O sonho

“Sonhar é abrir caminhos do desconhecido.”

O telefone tocou, agudo, estridente, insistente.

Com as pálpebras relutando para se manterem abertas Trisha olhou as horas no relógio na mesa de cabeceira.

- Alô.

- Escuta só isso, - narrou o moço vidrado no livro que segurava – "*Um de seus olhos se parecia com o de um abutre, um olho de cor azul pálido, que sofria de catarata, meu sangue se enregelava sempre que ele caía sobre mim e assim pouco a pouco, bem lentamente, fui me decidindo a tirar a vida do velho e assim libertar-me daquele olho para sempre."

- Adam, para com isso.

- É poético, não acha?

- Que coisa mórbida.

- Isso é demais, melhor que poesia.

- Eu quero dormir, fica ai com seu Poe ok?- desligou o telefone contrariada.

Durante a tarde Trisha ia para a aula com seu amigo Adam, a rua movimentada de alunos e veículos, folhas secas caiam em avalanche das árvores. O vento fresco de uma tarde de outono.

- Antes que me esqueça quero te contar uma coisa.

- O que?

- Tenho que descrever esse sonho que tive.

- Sonho...

- É. A gente estava passeando, eu você e o Barry e de repente um carro passou muito rápido, e bateu no Barry com muita força, depois disso nem parava para socorrer.

- Nossa, mas e aí?

- Ora achei intrigante, o que você acha?

- Acho que você lê livros demais.

- Nada disso, deixa eu continuar, depois que o carro fugia desabou o maior temporal e um raio atingiu aquela árvore enorme da rua da escola, e ela caía em nossa direção.

- E aí? A gente desviou?

- Aí eu acordei Trish.

[...]

No dia seguinte todos estavam voltando da escola quando nuvens densas começaram a envolver o céu. Nem Adam nem Trisha se deram conta.

Barry estava com eles também, haviam apresentado um trabalho em grupo aquele dia.

Nesse instante dava iniciou um pesado temporal envolvido por uma ventania intensa.

Um estranho e sinistro barulho no ar assobiava como em presságio a algo.

Relâmpagos estrondavam o céu.

Um raio apontou atingindo uma árvore, que tombou, despencando na mesma hora a um passo dos três jovens.

Adam estaria preparado para o que viria?

Barry congelado fitava a árvore caída, quando não se sabe de onde um carro passou em alta velocidade o acertando no caminho. O veículo saiu cantando pneus.

- Barry! – gritou Trisha vendo-o desacordado. – Barry! Barry!

[...]

Numa praça da cidade os amigos refletiam sobre o incidente

- Trisha, mal posso acreditar que meu sonho se realizou. Parece mentira.

- Ainda bem que o Barry vai ficar bem, mas isso tudo é muito estranho, Adam.

- Poderia ter sido pior.

- Também acho, me sinto mal por ter zombado de você, isso tudo significa algo, por favor me prometa que se acontecer de novo você vai me contar.

- Tudo bem.

Passado algum tempo os amigos não se permitiram falar mais sobre aquele incidente.

Certo dia nublado como aquele, Trisha foi até o amigo lembrando-o do ocorrido.

- Adam, você não teve mais nenhum sonho?

- Não, nunca mais.

- Mas eu tive.

- Como assim?

Com surpresa Adam ouviu o relato da amiga.

Ela sonhara algo abstrato mas que retratava certamente seu encontro com a morte, o ser personificado lhe revelava que precisava levar alguém do seu meio mas ao perguntar quem seria acordou antes de ouvir a resposta.

- Nossa! Que seja apenas mais um sonho.

-Concordo, Adam, você tem que me prometer que vai tomar cuidado, e se acontecer algo me liga imediatamente certo?

- Sim, eu prometo.

E assim se despediram, o medo não era mais um sentimento, agora se tornava em ser, que como espectro os perseguia onde quer que fossem.

No outro dia Trish fora dispensada mais cedo devido a falta de um dos professores, Adam caminhava sozinho para casa em seu horário normal.

Ao passar pela tal árvore comentada, sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.

Um papel voava na ventania indo parar em cima de seus cadernos.

Ele examinou:

“CUIDADO. ESTOU À ESPREITA”

Mudo, segurava o papel nas mãos trêmulas, até que um tufão o levou para longe e ele não conseguiu recuperá-lo.

Adam franzido de tensão chegou em casa, trancou as portas e janelas, e pensativo ligou a televisão tentando esquecer. Acabou adormecendo.

Trisha em sua casa também se deitou mas não conseguia pregar os olhos tamanha sua preocupação.

Quando aquilo acabaria?

O que seria dos dois? A noite parecia nunca terminar.

Após um sonho perturbador Adam acordou suando no meio da madrugada fria.

Ruídos peculiares se espalhavam pela casa, apanhou uma lanterna para lutar contra aquela escuridão, brilhante como púrpura, espessa de sombra, cor de piche.

“Ela veio me buscar.”

Os pensamentos agora se embaralhavam. Adam começava a juntar os fatos.

Uma sombra rápida como um vulto em sua frente tirou-lhe de vez as dúvidas de que o sonho seria coincidência.

Foi atrás daquilo que acharia ser a conclusão para aquela bizarra situação .

- Preciso ver.

Se aproximou, desceu um degrau, coração palpitando, dois degraus, a morte estaria perto, terceiro degrau, chegou na cozinha, errante avistou o cômodo com a luz da lanterna o que parecia ser um formato significativo: Alguém no canto da parede.

Havia um paletó pendurado na área de serviço e nada mais, o forro estava quebrado e com goteiras, daí vinham os ruídos.

- Mas era isso... – sorriu largamente rindo de si próprio.

[...]

Pela manhã ele se levantava pronto para passar na casa de Trisha como tinham combinado.

A mãe da garota limpava a sala de estar, ao ver Adam na entrada correu para avisar a filha, que ainda dormia.

- Vamos dorminhoca, seu amigo já chegou!

Um grito agudo e estridente repercutiu no silêncio do dia, a mulher caía para trás, Adam chocado se aproximou da cama:

O lívido cadáver de Trish repousava o sono da morte, com a expressão de pavor refletida na face, os brancos olhos sem vida arregalados.

“Quando sentir o demônio à espreita, fuja como puder.”

Helena Dalillah
Enviado por Helena Dalillah em 04/07/2011
Reeditado em 09/01/2020
Código do texto: T3075418
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