A presença da morte

“Alimente-se de vida como um vampiro.

Quando o tempo se finda nada pode mudar."

Se sentia visivelmente cansado, o fardo pesava, não compreendia,

se sonhara não se lembrava do sonho.

Dave se levantou em busca de um copo de água, como um espírito em busca de liberdade. Ela o esperava na cozinha, de olhar doce e profundo:

- Como dormiu?

- Bem. – ao beber da água se sentia leve como uma pena, o copo; ao contrario, parecia pesar mais.

- Jordana, vou para meu escritório ok?

- Porque você não descansa antes? Ainda parece abatido.

- Algo errado, Jordana?

- Não, apenas sua expressão.

- Não sei porque diz isso.

Foi para sua sala de música relaxar ao som de Choppin. Jordana via TV no quarto.

Dave relaxava, sua mente absorta voava em outro tempo e espaço distinto, no entanto inesperadamente o CD deu pane.

Sem entender ele examinou o aparelho a fim de identificar o problema esbarrando no encarte do CD fragmentos de papel voaram pelo ar e se espalhavam sobre o carpete.

Ao lê-los, cada um correspondia a uma letra.

R- T -M-O-E. Ao embaralhar, ainda nada significativo:

R-O-E-M-T.

Pensativo recolheu letra por letra e guardou em sua gaveta. Que tipo de enigma formaria aquilo?

- Dana, você mexeu nos meus cds?

- Não, eu sei que você não gosta.

Após tentar cansativamente com as letras desistiu não formando nada concreto.

Se dirigiu a sua biblioteca.

- Jordana, a porta está trancada.

- A chave sumiu, amor, não sei onde pode estar.

- Merda.

- Me desculpa.

- Deixa pra lá.- soltou ríspido. – Mas que cheiro horrível é esse aqui?

- Deve ter morrido outro rato.

[...]

À noite Dave assistia televisão enquanto a namorada espirrava aromatizador por toda a casa.

Levantou-se com o tacho de pipoca nas mãos, aumentou o volume, voltou à pipoca e, enquanto comia pensava no quanto esfriara sua relação com Jordana e o quanto ela tentava reverter, ao degustar o alimento, uma surpresa, um papel amarelado dobrado no meio da pipoca:

“A VIDA QUE EXISTIA JAZ

NADA É COMO ANTES

DESCANSE EM PAZ.”

- O que está havendo?- pensou alto.

(Roemt)

- O que será?

(Roemt) pensava insistentemente.

- Jordana! – gritou autoritário.

- O que foi?- respondeu prontamente como um cachorro ao chamado do dono.

- Você comeu aquela pipoca?

- Não, por que?

- E que cheiro de perfume é esse?

- É meu, sai do banho agora.

- Nossa, ta muito forte. Já estou enjoando.

- Desculpe, Dave estou preocupada com você.

- Escuta, me deixa em paz, ok? Me dá um tempo. Por favor. – berrou em total stress. - Isso é sufocante.

A parceira, por sua vez, não sabia como reagir nem o que responder, só suportava aquela carga por amor.

Atendeu seu pedido e saiu.

Ao chegar na sala, porém, Dave sentiu uma forte mialgia no peito e se prostrou, fraco.

- Vou enlouquecer.

Sua vida toda agora se baseava numa coisa, desvendar esse mistério como se fosse a única coisa que importava.

Deitou-se no sofá da sala, exausto, dormiu, sonhou.

Andava por uma longa estrada de terra deserta. O manto obscuro da noite tudo envolvia.

Num segundo viu que não estava mais só, uma figura perambulava ao lado com andar peculiar.

- Quem é você?

- Eu. Não sabe quem eu sou?

- Não. - assim que respondeu ficou temendo ouvir a resposta.

- Eu sou a morte – falou em tom áspero - Terei que levá-lo.

Tirando o que escondia nas costas levantou uma enorme foice pronta para...

O rapaz despertou úmido e sufocado.

Ao olhar para o lado a mesma figura sentada ao seu lado. Sangue jorrou para todo o lado ao reflexo da lâmina da foice.

Dave acordava de seu pior pesadelo respirando com o alívio jorrando das narinas.

- Dave.

- Dana, você me assustou! Me deixa em paz.

- Por que você está me tratando assim?

- Você sabe melhor que eu. – saiu contrariado.

No banheiro lavou o rosto, seu reflexo estava pálido.

Foi quando tudo escureceu e a figura de seu sonho se projetou no vidro espelhado.

- Venha comigo agora.

Um grito apavorado estourou. O espelho foi quebrado em mil pedaços.

Pesadelo real.

Um enigma de tortura que ele não suportava mais.

Enfim a encurralou:

- Jordana, eu sei que você sabe o que está havendo! O que esconde?

- Não sei, do que está falando?

- Não minta.- apontou-lhe indignado.

- Dave, o que fez nas mãos?

- Jordana, - interrompeu –a – Eu vou entrar na biblioteca nem que tenha que arrombar a porta.

- Não, deixa eu cuidar da sua mão.

- À merda! Eu vou entrar. Você não vai me impedir mais. – empurrou-a ao chão.

Jogou seu pesado corpo por sobre a porta.

- Dave, eu te amo.

Na quarta vez em que ele forçou as dobradiças começaram a afrouxar, na quinta a madeira cedeu e...

A visão que o esperava o enrijeceu como uma violenta pancada no coração.

- Não me odeie, por favor. - murmurava ela em lágrimas.

- Por que me escondeu todo esse tempo?

- Por que eu não queria, eu te amo.

- Eu jamais esperei isso de você.

Ele focalizou novamente, caído, por sobre alguns livros estava seu próprio cadáver em decomposição.

- Eu morri... – soltou estupefato - Você me escondeu isso, por que?

- Eu não queria viver sem você.

- Você me deixou apodrecer aqui. Como pôde?

- Eu não posso te perder, Dave.

- Mas perdeu. Tem que aceitar e me deixar ir.

- Não, não posso.

- Agora que eu vi meu corpo eu tenho pouco tempo.

- Eu só queria que entendesse.

- Como foi que eu morri?

- Você infartou, rolou a escada, eu fiquei tão desolada que escondi seu corpo aqui antes que se desse conta.

- Mas não pode reverter a ordem natural, - a tomou nos braços, entendia agora seu amor por ele.

O ar ao redor agora não estava mais pesado e sufocante como antes.

- Eu só preciso esclarecer uma coisa. – se dirigiu à sala para ver o enigma, mas uma luz fulgurou à sua frente, era hora de ir.

Dana em excruciante dor abraçava seu corpo inerte.

Só restaram os papéis, que dessa vez caíram em sentido oposto.

As letras formavam:

MORTE.

“E a máscara da morte rubra dominava.” Edgar Allan Poe.

Helena Dalillah
Enviado por Helena Dalillah em 04/07/2011
Reeditado em 09/01/2020
Código do texto: T3075402
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