O Fantasmas

PREFÁCIO

Você acredita em fantasmas? Já presenciou fatos sobrenaturais? E quem nunca ouviu uma historia de arrepiar?

Os fantasmas não costumam assombrar apenas casas velhas, caindo aos pedaços.

Até mesmo mansões milionárias podem servir de habitat desses importunos visitantes.

O caso que vou narrar tem tudo a ver, com fatos extraordinários acontecidos com um senhor que me procurou para contar a sua história.

O FANTASMA

Conto de Otrebor Ozodrac

Chegara a casa, por volta das dezenove horas, de um dia de inverno severo, como são os do Rio Grande do Sul. O vento bramia lá fora, Juli, uma cadela boxer, força a porta, roçando a pata no vidro. O pequeno Pipóquinha, um cão York Cheire, do lado de dentro, parecia zombar da cadela, que tiritava de frio, do outro lado da porta. Às tremulantes labaredas da lareira irradiavam um calor aconchegante, naquele dia tão frio. Ao entrar retirei o, sobretudo e o coloquei sobre o sofá, aproximei-me da lareira e esfregando as mãos, tentava aquecê-las, pois estavam geladas. Minha esposa que estava na cozinha, se aproximou e me disse:

- Querido! Às oito horas virá um homem que quer muito falar contigo, ele esteve aqui às seis horas, me pareceu muito apreensivo e inquieto.

- Não disse o que queria?

- Não, apenas disse que necessitava muito conversar contigo. Vem que o jantar está servido.

Mal acabara de jantar a campainha soou, fui logo ver quem era no visor. Era o tal homem, como minha mulher havia descrito. Acionei o magneto que libera o portão. Ele entrou. Recepcionei-o na sala, que ao chegar me disse:

- Bom-dia senhor- me estendendo a mão - sou Fernando Henrique de La Veiga, engenheiro e tenho muita necessidade de conversar com o senhor. Pois tenho um serviço que desejo que o senhor realize.

- Queira entrar, o frio está invadindo a sala e o senhor está tremendo.

O homem adentrou, se aproximou da lareira, tremia dos pés a cabeça, pois parecia estar pouco agasalhado para um dia tão frio.

Os olhos eram claros, cor de chumbo, moviam-se devagar, e tinham a expressão dura, seca e fria. Cara magra e pálida; uma tira estreita de barba, por baixo do queixo, de uma têmpora a outra, curta, ruiva e rala.

Esperei por alguns instantes que se aquecesse no fogo crepitante da lareira e o convidei a sentar.

— Perdoe-me por incomodar — disse, dirigindo-se a minha mulher que acabara de entrar trazendo duas xícaras com chá.

Minha mulher cumprimentou o recém chegado e lhe ofereceu uma das xícaras, ele a pegou com as duas mãos que ainda estavam frias, tentando aquecê-las, rodeando a chávena entre a mão e agradeceu.

- Em que lhe posso ser útil senhor Fernando?

- Eu não sei como começar minha narrativa, mas antes devo lhe advertir que não sou louco, estou no meu perfeito juízo, também não sou esquizofrênico. Embora os fatos que lhe vou contar possam levá-lo a pensar que sou um ou os dois.

- Estou acostumado com casos estranhos, afinal essa é a minha profissão. Esteja à vontade para as suas narrativas, serei todo ouvido- lhe disse com todo o respeito.

- Senhor, Otrebor! Sou um engenheiro experiente, tenho mais de vinte anos de exercício da profissão. Portanto, tenho o meu juízo bem centrado. Já trabalhei em diversos lugares do mundo.

Senhor Otrebor! Quero que reproduza em um texto o que lhe pretendo revelar. Necessito que antes de minha morte, todos quantos for possível, venham a conhecer a minha estranha história.

Tudo começou, quando por força da profissão, tive de me mudar para uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Estava num hotel, pago pela empresa para quem trabalhava havia mais de um mês. Queria trazer minha esposa, para junto de mim, pois sou um homem pacato e o meu maior prazer é estar com minha esposa.

Entre muitas casas a venda, escolhi uma que me pareceu mais ao gosto de minha mulher. Um casarão colonial, totalmente reformado, um pouco afastado da cidade.

Quando fomos ao cartório lavrar a escritura, foi que tive a revelação. O proprietário somente venderia o imóvel se constasse na escritura que eu tinha conhecimento que no imóvel havia um fantasma.

Como nunca acreditei em fantasma, não liguei para o fato e adquiri o imóvel.

Durante a semana busquei a mudança e mobiliamos toda a casa. Minha mulher logo veio e finalmente estávamos juntos novamente a desfrutar do convívio familiar.

No final de semana, chamei alguns colegas de serviço, para a inauguração da nova residência, aproveitando para apresentar minha mulher às esposas dos meus colegas, pois éramos novatos na cidade e necessitávamos formar um novo ciclo de amizades. Entre os convidados, havia um senhor de mais de sessenta anos que era o gerente de compras da empresa que se fez acompanhar de sua mulher, também de idade avançada.

A esposa do Marcos, assim se chamava o meu colega, gerente de venda, fez amizade fácil com minha mulher. Contou-lhe que havia comentários de que a casa era mal assombrada, se ela sabia disso.

A festa acabou e todos os convidados foram embora. Quando estávamos a sós, minha mulher me interpelou, para saber se eu tinha conhecimento do que se falava sobre a casa.

Disse-lhe que o proprietário havia feito questão de que constasse na escritura que eu tinha conhecimento de que a casa era habitada por um fantasma. Que como não acreditava em fantasma, não coloquei qualquer objeção.

Chegamos à conclusão de que a casa era mal-assombrada, logo depois da festa de inauguração.

Quando preparava-nos para deitar, de repente, a porta de recepção da casa abriu-se repentinamente e através dela adentrou um homem todo vestido de preto, tomou a escada que dava para o primeiro andar e subiu.

Os nossos olhos expectantes acompanharam os passos suaves do homem, que sumiu no corredor dos cômodos.

Minha mulher ficou pálida como uma estátua de mármore. Logo a amparei e a sentei num dos sofás. Deixando-a ali, logo me dirigi à escada em busca do homem. O corredor que dava acesso aos quatro quartos se encontrava completamente vazio, os quartos foram examinados, meticulosamente por mim, as janelas estavam fechadas por dentro, com ferrolho. O homem não foi encontrado.

Os fatos presenciados me causaram um estresis nunca antes sentido, estava ansioso por uma palavra amiga ou um dito que desanuviasse a preocupação que o me consumia! Minha mulher não resistiria tais acontecimentos. Lembrei-me de que seu pai, anos atrás, fora acometido por ataque fulminante de angina, dum modo tão súbito que nem dera tempo de ser visto pelo médico.

Voltei a ter com minha esposa, que ainda permanecia pálida sobre o sofá. Levei-a para o quarto e a deitei, após haver lhe dado um calmante.

Deitei-me desassossegado, tendo a lembrança de deixar ao alcance da mão a chave de luz, para acioná-la ao mínimo sinal da aparição, ou a qualquer barulho que ouvisse. Assim, virando-me de um lado para outro, não conseguia adormecer. Vinha-me uma sensação de medo até que vencido pelo cansaço, cai em sono profundo.

Em pouco acordei sobressaltado. Um barulho fora ouvido dos cômodos superiores. Levantei, olhei para minha mulher, que dormia sobre o efeito do calmante. Logo fui aos cômodos superiores, vasculhei tudo e nada encontrei. Voltei a dormir.

Duas semanas depois, o espectro apareceu uma segunda vez, quando minha mulher estava sozinha, pois eu havia sido chamado a comparecer na empresa por volta das onze horas da noite a fim de atender uma emergência.

Minha mulher já estava se preparando para gritar, quando a aparição simplesmente desapareceu. Conteve-se e ficou ali, como que petrificada pelo medo. Quando cheguei, ela me disse com voz embargada:

- Não fico nesta casa nem mais um dia.

- Vamos resolver isso- disse-lhe consternado- você vai para um hotel, eu continuo aqui até que desvende este mistério.

Foi dito e foi feito. Minha mulher hospedou-se num hotel próximo e eu fiquei na casa.

Era um casarão enorme, após a mudança ficara atulhado de móveis vistoso e brilhante, decorado por minha mulher, que tinha requintado gosto. Não havia me trazido o aconchego desejado, dado a presença do fantasma que ali habitava.

Passaram-se duas semanas, eu dormia e somente acordava no dia seguinte, fazia as refeições com minha mulher, incluindo o dejejum que fazia no hotel.

Na sexta noite, após ter dormido a sono solto, as primeiras hora de descanso, quando rompia 3h da madrugada, novo sobressalto me fez erguer-me bruscamente na cama, como se a vida dependesse desse gesto indomável e irrefletido. Levanto trôpego e sonolento, subo as escadas e nada vejo, volto a deitar. Com ansiedade esperei que a luz solar rompesse, pra saltar da cama, fatigado, sonolento e indisposto.

Minha vida calma e tão igual passou a ser um tormento obsedante, não pelo medo que sentia, mas pela avidez de descobrir o que estava acontecendo.

Foi numa terça feira, que ele apareceu.

Uma tempestade desenhava-se no céu, abafado e negro, depois de um dia de calor atroz. Nenhum sopro de ar movia as folhas. Um calor de forno oprimia os rostos, fazendo os peitos ofegarem. Eu me sentia mal, agitado, e desejava ir para casa para ficar no conforto de um ar condicionado.

Devia ser por volta de uma hora da madrugada, estava eu assistindo um tele jornal, quando ouvi passos e o arrastar algum objeto, no corredor dos quartos. Subi com a rapidez que pude, e lá estava ele, parado, transparente a princípio materializando-se pouco a pouco. A súbita aparição me deixou assustado, mas entre o medo e a curiosidade, aos poucos fui relaxando. Podia vê-lo perfeitamente bem, era um jovem rapaz, por sua aparência deveria ter seus dezenove ou vinte anos, pois seu rosto era liso, com barba rala.

Pela primeira vez, me pareceu que o fantasma sofria de mil agonias e que a dor que sentia a mais acirrada de quantas dores existissem, dor de varar o coração.

Quando próximo, lhe disse:

- Não tenha medo, que sou de paz e quero ajudá-lo, no que for necessário.

Ele me pareceu confuso e passou por mim descendo a escada. Segui-o, mantendo-o a frente. Quando no térreo, dirigiu-se ao canto da varanda e apontou para o solo e logo desapareceu diante de meus olhos.

No dia seguinte, fui procurar o antigo proprietário, que quando me viu, foi logo dizendo.

- Previno-o de que não desfarei o negócio, o senhor foi avisado de que a casa era habitada por um fantasma.

- Fique sossegado, não quero devolver a casa, apenas quero algumas informações, que o senhor poderá me fornecer.

- Vá, lá! O que deseja saber sobre o fantasma?

Contei-lhe o que havia acontecido. Ele me disse:

- Senhor Fernando! Desisti de morar na casa, pois não tive controle emocional para conviver com o fantasma, sem falar que minha esposa ameaçou me abandonar se não nos mudássemos da casa.

Aluguei-a por diversas vezes, o inquilino que mais durou foi por dois meses. Por isso coloquei-a a venda com o fantasma e tudo.

Asseguro-lhe que ninguém, inclusive eu, não teve a coragem de enfrentar o fantasma, fugíamos dele.

As informações, do antigo proprietário, não lançaram luzes ao caso do fantasma. Tinha de buscar novas informações e métodos para descobrir o que ele realmente queria.

Os dias passavam de quando em vez eu via o fantasma, que ficava me olhando, como cão que espera o comando do dono para tomar alguma atitude. Outras vezes, apertava os lábios e fazia gestos interrogativos com os braços, como que perguntando o que eu iria fazer a respeito, fatos estes que incitava a minha curiosidade?

Os dias se passaram, havia convencido minha mulher a voltar para a casa, dizendo que o fantasma realmente existia, mas que não representava qualquer perigo.

Certa noite, ao assistir televisão, deparei-me com uma entrevista onde um sensitivo disse textualmente que se comunicava com os mortos. Liguei para e emissora de TV, buscando o endereço do entrevistado. Em três dias ele estava em minha casa, pronto para se comunicar com o fantasma.

Ele andou, por toda a casa e de repente começou a tremer como estivesse com frio. Sua cabeça balançava constantemente. De repente ficou calmo e começou a falar:

- Eu vim a esta casa para ma festa há muito tempo atrás. Meu corpo está sepultado no canto da sala, sobre o corpo de uma garota que também foi assassinada, ela se conformou com o ocorrido e foi rumo à claridade. Eu não me conformei e fiquei aqui com o único objetivo de fazer com que os culpados pagassem por seus crimes. Os assassinos nunca foram descobertos, também, os nossos corpos nunca foram achados.

Os assassinos foram cinco rapazes da elite da comunidade, sendo eles: Francisco Toldo, filho do dono da casa, Marcos Aguirre, Lauro Ramos, o Lolo, Maurício Miranda, e Carlos Santana.

O sensitivo voltou à realidade quando a conexão findou.

O homem, dirigindo-se a mim, perguntou:

- Deu algum resultado a comunicação?

- Sim, perfeitamente, agora posso buscar o que quero.

- Ótimo, pois eu não sei nada do que acabou de ouvir.

Agora eu sabia que um dos assassinos era o filho do antigo proprietário, possivelmente do homem que a tinha vendido para mim.

Voltei a procurá-lo e ele me informou que havia comprado a casa há apenas dez anos, e que, a casa já era habitada pelo fantasma. Tais informações levaram-me ao cartório de registro de imóveis. A casa havia sido transacionada por cinco vezes. Resolvi procurar o imediatamente posterior, ou seja, a penúltima venda.

O casal não tinha filhos, portanto, não seriam eles os que eu estava procurando. Além disso, fui informado que quando adquiriram a casa já havia nela o fantasma.

O imediatamente anterior tinha um filho e haviam adquirido a casa em ruínas e a tinha reformado. O casal já não existia, haviam morrido a mais de vinte anos. Seu filho havia se mudado da cidade. No registro civil, constatei que ele devia ser o procurado, havia comandado a reforma do casarão para seu pai.

Na manhã seguinte fui ao asilo de velhos, como quem não quer nada, busquei falar com os mais velhos, que ainda tinham lucidez.

Os três primeiros com quem tive contato nada informaram, mas uma senhora de mais de noventa anos, de uma lucidez inacreditável, ao menos no que diz respeito, a memória remota. Disse-me que conhecera o casarão e seus moradores. E que ele fora reformado no ano de 1960. Que na época eram donos um casal de emigrantes alemães, que tinham um único filho. A família tinha uma indústria de móveis artesanais. A fábrica tinha o nome de Moveis Toldo.

Um mês depois eu estava chegando à fábrica que se tinha transferido de cidade a mais de vinte anos. Até um detetive contratei para descobrir a tal fábrica.

Na recepção, parecia ser uma fábrica prospera, dado a sofisticação dos ambientes.

Dirigi-me a recepcionista e lhe perguntei:

- Bom-dia! Eu estou procurando o proprietário da indústria, meu nome é Fernando Henrique de La Vega, engenheiro mecânico de profissão.

-Um momento, por favor, vou verificar se ele pode recebê-lo.

- Acompanhe-me, por favor, irei conduzi-lo à sala da presidência- disse a recepcionista.

Adentramos na sala e lá estava um homem, de meia idade, com feições germânicas, de altura acima da média, robusto, de uns trinta anos de idade, barbeado, claro, com um jeito amigável e afável e um par de olhos azuis extremamente agudos e penetrantes.

Em breves apresentações de ambos os lados e o homem logo perguntou:

- Em que lhe posso ser útil?

- Estou procurando um antigo proprietário de uma casa que adquiri recentemente e as pistas me trouxeram até esta fábrica.

Expliquei, onde era a localização da casa. E, ele me disse após haver passado a mão sobre a cabeça e pensado um pouco.

- Acho que terá de falar com o meu pai, só que ele se encontra numa casa de repouso para idosos.

Pegou um papel e escreveu um endereço e me alcançou dizendo:

- Este é o endereço da casa de repouso, e este é o nome do meu pai. O velho ficará contente em poder ajudá-lo, sabe come é eu não o posso visitá-lo como gostaria, e assim, ele fica sozinho a maior parte do tempo.

As dificuldades que encontrara eram suficientes para desencorajar a maioria dos homens de fazer qualquer tentativa para levar a cabo uma missão, mas não eu que sempre fora obstinado e não desistia até alcançar o meu objetivo.

Dirigiu-se ao local indicado.

O lugar era afastado da cidade, uma estrada de chão me levou até a casa de repouso.

A casa era um modelo próprio para a finalidade a que fora destinada. Um enorme salão central, onde os idosos ficavam assistindo televisão, em quatro aparelhos, dispostos estrategicamente, formando os grupos interessados em assistir o canal.

Na portaria, fui informado que o idoso que procurávamos se encontrava acamado em seu aposento. Atravessamos o salão e adentramos num dos corredores, que formavam as alas.

Adentramos no quarto, a enfermeira que me conduzira ao local, apontou para um senhor idoso, que estava com forte acesso de tosse.

Fiquei ali ao seu lado, enquanto ele tossia.

Era um homem de estatura mediana, magro, de rosto longo, barba espessa, mas não tinha bigode.

O que de mais característico havia na sua cara era sem dúvida a ausência do bigode.

Os lábios nus iam confundir-se-lhe pouco a pouco com as faces que, descarnada e enrugada, pareciam um tecido amarrotado.

Ao terminar o acesso de tosse, tentou levantar-se, mas as pernas e as mãos não lhe obedeciam escorregavam na cama sem poder encontrar um ponto de apoio.

Olhou para mim e perguntou com uma voz fraca e murmurante, parecia oxidada, como se suas cordas vocais fossem raramente utilizadas.

- Quem é o senhor, o que quer?

- Permita que me apresente- lhe disse fazendo uma mesura- sou Fernando Henrique de La Vega.

Estou procurando-o como antigo morador de uma casa que acabo de adquirir, e estou necessitando de uma informação, sobre a casa.

- A casa foi vendida a mais de cinquenta anos. Não vejo em que lhe possa ajudas.

Contei-lhe sobre o fantasma e ele se mostrou muito preocupado, e disse:

- Não sei nada a respeito, sinto que não o posso ajudar, quando a casa foi vendida não havia nela qualquer fantasma.

Notei-o muito preocupado, e inferi que ele sabia muito sobre o caso, teria de persuadi-lo de alguma geito. Como não me ocorreu qualquer forma de persuasão, entreguei-lhe o meu cartão e lhe disse:

- Se o senhor se lembrar de algo que me possa ajudar, basta telefonar para o meu número que volto a lhe procurar.

Passaram-se quarenta e cindo dias da visita ao ancião, quando recebi uma ligação telefônica. A pessoa me disse que o senhor a quem procurara na casa de repouso, havia solicitado a minha presença.

Como havia recebido o aviso numa quarta feita, tive de esperar o final de semana para viajar até a cidade onde se encontrava o ancião.

Lá o encontrei a beira da morte, segurou a minha mão e fez com que me aproximasse para ouvi-lo, e com os olhos brilhantes de lágri¬mas, com uma expressão vaga que revelava estar mergulhado em uma abstração. Com voz entrecortada começou dizendo:

- Não se pode negar a existência do mal. Sua influência no ser humano é tão certa quanto o frio no inverno ou a escuridão na noite, ao terminar o dia. Logo vem o alvorecer e a escuridão desaparece; com o calor o frio cessa. Assim acontece com o mal, transitório, ocasional, aleatório

Era primavera de 1960. Fazia nove meses que meu pai havia adquirido o casarão

Minha família se transferira no verão daquele ano para uma cidade praiana, eu ficara para comandar a reforma da casa.

A reforma já estava sendo finalizada, estávamos fazendo o piso da sala de estar. Foi num final de semana, quando me reuni com alguns amigos, para comer um churrasco e tomar cerveja. Devia ser próximo das catorze horas, lembro que todos estavam meio bêbados, quando um dos rapazes fez uma proposta, que consistia em sorteamos, por retirada de palitos, sabe como é quem retira o palito menor perde a aposta. A aposta consistia em que o perdedor teria de arranjar uma garota para nos transarmos. Lolo, um dos rapazes foi o sorteado, ele tinha que estar com a garota antes das oito da noite. Pegou o carro e saiu. Antes das dezessete horas, ele já estava de volta, trazendo no bagageiro uma garota, que não tinha mais do que dezessete anos. Ele não revelou como havia capturado e também ninguém perguntou. Ela foi levada para a sala que estava em construção, à intenção era de estuprá-la um após outro. Foi quando Mauro bateu com uma faca numa garrafa, para chamar a atenção do grupo e disse:

- Para ai gente. Isso não está certo, nos já cometemos um crime em raptar a garota, agora queremos estuprá-la? Isso dá cadeia e das grandes, eu como estudante de direito sei bem disso.

- Você amarelô seu covarde- disse Mauricio batendo na mesa. A resposta veio de imediato por parte de Mauro que disse:

- Se insistirem nessa barbaridade, eu próprio os denunciarei a policia.

Nisso todos nos olhamos, e ficamos afundados em silêncio, sem nada dizer.

Lá fora uma chuva fina começa a precipitar-se, como um choro lamento por tudo o que estava acontecendo.

Como em acordo coletivo e silencioso, pegamos Mauro e o amarramos e amordaçamos.

Eu como dono da casa, tive o privilégio de ser o primeiro, e constatei que a garota era virgem, logo a seguir foi à vez de Mauricio. Assim, um após outro a estávamos estuprando. Finalmente chegou à vez do Marco, o Malaca, quando ele fez a penetração, a garota começou a tremer e se debater, ele a apertou até consumar o ato, quando saiu de cima dela, ela estava inerte. Achamos que havia desmaiado, somente em alguns minutos é que lhe apalpamos o pulso e não achamos batida. Procuramos o bafo e não sentimos. Puxada a pálpebra por dois dedos em pinça, sua pupila não reagiu à luz amarela da lâmpada.

Constatamos que a garota estava morta.

Reinou o silêncio, cortado apenas pelo monótono murmúrio da chuva.

Acredito que até então nenhum de nós havia percebido o que realmente estava acontecendo. Continuamos bebendo até que todos adormeceram.

No dia seguinte, que era domingo, a chuva se intensificara, a crescente fúria do vento seguia açoitando as janelas.

Quando acordamos, eu particularmente, me pareceu que havia sonhado com tudo aquilo que havia realmente acontecido. Custei a admitir que tudo fora real. Agora estávamos, todos sóbrios, com uma tremenda ressaca e um grande problema para resolver.

Malaca retirou a mordaça de Mauro, que havia passado a noite toda amarrado, este quando pode falar disse:

- Vocês estão perdidos, seus assassinos, eu os denunciarei as autoridades.

Isto fez com que a mordaça lhe fosse novamente amarrada.

Nós cinco, nos reunimos na cozinha ao redor da mesa. Apenas nos olhávamos com interrogação, quando eu disse:

- Temos de ocultar o corpo da rapariga- todos silenciaram anuindo ao proposto- continuei:

- Proponho que a enterremos na sala, basta retirarmos o material de contrapiso, cavamos um buraco, colocar o corpo e fechar.

O silêncio foi sepulcral, todos baixaram a cabeça. Foi nesse momento que lembrei que no dia seguinte os pedreiros iriam justamente concretar o piso, externei meu pensamento e todos concordaram.

Pegamos pás e começamos a preparar o lugar para cavarmos a cova, foi quando Lolo, o companheiro que havia trazido a garota disse:

- E como vamos ter certeza de que mais um de nós não irá amarelar?

Foi quando propus que fizéssemos uma declaração de culpa conjunta e que todos nós a assinássemos e a colocássemos junto do corpo que seria sepultado.

Até então não havíamos nos apercebido da maior ameaça que pairava sobre as nossas cabeças, o nosso amigo Mauro.

Mauricio olhando para Mauro disse:

- E ele, o que faremos dele?

Suas palavras pareciam que não havia sido ouvido, o silêncio foi total, até que Mauricio voltou a se pronunciar:

- Se ele assinar a declaração conjunta podemos soltá-lo, será tão culpado quanto nós.

Saí do buraco que estava cavando e fui até Mauro e o desamordacei, quando pode falar disse:

- Não assino nada e lhes digo que os denunciarei a policia.

Amordacei-o novamente. Estávamos cansados do trabalho de coveiro e fomos até a cozinha para tomar água. Lá Lolo falou:

- Não nos deixou nenhuma alternativa temos de matá-lo e enterrá-lo junto com a rapariga.

Agora se tratava de assassinarmos um dos nossos, todos silenciaram, parecendo que todos concordávamos com a proposta.

Pronunciei-me dizendo:

- Não somos assassinos, a guria morreu de morte natural. Da mesma forma todos alegaram que não teriam coragem de matar o Mauro.

A cova estava profunda, era hora de colocarmos o corpo da garota, quando Lolo falou:

- Já que nenhum de nós tem coragem de matar o Mauro, sugiro que o enterremos vivo junto com a garota.

Novamente ninguém se pronunciou contrariando a proposição. Lolo desamarrou Mauro que foi levantado por todos e colocado dentro da cova. Logo pegamos o corpo da moça e o jogamos sobre Mauro que embora amarrado e amordaçado, pinoteava dentro da cova. Começamos por empurrar a terra com os pés, todos se envolveram nessa macabra tarefa até que os corpos ficaram cobertos e os movimentos dentro da cova cessaram.

Nesse momento um raio golpeou o solo, seu clarão iluminou tudo, logo se ouviu um estrondo, que sacudiu o casarão. Tudo estava terminado. Utilizando as pás, cobrimos a cova até a superfície, logo reorganizamos o contrapiso, para na segunda feita o piso ser concretado, selando a sepultura, nos separamos naquele dia fatídico e nunca mais encontrei qualquer um deles, por isso não posso informar onde se encontram e se ainda estão vivos.

Como tinha meu casamento marcado para os próximos dias, a cerimônia foi realizada. Hoje posso lhe dizer com toda a certeza que morri naquele dia fatídico, junto com aqueles que enterramos. Nunca tive um único momento de prazer, a noite acordava em sobressalto e banhado em suor.

Comecei a beber e antes do meu filho nascer minha mulher, que era também minha prima me abandonou. Entreguei-me a bebida e fui desprezado por todos, meu filho foi criado pelos meus pais e quando este morreram, deixaram para ele todos os bens que possuíam. Fui retirado por ele das ruas, pelas quais perambulava e colocado nesta casa de repouso.

O talho de sua figura, ungida de mística realidade, os olhos postos na amplidão do Além, ficara apegado em lugar à parte da recordação que nunca mais se esquecera, daquelas que deixam rastro de luz, por mais variado e tortuoso que fosse o caminho.

Morreu segurando a minha mão se declarando culpado das duas mortes.

De volta a casa atirei-me para cima da cama, mas durante largo tempo a excitação e as lembranças das revelações ouvidas não me permitiram adormecer, parecia estar despertando de um pesadelo.

No dia seguinte cheguei à delegacia da cidade.

- Bom-dia! Quero falar com o senhor delegado, por favor.

- Permita que me apresente senhor delegado: sou Fernando Henrique de La Veja e quero denunciar dois crimes que ocorreram em minha casa.

- Sente-se seu Fernando e seja mais específico.

No dia seguinte uma força policial foi a minha casa, romperam o piso e desenterraram os dois esqueletos que se encontrava um sobre o outro, entre os dois havia um envelope pardo encerado, já em estado de decomposição, no seu interior se encontrava a uma declaração de culpa assinada por cinco pessoas.

Eu que estava apreciando todo o desenrolar da exumação, olhei pela escada e lá em cima se encontrava o fantasma de Mauro, que colocou as mãos em posição de oração fez uma mesura dirigida a mim. Logo um clarão formado por uma luz branca com um fundo azulado surgiu e ele se seguiu em sua direção.

Otrebor Ozodrac
Enviado por Otrebor Ozodrac em 17/06/2011
Código do texto: T3041497
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