Noite.

A cidade dormia. Nas janelas, nada além de escuridão. A única luz além das estrelas, era a fraca luz amarelada dos postes. Poucos ousavam se aventurar por aquelas ruas à essas horas da noite. Todos sabiam que dentro de cada beco, por trás de cada árvore, em cima de cada telhado, criaturas espreitavam. Criaturas essas que tornariam cada horripilante sonho seu, na mais cruel realidade. Criaturas que congelariam seus músculos e fariam cada milímetro de seu corpo se contorcer de medo.

Poucas vítimas haviam sido contabilizadas. Isso, claro, sem contar os desaparecidos. Não queriam fazer grandes suposições, dizendo que os desaparecidos foram dilacerados por aqueles seres. Mas no fundo, todos sabiam que era exatamente isso o que havia acontecido.

Apenas uma bebedeira seria capaz de tirar a consciência de alguém a ponto de fazê-lo andar por aquelas ruas amaldiçoadas após as onze da noite. Ele era uma dessas pessoas sem consciência. Cambaleava por entre as ruas, soluçando e cantarolando cantigas de ninar. Um ensaio para quando chegasse em casa. Teria de cantá-las para seu filho que está esperando-o ansiosamente na cama. Encoberto até o queixo, com os olhinhos vidrados na porta do quarto, esperando o momento em que o pai chegaria.

Conforme avançava, um medo cada vez maior o tomava. As ruas estavam desertas. Tudo parecia morto. O céu tinha a cor da morte, o vento sussurrava delicadamente em seu ouvido que hoje era sua última noite como ser vivo. Um cheiro nauseabundo invadiu suas narinas, fazendo-o recobrar a consciência brevemente. De repente, o silêncio mórbido da noite foi quebrado por um terrível grito. Mas não era nem de longe um grito humano. O pânico tomou conta do homem, que agora corria tropeçando em suas próprias pernas. O grito aumentava cada vez mais, até que um vulto negro pousou delicadamente no fim da rua. O homem parou, puxando o ar gélido em violentas golfadas. A criatura pôs-se a andar. Passos lentos, porém determinados. O homem tentou correr, mas, o medo o paralisava por completo. Tudo o que ele conseguiu fazer foi ficar parado e observar a morte se aproximar. O cheiro de carniça se intensificava a cada passo da criatura, que agora possuía olhos terrivelmente amarelos e brilhantes.

Agora, há apenas alguns passos do homem, o ser não era mais um vulto, mas adquirira as características de um homem, não fosse pela pele branca como a neve, os olhos amarelos e dois dentes enormes saindo de sua boca. Seus olhos hipnotizavam o homem, que se curvou solenemente em sua direção, contra sua vontade. A criatura se aproximou, e pegou-o pelo pescoço. O toque de suas mãos era frio e áspero. Suas unhas, muito longas, faziam cada pelo do homem se arrepiar.

O humano só percebeu a presença dos outros quando o vampiro desviou seu olhar para eles. E no momento em que olhou para trás, e seus olhos não conseguiram alcançar o horizonte, pois eram bloqueados pelo mar de demônios que o cercavam, ele gritou. Um último grito saiu pela sua garganta, que segundos após, foi aberta por não uma, mas dezenas de unhas. O sangue jorrava. O homem sentiu suas pernas fraquejarem, e caiu. Sua vista escurecia à medida que ele fitava as estrelas na penumbra da noite. As estrelas eram substituídas pelos famintos e delirantes olhos dos demônios, que agora dilaceravam todo o seu corpo, e se esbaldavam no banquete.

O sono quase o envolvia completamente, quando ouviu passos no andar debaixo. Sentou-se na cama, animado. Papai havia chegado! Fitava alegremente a porta, à espera do pai. Ouviu passos à escada. Eles se aproximavam da porta. Um cheiro de carniça fez o rosto do garoto contorcer-se numa careta de nojo. Os passos cessaram. Ele olhou debaixo da porta, e já sabia. A escuridão se aproximava.

Carol Santucci
Enviado por Carol Santucci em 16/07/2011
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