Moscovita do Além.

MOSCOVITA DO ALÉM

Fazia uma gélida manhã de inverno naquele início do mês de Fevereiro. A neve caía em forma de fortes tempestades, desenhando arquitetonicamente granitos de gelo diferentes um do outro, num daqueles divinos espetáculos da mãe natureza. Dmitri encontrava-se em seu apartamento situado no 9º andar somente de shorts e camiseta, pois como em todas as casas da Rússia, possuía sistema de calefação interna e por mais frio que fizesse do lado de fora a temperatura dentro de casa era sempre agradável, em torno dos 20ºC. Dmitri morava em Moscou e tinha uma vida tranqüila e pacata. Era professor e lecionava a matéria de Anatomia Geral do Corpo Humano para os alunos do 1º Ano do curso de Medicina na Universidade de Moscou. Lecionava durante o dia, três vezes por semana e o restante trabalhava como Neurocirurgião naquele movimentado Hospital de Moscou. Dmitri morava sozinho, pois era separado. Havia se casado com Irina Fillipóvna e deste casamento possuía um lindo casal de filhos que se chamavam Aleksêi e Kátia. Ambos eram naturais de Moscou. O filho mais velho estava com 23 anos e a filha mais nova com 17 anos. Ambos moravam com a mãe que vivia em São Petersburgo e trabalhava como advogada garantindo com isso a sua independência financeira. O pai mandava a pensão do mês agora somente para Kátia, pois Aleksêi era maior de idade. Aquele era um sábado que parecia ser comum como qualquer outro. Dmitri encontrava-se em sua poltrona assistindo a um programa de TV que pelo jeito não devia ser lá muito agradável, pois já estava quase cochilando recostado no sofá. Dmitri leva um susto quando ouve o telefone tocar. Era sua ex-mulher Irina dizendo que seu filho iria passar uma temporada com o pai antes das aulas começarem e que ele chegaria na estação de Moscou por volta das 21h00, pois Aleksêi assim como seu pai também estudou Medicina e agora iria fazer uma pós-graduação em Psiquiatria na mesma Universidade em que seu pai dava aula. Porém como o ano letivo começava sempre no início de Setembro, Aleksêi iria aproveitar para morar uns tempos com o pai convivendo um pouco mais com ele naquele 1º Semestre antes das aulas começarem. Aleksêi dava-se muito bem com seu pai e sempre tiveram uma boa convivência, e mesmo estando separados os dois irmãos sempre no período de férias que era de Junho a Setembro ficavam com o pai em Moscou.

No vagão de trem Aleksêi encontrava-se sentado admirando aquela paisagem de montanhas e pastos completamente cobertos pela nevasca que continuava a cair persistentemente. Escutava o seu pequeno MP4 do qual havia gravado várias músicas tiradas do computador. Ele adorava todo o estilo de músicas clássicas e dentre os seus preferidos encontravam-se Chopin, Beethoven e Sergei Vasilievich Rachmaninoff que foi um grande pianista, compositor e maestro Russo. Aleksêi resolve deitar um pouco naquele vagão o qual dividia espaço com mais três pessoas. Quando estava quase adormecendo sentiu somente o impacto forte de alguma coisa que bateu contra o trem fazendo com que o mesmo perdesse a direção. Era um outro trem que vinha a toda a velocidade numa direção contrária batendo violentamente contra o trem em que Aleksêi se encontrava fazendo com que ambos se desgovernassem e caíssem precipício abaixo. O trem seguia em uma parte alta daquela montanha, onde o mínimo descuido faria com que ele caísse num profundo despenhadeiro que se encontrava ao lado protegido por uma cerca de ferro. Com o impacto de ambos os trens a cerca se quebrou fazendo com que ambos os trens caíssem naquele abismo no qual não sobrou sequer nenhum sobrevivente após a explosão.

Em seu apartamento Dmitri havia dormido profundamente, pois se encontrava muito cansado depois de uma intensa semana de trabalhos que nem sequer assistiu ao noticiário que passava em todos os canais sobre a grave explosão que acontecera com a colisão dos dois trens. Quando acordou faltavam somente quinze minutos para as nove da noite. Dmitri levanta da poltrona num impulso completamente assustado, pois não imaginava que já havia passado tanto tempo. Seu pescoço estava muito dolorido pelo mau jeito da posição a qual havia dormido. Ele sai correndo de sua casa, pois de onde morava até a estação de trem dava quase 40 minutos de carro. Como ele viu que estava completamente atrasado acaba dirigindo em alta velocidade pelas ruas de Moscou. Quando chega a estação uns vinte minutos depois observa um tremendo movimento muito anormal para àquela hora da noite e devido ao forte frio que fazia, no qual os termômetros da estação marcavam –17ºC. Não era uma das piores noites de inverno para os Russos, mas o frio fazia com que todos se agasalhassem deixando quase que somente os olhos para fora dos grossos agasalhos e sobretudos que portavam e os grossos Shapkas ou Chapéus Russos que cobriam suas cabeças. Dmitri estranhou aquele intenso movimento e resolve averiguar de perto. Quando chega perto das pessoas que se encontravam naquela estação, percebe o desespero e a agonia estampada em seus rostos e o comentário de que o trem que estava destinado para chegar a Moscou às 21h00 acabou se chocando com um outro trem fazendo com que ambos caíssem no precipício, havendo uma grande explosão. Ali se faziam presentes os amigos e parentes das vítimas que aguardavam a chegada do trem àquela estação. Eles choravam, berravam, gritavam clamando a Deus como aquilo poderia ter acontecido, ali estava um verdadeiro inferno. Dmitri mal acreditava no que estava acontecendo, ficando completamente perplexo. Foi até os responsáveis por aquela estação de trem que lhe comunicaram a terrível notícia. Dmitri entrou em desespero, pois como podia seu filho tão amando, o primogênito da família, aquele que iria seguir a mesma carreira que o pai, de repente perder a vida em um acidente tão idiota. Agora não mais veria o seu menino de 23 anos, o seu Aleksêi tão adorado. Dmitri começa a chorar desesperadamente e começa a pensar em como iria dar essa notícia a Irina, caso ela já não estivesse sabendo.

Dmitri sem saber onde estava indo pega o seu carro e parte em direção ao seu apartamento numa velocidade ainda maior do que quando foi à estação buscar o seu tão amado rebento. Milagrosamente nada de mal acontece a Dmitri, pois mesmo estando completamente atrapalhado com a notícia que recebera consegue chegar em seu apartamento. Mal Dmitri coloca os pés para dentro, escuta o telefone que tocava insistentemente. Quando atendeu, era a voz de Irina chorando de desespero e dizendo que já sabia de tudo o que havia acontecido, pois os meios de comunicação não paravam de falar sobre esse grave incidente. A televisão passava a notícia em todos os canais, na Internet em todos os sites já tinha como matéria de primeira página a notícia do grave acidente. Irina disse que pegaria um avião para Moscou logo na primeira hora do dia seguinte e levaria a sua filha Kátia, a fim de que juntos pudessem estar presentes no local do acidente, a fim de proporcionar a seu tão amado filho assim que seu corpo fosse encontrado um enterro digno. Irina não se conformava com aquela situação que estava acontecendo, só podia ser um pesadelo e uma hora era iria acordar daquele sonho ruim e tudo voltaria ao normal novamente. Assim que desligou o telefone, Dmitri deixou-se cair em sua enorme cama de casal e com o rosto voltado para o travesseiro chorou amargamente madrugada adentro pela morte de Aleksêi. Aquela foi a pior e a mais longa noite da vida de Dmitri.

Ele não conseguiu sequer pregar o olho por um segundo e logo que as primeiras horas da manhã começaram a se manifestar, Dmitri do jeito que estava com a roupa do dia anterior parte para o Aeroporto de Sheremetyevo, a fim de pegar mãe e filha que logo estariam desembarcando em Moscou. Os olhos de Dmitri estavam completamente vermelhos de tanto que havia chorado e pelo fato de não ter dormido nada a noite. Às 06h00 em ponto o avião já desembarcava no Aeroporto de Sheremetyevo em Moscou, trazendo Irina e Kátia que também estavam completamente acabadas com o choque da terrível notícia que receberam. Dmitri se abraça a Irina e a Kátia e os três começam a chorar convulsivamente. Dmitri propõe que eles não percam tempo e assim que as duas deixam suas malas em seu apartamento Dmitri segue desesperadamente rumo ao local onde havia acontecido o tal acidente. Ele guiou aproximadamente por quatro horas e finalmente chegou ao local onde o acidente havia acontecido. Havia um enorme número de pessoas do Corpo de Bombeiros, policiais, paramédicos, todos empenhados na busca dos corpos e se possível, o que era improvável, encontrar algum sobrevivente. A nevasca que caía dificultava terrivelmente o trabalho dos bombeiros e de toda a equipe de paramédicos e policiais que se encontravam ali presentes. Havia um enorme cordão de isolamento impedindo a passagem das pessoas que desesperadas clamavam por alguma informação a respeito das vítimas que jaziam naquele abismo profundo. Irina e Dmitri não foram diferentes da multidão. Irina trouxe uma foto de seu filho a fim de mostrar a um dos policiais que ali estavam se eles já haviam encontrado alguma coisa. O policial olha, pergunta para outro companheiro, que procura alguém da equipe de bombeiros e obtém a resposta de que nada havia sido encontrado. Mesmo que o encontrassem seu estado provavelmente estaria irreconhecível. Porém os pais e a irmã de Aleksêi não arredaram pé dali por um minuto sequer. Iriam acompanhar cada detalhe do que estava acontecendo naquele local, afinal era o membro querido da família que se encontrava naquele maldito despenhadeiro. Já começava a anoitecer e nada de encontrarem qualquer coisa que fosse referente a Aleksêi. Já era quase meia noite e as pessoas persistiam em continuar ali até que o caso fosse dado como resolvido. Os corpos que iam sendo encontrados subiam em estados lastimáveis e irreconhecíveis. Por algum objeto, ou coisa que usavam alguns dos corpos foram reconhecidos por parentes ou amigos das vítimas que desesperados berravam e choravam ante os corpos dilacerados de seus entes queridos. Ainda não haviam encontrado o corpo de Aleksêi e seus pais não arredariam pé dali até que seu filho fosse encontrado ou pelo menos o que restou dele.

Kátia se encontrava sentada dentro do carro. Em um lado da estrada na qual se encontravam desembocava naquele despenhadeiro onde aconteceu a colisão dos dois trens e do outro lado dava acesso a uma grande mata. Kátia encontrava-se no carro dispersa em pensamentos confusos, lembrando todos os bons momentos que tivera com seu irmão Aleksêi, quando de repente é despertada com uma batida no vidro do carro. Qual não foi sua surpresa quando desembaçando o vidro do carro dá de cara com seu irmão Aleksêi que olhava fixamente para ela. Ele ainda usava o seu aparelho de MP4, o qual era capaz de escutar por horas a fio sem perceber o tempo passar. Kátia sai apressadamente do carro e quando pensa em abraçar seu irmão, chorando e gritando pela alegria de tê-lo encontrado, ele começa a caminhar em direção a mata. Kátia grita por seu nome e Aleksêi olha para trás, esboça um sorriso à irmã e continua seguindo mata adentro. Kátia resolve ir atrás do irmão se embrenhando por aquelas matas. Parecia que ela nunca conseguiria alcançar seu irmão, pois quanto mais tentava chegar perto de Aleksêi parecia que mais distante ele ficava. A cada grito da irmã chamando por seu nome ele apenas olhava para trás, esboçava um sorriso e com as mãos convidava Kátia a segui-lo. Fazia mais de meia hora que Kátia ia ao encalço do irmão dentro daquela mata e num determinado momento percebe que está totalmente perdida. Já não avistava mais seu irmão. Cansada resolve sentar-se em um tronco de árvore que estava caído ali naquele chão frio. Kátia agora chorava porque estava perdida e por não haver alcançado seu irmão, pois por mais que ela corresse não conseguiu alcançá-lo. Completamente confusa Kátia pensava em como iria sair dali quando de repente sente uma mão gélida tocando o seu pescoço. Kátia vira para trás e dá de cara com seu irmão Aleksêi. Emocionada ela o abraça com toda a ternura chorando copiosamente em seus ombros e feliz por tê-lo encontrado com vida. Aleksêi não demonstra nenhuma reação. Depois do longo abraço que Aleksêi recebe de Kátia, ela resolve olhar para seu querido irmão, pois mal acreditava que pudesse recuperá-lo com vida depois daquele acidente tão feio do qual havia sido vítima. Ela percebeu que Aleksêi encontrava-se com profundas olheiras, com o seu aparelho de MP4 no ouvido, estava com a pele completamente azulada e de uma palidez assustadora como se todo o sangue de seu corpo houvesse se esvaído o que Kátia atribuiu que devia ser por causa do frio. Aleksêi disse que precisava muito da ajuda de sua irmã. Kátia sem entender direito o que estava acontecendo resolve ajudar seu irmão no que fosse necessário, afinal de contas ele era seu irmão, e por sinal os dois sempre se deram maravilhosamente bem. Kátia pergunta a Aleksêi como eles iriam conseguir sair daquele matagal perdido no meio do nada. Aleksêi pede que Kátia se tranqüilize, pois logo eles estariam fora daquele lugar. Aleksêi disse que reconduziria a irmã ao caminho de volta e estende a sua mão em direção a Kátia. No momento em que Kátia toca a mão gelada de seu irmão ela perde completamente a consciência.

Quando acorda encontra-se em um lugar sombrio, onde ouve um monte de pessoas gritando, vê vários corpos queimados e estraçalhados, presos nas ferragens que parecia ser a de um trem e sem que ela esperasse avista o corpo de seu irmão preso e esmagado em uma das ferragens daquele trem gritando por socorro e pedindo que Kátia o ajudasse. Kátia começa a entrar em pânico, um verdadeiro pavor toma conta de sua alma. Kátia grita por Aleksêi, perguntando onde ele estava e ouve sua voz saindo de dentro daquele corpo desfigurado. Aleksêi continua gritando que é jovem demais para morrer, que Deus tivesse piedade de sua alma, pois ele ainda tinha muitas coisas a realizar na vida. Aleksêi pede desesperadamente que Kátia o tire daquele lugar e pede que ela estenda sua mão para tirá-lo dali. Kátia estende a mão em direção ao corpo de seu irmão e quando chega quase a tocar o seu corpo, sente como se várias mãos a pegassem ao mesmo tempo. Kátia grita completamente desesperada tentando se soltar daquelas mãos que agora pareciam tentáculos a envolvê-la, porém sente como se fosse arrastada a uma outra dimensão que nem ela sabia explicar o que estava acontecendo. Aqueles seres que seguravam Kátia se encontravam no auge do desespero tentando se agarrar a uma vida que não lhes pertencia mais e com isso eles ignoravam aos gritos e súplicas de Kátia para que a deixassem em paz. Kátia cai mais uma vez no inconsciente e quando novamente acorda encontra-se no lugar mais tenebroso o qual jamais tinha presenciado em sua vida. Ela vê milhares de pessoas gritando, se contorcendo de dor, pessoas desesperadas perdidas em abismos profundos onde a escuridão era completa, gritando apavoradas para saírem daquele inferno, pessoas dentro de cavernas pútridas que eram guardadas por cães do inferno, pessoas submersas em águas imundas e profundas que se debatiam e tentavam desesperadamente chegar a base a fim de poderem respirar nem que fosse por um segundo sequer e pessoas que eram torturadas pelos demônios e seus servos que se regozijavam de prazer ao ouvirem o grito de dor e sofrimento daqueles seres desesperados perdidos nas profundezas do Inferno. Uma imagem tão horrenda que faria o inferno de Dante se transformar em um paraíso celeste. Kátia recomeça a gritar por seu irmão Aleksêi, chorando convulsivamente. “Como viera parar naquele lugar terrível?” – pensava ela. Os gritos constantes eram ensurdecedores a ponto de levarem qualquer pessoa por mais sã que fosse a beira da loucura. Kátia continuava gritando o nome de seu irmão quando repentinamente vê algo surgindo daquele chão lamacento e ensebado. A princípio vê uma mão saindo do fundo da terra e depois começa a ver um corpo completamente desfigurado que vai emergindo daquele chão fétido e fica horrorizada quando depara com a imagem de seu irmão Aleksêi. Ele se encontrava sem uma das pernas, com o corpo completamente queimado e estraçalhado, os dois braços estavam com imensas fraturas fazendo com que os ossos saltassem para fora, os olhos pareciam que ia saltar fora das órbitas, completamente vermelho e do qual escorriam filetes de sangue e seu rosto quase sem pele fazia com que quando Aleksêi sorria se visualizasse toda a sua arcada dentária. Aleksêi estava monstruosamente horrível. Mesmo naquela forma cadavérica ele não largava aquele seu aparelho de MP4. Kátia não acredita que aquilo podia estar acontecendo com ela, fica pensando que aquilo só podia ser um terrível pesadelo e que logo ela acordaria para a realidade. Lágrimas escorrem abundantemente do rosto de Kátia. Aleksêi sorri à irmã e agradece pela ajuda que ela lhe prestou e com isso ela ficaria para sempre ali com ele. Kátia suplica a Aleksêi que a deixe ir embora daquele lugar e ele responde a irmã que foi ela quem optou por ajudá-lo e como ele estaria condenado a viver permanentemente naquele inferno, sua irmã seria a sua eterna companheira.

Voltando ao local do acidente, finalmente o corpo de Aleksêi havia sido encontrado ou pelo menos o que sobrara dele. Seus pais ao verem o que tinha restado daquele que um dia fora o seu lindo filho, gritavam de desespero e dor, pois Aleksêi havia sido reduzido a um nada. Pelo menos agora ele poderia ter um enterro digno. Então eles se lembraram de que haviam deixado Kátia no carro. Quando chegam ao carro não encontram ninguém. Seus pais agora entram em um duplo desespero, pois além de encontrarem seu filho morto, haviam perdido a filha. Começaram a gritar por Kátia e não obtinham nenhuma reposta. Resolveram perguntar às pessoas que ali se encontravam presentes a espera de seus entes queridos se alguém tinha visto Kátia sair do carro e uma das pessoas ali disse que havia visto a menina sair do carro e se embrenhar mata adentro e que já fazia bastante tempo que ela havia saído do carro. Dmitri e Irina quase desmaiaram de desespero e recomeçaram a gritar por Kátia e não obtinham nenhuma resposta. Dmitri resolve acionar os policiais e bombeiros ali presentes a fim de que fossem ao encalço de sua filha na mata. Eles estavam completamente desequilibrados e queriam de qualquer jeito acompanhar a expedição pela mata em busca de Kátia. Um dos responsáveis avisa que o melhor seria que eles fossem para casa descansar e que assim que tivessem algum paradeiro de Kátia, eles seriam imediatamente comunicados. O casal, entretanto, resolve esperar até obter alguma notícia de Kátia. Irina dá uma foto de sua filha a um dos policiais a fim de que pudessem efetuar a busca. O dia já havia amanhecido e nada de encontrarem Kátia em lugar algum. Mais uma vez o policial sugere que eles retornem para casa descansar e que assim que tivessem algum resultado comunicariam imediatamente ao casal.

Derrotados Dmitri e Irina resolvem voltar para casa e começar os preparativos para o enterro de Aleksêi. O velório foi bem reservado com a presença de poucos parentes e amigos. O caixão foi lacrado e o enterro deu-se no dia seguinte. No dia do enterro apesar do frio, a nevasca havia dado uma trégua e até um solzinho muito tímido apareceu por entre as nuvens negras do céu. Dmitri e Irina estavam completamente inconformados. Como poderiam perder os dois filhos praticamente no mesmo dia? “Aquilo só podia ser coisa do Diabo!” – pensavam ambos. Ainda não haviam recebido nenhuma notícia a respeito de Kátia e com isso eles já começaram a pensar que o pior também poderia ter acontecido a sua pobre filha.

No auge da dor e do desespero, depois de terem clamado tanto a Deus por seus filhos, o casal resolve fazer um pacto com o diabo, oferecendo suas almas em troca de poderem ver seus dois filhos nem que fosse pela última vez.

Então na noite seguinte ao enterro de Aleksêi eles resolvem ir ao Cemitério visitar o túmulo do pobre Aleksêi. Chegando àquele local eles viram que o enorme portão encontrava-se somente encostado, convidando-os a entrarem naquele mundo sombrio. A nevasca voltava a cair com grande intensidade que mal dava para os carros se locomoverem na rua. Eles resolveram ir à noite, pois assim ninguém os incomodaria enquanto eles tivessem chorando no túmulo de seu filho. Já passava da meia noite quando o casal chegou ao túmulo de Aleksêi e ali começaram a chorar copiosamente. Passado algum tempo o casal avista ao longe a figura de duas sombras que se aproximavam e pensaram que poderia ser dois ladrões que iriam assaltá-los e ficaram assustados. Qual não foi a surpresa do casal quando se deparam com a figura de Aleksêi e Kátia bem ali na sua frente. Ambos completamente emocionados abraçam seus filhos com toda a ternura e carinho chorando convulsivamente. Mal podiam acreditar que estavam vendo seus filhos novamente. Ambos não respondem aos abraços que lhes eram dados pelos pais. Então Kátia disse que o desejo deles havia sido atendido e que agora eles deviam suas almas ao Senhor das Trevas. Nesse momento parece que eles caem de volta na realidade e percebem a enorme besteira que fizeram, só que já era tarde demais e o que já havia sido feito não podia mais voltar atrás. Desesperados eles olham para a imagem de seus lindos filhos que agora se encontrava completamente desfigurada. Dmitri e Irina tentam correr o máximo que podem a fim de sair daquele inferno rodeado de lápides baixas e um gramado que naquele mês encontrava-se todo branco de gelo. Quando chegam ao portão vêem que o mesmo estava trancado com enorme cadeado. Mas quem o havia trancado? Não haveria jeito do casal pular o portão, pois além de ser muito alto era composto de afiadíssimas lanças em sua ponta. Meu Deus será que eles estariam condenados a morrer e servirem para sempre a Satanás? Em vão gritam desesperadamente por socorro e quando voltam a olhar para trás vêem vários daqueles seres infernais vindo em sua direção e a frente deles Aleksêi e Kátia. Aquelas criaturas monstruosas seguram Dmitri e Irina abafando completamente seus berros de desespero e por fim Aleksêi diz que agora sua família estaria eternamente reunida. E todos somem na escuridão daquela madrugada sombria.

No dia seguinte a equipe de busca finalmente havia encontrado o corpo de Kátia e ao mesmo tempo alguns funcionários daquele cemitério encontraram o corpo de Dmitri e Irina em cima do túmulo de seu filho Aleksêi e deduziram que o casal completamente alucinado pela perda do filho acabou se suicidando.

FIM.

Rodolfo Aliecksándrovitch : rodolfoaliecksandrovitch@gmail.com

Rodolfo Aliecksándrovitch
Enviado por Rodolfo Aliecksándrovitch em 04/12/2006
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