do caminho, entre a queda de barreira e a cidade mais próxima- disse um dos jogadores.

— Use o telefone — disse uma voz ao fundo.

Era um dos homens que retornava do banheiro.

— O telefone está interrompido há três dias, acho que a linha deve ter caído com o temporal — disse o proprietário da casa.

Nisso um dos homens, que jogava, levantou a mão e disse:

— Um momento, parece que ninguém ouviu o que eu ouvi, o homem disse que havia um monstro grande que pisava forte e tinha fogo nos olhos

— logo jogou as cartas sobre a mesa e levantou-se.

Todos foram unânimes em afirmar que também ouviram.

Solon que acabara de cortar um naco de carne, disse:

O homem devia estar variando, com certeza estava com febre alta.

- (—) O pior é que nos próximos cinco dias não deve aparecer uma alma viva por aqui, a estrada está interrompida e a polícia deve estar fazendo barreira para avisar as pessoas.

Todos permaneceram desconfiados olhando de soslaio a figura espectral do morto, quando Gustavo se aproximando do cadáver e virando-o com o rosto para cima, disse:

— Pela aparência, em minha opinião, ele era um homem que não se assustaria com facilidade.

A fisionomia facial do morto, se retirado da tez o aspecto de horror, era de um homem de feições forte e corpo avantajado, a barba ruiva lhe cobria a face, tinha o bigode raspado, a calva de sua cabeça ficou aparente após a retirada do chapéu de lã espessa.

— Então senhores! Temos de fazer alguma coisa – disse o proprietário da taberna — Eu não posso arredar o pé daqui, pois Remover sou o responsável pelo estabelecimento, entendo que um de vocês deve ir à procura do delegado.

Artigas, um dos homens que até então se mantivera as sombras, avançou até o morto e disse:

— Acho que não haverá alguém que queira ser voluntário para cumprir tal tarefa, ainda mais em uma situação tão inóspita, por isso, sugiro que disputamos quem irá, em uma partida de pôquer.

— Sem contar com o monstro grande que pisa forte, que nos está espreitando lá fora — disse Guilherme, o outro homem que até então não havia se pronunciado.

O atendente se aproximou da mesa, colocou um baralho ainda fechado em seu invólucro e disse:

Façam as regras do jogo senhores eu ficarei apreciando a partida e fiscalizando para que as regras sejam cumpridas.

A única regra estabelecida era que aquele que tivesse o menor jogo seria o perdedor e assim, partiria a procura do delegado.

O vento bramia lá fora, uma nova tempestade com relâmpagos e trovões se fazia sentir. A luz apagou repentinamente, um gemido partiu de um dos jogadores, alguém se movimentava à procura de uma vela, tropeçou em algo e caiu. Logo a luz foi restabelecida. O estalajadeiro caído ao solo, um dos jogadores tinha um punhal cravado no peito.

Todos atônitos, olham uns para os outros com desconfiança, quando Solon disse:

— Não teria dado tempo para alguém entrar, fazer o trabalho e fugir, isso nos dá a mais absoluta certeza de que o assassino é um de nós.

O proprietário da pousada começava a erguer o pesado corpo, apoiando-se em ambas as mãos, quando viu o assassinado, com espanto, disse:

— Uai!' Exclama — Santo Deus! Agora há dois cadáveres, o que será de mim?

Solon tomando a palavra disse:

— Senhores! Vamos analisar o que aconteceu aqui, para ver se obtemos alguma pista do assassino. Estávamos os cinco sentados ao redor da mesa, o homem assassinado estava a minha esquerda, a sua direita estava Artigas, a frente estavam os demais.

O proprietário estava ao lado e ao se afastar caiu, por haver tropeçado numa cadeira.

Concluo que qualquer um de nós poderia ser o autor, bastando para tanto ter um punhal. Mas quem de nós teria um motivo para matá-lo. Eu ao menos não o conhecia.

— Acho que nenhum de nós o conhecia antes — disse Gustavo.

Eles pegaram o morto e o colocaram ao lado do outro.

— Onde está sua mulher? Perguntou Gustavo ao proprietário.

— Ela já deve estar no quarto sono, recostou-se logo após haver servido o jantar.

Solon, que naquele momento, estava pensativo, levantou a cabeça e disse ao estalajadeiro:

— Você tem algum lampião que possa ser aceso neste salão?

— Sim, tenho um lampião a gás, posso acendê-lo imediatamente.

Virou-se e dirigindo-se ao balcão, e sob este, retirou um lampião a gás, colocou-o sobre a mesa e riscando um fósforo o acendeu.

— Coloque-o no centro do salão, assim permanecerá claro se a luz apagar novamente — disse Solon — agora estamos seguros de nenhum crime acontecer no escuro, podemos reiniciar a partida.

O mal sucedido no jogo foi Solon, que levantando disse:

— Há quantos quilômetros fica o próximo povoado?

— A uns trinta quilômetros — respondeu o homem gordo, de avental.

— Alguém tem uma arma, posso encontrar o monstro grande que pisa forte e tem fogo nos olhos.

— Aqui têm uma arma de caça e uma lanterna, as únicas que disponho nesse momento- disse o dono da pensão.

— Está ótimo.

— É só seguir a estrada, não há como errar- disse Artigas, abrindo-lhe a porta.

Uma rajada de vento frio penetrou no ambiente, fazendo com que a porta logo fosse fechada.

Cinco horas depois:

— É isso senhor inspetor, na hospedaria quando saí havia dois corpos, estendidos no solo, como lhe disse, acho que devemos ir lá imediatamente.

— Mais homem! São cinco horas da madrugada, acha que devemos partir imediatamente, não quer se esquentar um pouco, quem sabe tomar um café. Encarando-o com ar embasbacado.

— Não inspetor! Aqueço-me no carro, devemos partir imediatamente.

O carro estaciona na frente da estalagem, ao lado de outros carros, tudo no maior silêncio possível, nenhuma luz acesa.

Ambos deixam o carro e se dirigem para a porta, três batidas e nada, batem mais cinco vezes e esperam. Uma voz de dentro responde:

— Já vai.

Um homem, vestido com trajes de dormir, abre a porta e diz:

— O que deseja a esta hora, são seis horas da manhã, ainda está escuro.

O inspetor olha para Solon, que surpreso diz:

— Onde está o estalajadeiro, um homem gordo e sua mulher uma mulher magra?

— Não sei do que está falando senhor eu vivo aqui a mais de vinte anos, com minha mulher, mas eu sou magro e ela é gorda.

— E os dois cadáveres, onde estão?

— Que cadáveres senhor?

Uma súbita tontura embaça-lhe os olhos e o entendimento. A respiração é aflitiva e desigual, a boca arde-lhe, o peito lhe dói – É como se de repente lhe tombasse sobre o corpo toda a canseira de uma longa corrida desabalada.

E, atonito diz ao inspetor:

— Incrível, estava tudo aqui, não tenho a menor dúvida, de que tudo aconteceu.

— Você deve ter imaginado coisas, ou está usando essa história para me fazer trazê-lo até aqui. Previno-o que acaba de cometer um delito, induzindo uma autoridade a uma diligência imaginária.

— Um momento! Posso entrar na casa? — Dirigindo-se ao homem que parado estava a porta.

— Sim, pode entrar — ligou as luzes e nesse momento Solon, ficou mais atonito do já estava.

O lugar estava completamente modificado, nada, ou quase nada, do que vira horas atrás correspondia ao que estava vendo.

Dirigindo-se ao inspetor disse:

— Desculpe, mas não sei o que está acontecendo, devo estar louco ou coisa parecida.

— Resolva se, vai comigo, ou permanece aqui?

— Meu carro está a mais ou menos trinta quilômetros, onde houve uma queda de barreira.

— Não foi noticiado qualquer queda de barreira nas últimas horas — disse o inspetor.

— Desculpe mais uma vez, mas prefiro ficar para ver o que está acontecendo.

O inspetor, contrariado embarcou na viatura e deu partida.

— Entre senhor que está fazendo frio, logo será providenciado um café — disse o dono da casa.

— Diga-me, há quanto tempo tem a propriedade?

— Eu a adquiri há mais de vinte anos, estava quase que em ruínas, pois dizem que ficara fechada por muito tempo após a chacina.

— Chacina! Que chacina?

— Houve uma queda de barreira e a estalagem, o que era na época, ficou isolada, por cinco dias, sem comunicação telefônica. Quando algumas pessoas chegaram aqui, havia sete corpos espalhados.

No registro de pernoites, o nome de todos, parece que eram forasteiros, aqueles que estavam no registro, apenas um tal de Solon Menezes, não foi encontrado. A polícia atribuiu a ele os assassinatos. Parece que o registro dele era falso, pois a identidade não correspondia a ninguém.

Otrebor Ozodrac
Enviado por Otrebor Ozodrac em 23/03/2011
Reeditado em 20/12/2022
Código do texto: T2865614
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