A prisão de Denis

Olá, meu nome é Denis, sou dentista há quinze anos, tenho dois filhos, lindos e saudáveis, um casal, os dois estão fazendo faculdade e terão um futuro brilhante. Moro em uma cobertura no centro de uma linda cidade Mineira, já vivi uma vida cheia de aventuras, fui hippie, mas meus tempos de bicho grilo ficaram para trás, sou dentista, tenho dois filhos, uma cobertura, sou dentista, tenho dois filhos, uma cobertura, sou dentista...

Olá, meu nome é Denis, sou dentista, e há dez anos sofri um acidente de carro.

Meu nome é Denis, olá... Há 9 anos minha esposa me abandonou, levou consigo meus filhos, tive que parar minha profissão e lutar para sair desta prisão. Qual crime eu cometi? Meu crime, qual o meu crime? Minha culpa? Eu tive culpa?

Meu nome é Denis, fui condenado, estou preso há dez anos. Meu juiz foi terrível, ele foi injusto na sua sentença, eu não merecia prisão perpétua. Talvez fosse porque ele estava bêbado, mas eu não me conformo. O juiz merecia morrer mas eu não merecia minha sentença, não tive advogado, não tive defesa... Há dez anos tento achar uma saída desta prisão, há anos tento escapar. Todos os dias eu queria viver de novo, mesmo assim durante muito tempo eu pensei que somente a morte me livraria deste inferno. Você não sabe como é lutar pra viver durante o dia e desejar a morte na escuridão da noite, as minhas lágrimas de desespero imploravam para que ela viesse e me soltasse, que me fizesse andar novamente, que me fizesse voar, você não sabe...

Há sete anos eu consegui uma condicional. Talvez tenha sido pelo meu bom comportamento, talvez tenha sido pelo meu dinheiro, mas há sete anos um homem de branco me falou de um teste, uma novidade: Ele dizia cirurgia inovadora e perigosa, eu ouvia apenas meus sonhos de liberdade, meus familiares me parabenizando pelos meus anos de luta e a minha risada ecoando pelos corredores escuros da minha memória. A imagem de segurar meus filhos novamente era mais perfeita, mais emocionante, mais sagrada do que qualquer coisa neste mundo. E por outro lado, a imagem de um caixão carregando a minha prisão era confortável, era uma boa imagem, me fazia feliz.

Há sete anos, depois de um esforço descomunal, depois de anos de sofrimento contínuo, eu dei um passo fora da prisão. Consegui ir ao banheiro, levantar um dos meus braços, sorrir com metade da boca. Eu consegui a mais básica necessidade humana, sentir necessidade de viver.

Sou Denis, sou dentista, tenho dois filhos e moro em uma cobertura. Todos os dias eu acordo cedo, agradeço por cada passo que eu consigo dar, mesmo que sejam passos fracos, mesmo que mal consigam sustentar meu corpo, mesmo que o perigo de cair seja constante, mesmo que cada passo eu sinta uma dor insuportável, até pela dor eu agradeço. Vou à igreja e agradeço, eu posso andar, vou à padaria, vou à praça, vou ao consultório, eu posso andar! Eu trabalho, me exige muito esforço, mas eu consigo trabalhar, já tem 6 anos que eu voltei ao meu consultório antigo, minha ex-mulher ficou com o novo, mas eu não me importo, eu posso trabalhar! Cada dia que eu me levanto, que eu ando, que eu trabalho, cada dor, me fala, me grita, eu estou livre da minha prisão!

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- Denis, seus exames chegaram e aconteceu o que nós temíamos, seu corpo está rejeitando a prótese colocada na sua espinha, infelizmente, eu sinto muito ao te dizer isso, mas não temos recursos médicos para combater essa rejeição, como eu havia te explicado há seis anos atrás, essa técnica cirúrgica ainda é muito nova...(o que?)... não sabemos qual seria o motivo... (o que?)... não há possibilidade... (o que você disse?)... não existem novas drogas... (eu não fiz nada de errado!)... perder toda sua capacidade motora...(mas eu não desrespeitei a condicional!) ... tetraplegia é incurável... (Eu sou inocente!!)

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Eu estava feliz, tinha saído de mais um dia do consultório, minha esposa, que me amava acima de tudo, que era tão linda, que eu amava tanto, estava me esperando em casa com o jantar, ela não gostava de fazer comida, mas eu a amava. Meus filhos deviam estar jogando vídeo game, eu iria chegar e pedir para todos sentarem-se à mesa, para jantarmos como uma família, eu gosto quando minha família está junta, eu gosto de todos, quero jantar com todos, mas no meio do caminho vinha um juiz. Ele tinha 17 anos, bebeu demais em uma festa e decidiu que eu deveria ficar preso, o processo foi rápido, mais de 100 km/h, o veredicto condenou minha mente a viver numa prisão.

Qual foi meu crime?

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Hoje eu não sinto quase nada, não é por causa da tetraplegia, foi o whisky, a vodka, os remédios, quantos remédios... Eu sou Denis, o dentista que tem dois filhos, uma cobertura, dentro de seis meses tudo o que eu tenho não vai significar nada, tudo vai ser mais uma imagem na minha cama de hospital. Eu sei de muita coisa hoje, sei o valor de cada passo, sei o que é ficar sozinho, sei o que é ver a esperança morrer, eu, acima de todas as pessoas do mundo, de todos os seres vivos, eu Denis, eu sei!

Tantas imagens, meus amigos andando pelas ruas, meu pai querendo que eu tomasse jeito, eu com aquele cabelo enorme, eu fazendo faculdade, minhas festas, meu casamento, meus filhos, minha vida. Eu era Denis, eu era dentista, agora quero saber por que não devo me jogar dessa cobertura? Por que eu devo voltar a ficar morto-vivo naquela cama? Por que devo aceitar ser preso, ficar preso, você aceitaria? Hahaha, você não sabe, você não é Denis, você não ficou três anos sem conseguir ir ao banheiro, sem conseguir falar, sem conseguir olhar pra onde você quer olhar, você não sabe! Eu sou Denis e eu quero sentir mais uma vez o vento no meu rosto, eu adoro o vento no meu rosto, agora que ele passa tão rápido me lembra quando eu andava de moto, hahaha, estou andando de moto, tão rápido, eu sou livre, eu sou jovem, na BR entre o vigésimo andar até a garagem não tem semáforo, não tem radar, agora posso correr, e quero que todos ouçam o último som do meu corpo em vida, a última, a única fala que tenho, a única coisa que tenho certeza, eu sei, eu sei que sou inocente, eu sou inocente.