O VENDEDOR DE ALFACE

Para quem chega em Manisalles, deslizando nos tortuosos caminhos entre as montanhas, vê ao longe, depois de um vale os contrafortes da cordilheira andina peruana, a direita e a esquerda uma longa planície e no meio dela, Manisalles, 8 mil habitantes, cidade rural, de clima temperado frio, e com uma constante neblina, de manhã, úmida e a tarde, seca. No meio do solo pedregoso, há ilhas de terra em que se cultivam todo a espécie de cereais e de hortaliças.

Jece Barrientos, é um destes plantadores de hortaliças, pequeno, pois vende de porta em porta o seu produto conhecido, assim como o seu rosto deformado e sombrio, porém singelo em sua forma.1,60, Jece era visto na cidade, com suas velhas sandálias rastejando a perna esquerda, herança de uma antiga picada de cascavel, que lhe tirou a mobilidade total. Roupas surradas, um olhar que em sempre diagonal direcionava o chão, em qualquer direção que olhasse, e assim poucas vezes perguntava, e raramente respondia, e a exposição de seus belos pés de alface era seu cartão de visitas e vocabulário, apenas os oferecia por gestos, quando aceitos, um leve movimento afirmativo surgia na cabeça disforme daquele ser, se não aceitos, o branco dos olhos passeava de um lado a outro, e uma espécie de rosnado surdo saía da boca com odor putrefato de Jece. A deliciosa hortaliça era um segredo guardado a sete chaves, e para quem bisbilhotava sua estufa, nada via de anormal, era terra, normal, e que tinha apenas uma pessoa cuidando, o próprio Jece, que não permitia a visita a sua estufa, que media 100 metros de comprimento, por 10 de largura, estrategicamente plantada entre dois penhascos povoados interiormente pela estufa e por fartos arbustos, que escondiam particialmente aquele local, mas que provocavam nada além de curiosidade, porque afinal, todos queriam saber de onde vinham tão belas hortaliças?

No início da primavera de 1960, numa manhã fria, a poucos metros de sua casa Jece foi encontrado entre os matos de uma sarjeta, abraçado com meia dúzia de pés de alface, o abdômen dilacerado de cima a baixo, e a cabeça moída, ao lado uma espada espanhola do tempo do descobrimento e uma pedra banhada de sangue, a leve garoa que caía desfez qualquer rastro da estradinha, Jece iria a até a cidade pra suas vendas diárias, vestia roupas de brim descorado e uma camiseta de algodão grosso, uma velha capa plástica lhe protegia o corpo..

Ao revirarem o corpo, o sangue evaporava ainda quente em finíssimos filetes dando um ar tétrico ao achado, a água da garoa percorria os sulcos do rosto deformado e do ar trágico oferecido ao olhar estupefato de todos, Jace repousava o sono dos extintos.

Vasculharam sua casa, atrás de documentos para identificá-lo, mas infelizmente foi enterrado com o nome que todos conheciam Jece Barrientos, sem identificação formal.

Tudo foi fechado, casa, estufa, tudo estava sob um isolamento para investigação.

15 dias depois do enterro o franzino repórter fotográfico de uma famosa revista, fotografando o local do crime do alto de um dos penhascos vizinhos, observou que a divisa aos fundos da estufa, era o cemitério municipal, e também que entre os túmulos um homem movimentava-se furtivamente, esquivando-se de sua máquina fotográfica. Revirou sua mochila, para acoplar a sua máquina a teleobjetiva que possuía, mas ao retornar a visão, o homem havia desaparecido...

Recolheu seu material, e com a curiosidade aguçada, desceu e foi entrar por uma abertura lateral na estufa.

Já no interior começou uma investigação em cada ponto e detalhe do ambiente, e observou que ao fundo existia uma espécie de quarto, fechado. Caminhou ate lá abriu com alguma dificuldade a porta, entrou, encontrou ferramentas, um armarinho e uma abertura no chão... Abriu mais a porta e viu uma escada terra adentro, revirou novamente a mochila e retirou uma lanterna, depois de respirar profundamente, adentrou e percorreu a escada e iniciou a caminhada por um corredor...

Não mais que dez metros havia percorrido, quando um violento impacto o atingiu o meio do rosto, abrindo um profundo corte, o segundo impacto já o degolava pondo no chão o corpo do repórter, o corpo de delito, uma foice, desapareceu na escuridão juntamente com o agente da morte horrenda do homem.

A tarde já caía, quando de dentro da estufa, pela mesma passagem que o repórter havia entrado, saiu a figura truculenta e avantajada de Péricles Vives, com uma pá cortadeira na mão, ele saiu, caminhou 50 metros e sentou numa pedra, olhando fixo a casa do falecido Jece...

_____Hummmm, pois é amigo Jece, você foi pro inferno porque me deu um calote, safado...! Levou minha parte das vendas. Agora que não existe mais o nosso comércio de terra adubada, matei este bisbilhoteiro e fechei nossa passagem pra transporte de terra do cemitério pra cá, eu preciso fazer um servicinho pra arrematar tudo... Não quero pagar nada neste mundo...

E 10 minutos depois um enorme incêndio destruía a casa que fora de Jece.

Mais adiante fumando seu cigarrinho de palha ia o coveiro com uma pequena bolsa embaixo do braço.

____ Vou gastar o dinheiro do compadre na capital, alface não dá mais nada aqui.

Malgaxe
Enviado por Malgaxe em 17/05/2011
Reeditado em 17/05/2011
Código do texto: T2975711
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.