"Canibalismo Deteriorado"

“Canibalismo Deteriorado”

Por Eduavison Isaac “O Garoto Artificial de Plástico”

A vida de G. Lara não lhe parecia uma desgraça, deferentemente daqueles que a rodeavam, pois sofriam com a demência desta criatura que cometeu um dos mais opróbrios atos contra o homem, contra aqueles que já não existem mais.

Mas é digno de perguntar: Em condições como essas, é certo culpar e julgar essa moça semi-insana?

Senhoras e senhores leiam o seguinte relato infame e respondam essa pergunta acima.

G. Lara parecia ser normal fisicamente, mas suas faculdades mentais eram distorcidas, pelos cromossomos deficientes.

Era, acima de tudo, singular a dieta dessa garota. Pois ela era intolerável a todo o tipo de alimentos, sejam grãos, sejam laticínios, sejam carnes etc., a não ser uma carne preparada especialmente para ela.

Lara só era tolerante às carnes em decomposição e foi assim por toda a sua vida, até que um fato lhe mostrou novos caminhos para a própria satisfação.

A moça descobriu um gato morto que jazia no quintal de sua casa. Aquele negro corpo estranho lhe chamou à atenção. Desprovida de medo e excitada pela curiosidade ela se aproximou e sentiu o odor que lhe era muito similar.

Lara salivou com o perfume miasmático, seu baixo-ventre sorria e sua vontade aumentava, e sem pensar comeu com muito gosto os olhos verdes enigmáticos repletos de larvas que se contorciam ante a Morte, comeu também parte dos músculos e alguns órgãos internos que sofriam com a gangrena.

Mágico, para ela foi surreal, pois ela viajou em paraísos artificiais ao comer daquela iguaria exótica. Esta sensação é para nós como comemos chocolate pela primeira vez.

Certo dia a mãe de G., havia mencionado num copo abandonado no mato, perto de sua casa, já estava morto à cinco dias e estava em estado execrável de putrefação.G. entendeu o que aquilo queria dizer, e com muito esforço ela percebeu, e sua boca se encheu de água com a descrição mortiça e grotesca da mãe.

Essa idéia a perseguia, as palavras “carne/homem” não paravam de ser proferidas de seu paladar, bem como aquela torpe e repelente salivação. Mas ela não sabia onde encontrar a “carne/homem”. E foi necessário que algumas semanas se passassem até ouvir sua mãe mencionar no cemitério, onde o irmão acabara de ser sepultado.

Aturdido e confuso o seu cérebro conseguiu raciocinar e por infeliz coincidência a igreja ficava à frente de sua casa, e posteriormente à igreja, estava o cemitério que guardava todos àqueles que jaziam.

Em plana madrugada G. Lara saiu de sua cama ainda de camisola, e seguiu para o cemitério. Ela não sentia medo algum ao sair no meio da noite, até penetrar na igreja, onde sentiu um calafrio enervante, a igreja a amedrontava por isso ela seguiu direto para a necrópole.

Andou por todo o local, mas não viu nenhum defunto, ao menos para ela que não deduzia que os mortos eram sepultados em cubículos sufocados nos túmulos.

Mas após uma busca mais apurada ela viu uma coisa que lhe chamou a atenção: havia mais alguém vivo no local, que estava violando uma sepultura. G. não se assustou com a presença do individuo, pois sabia que ele estava vivo e ela tinha certeza de era aquilo, que estava inumado, que ela procurava, sentiu o cheiro acre que exalava dali.

Lara foi até a cova, e o padre (que abriu a sepultura para ficar com os pertences preciosos que iam aos dedos e pescoços dos mortos), levou um tremendo susto quando viu o vulto da moça se aproximando barbaramente, pois o padre profano pensou que era o espírito de um daqueles que ele violara em seu sono eterno.

Mas ele percebeu que não passava da louca varrida que morava bem ali em frente. E seus olhos herméticos queriam ver o espetáculo da desgraça da moça. Ele, apesar de seu status e poder piedoso, não ousou interceptar os desejos de Lara. Porque o padre sabia que ela ia fazer, pois os olhos dela diziam tudo.

Ela arrancou a cabeça do cadáver e a segurou pelos cabelos e antes de devorar a exalou profundamente como se fosse o mais doce perfume.

Os olhos foram à “entrada”. Com a outra mão ela enfiou no pescoço e retirou toda a carne esverdeada que conseguiu apanhar mastigar, apreciando o sabor nauseante.

O padre desapareceu para fazer duas ruínas que se dividiria em dois estados: Céu e inferno.

G. lambia os dedos, e soltava gargalhada. Sentia uma espécie de orgasmo numa profusão de dopamina. Mas ainda faltava a “sobremesa”.

Com um puxão ela arrancou o braço da defunta, que minguava um liquido amarelo como o pus. E o odor desse suco cadavérico era tão e mais podre do que as carnes.

Por fim ela sorveu algumas gotas dessa poção macabra e seu paladar estava como seus olhos, delirantes, prestes ao cume do mais alto deleite.

E quando Lara se preparava para sair chegou o padre com a “inquisição” que flagrou esse ultimo ato ultrajante.

Ingênua ela ria a todos os clérigos que ali estavam ostentando o ouro que roubavam conscientemente das sepulturas desse mesmo cemitério, mas em condições mais sorrateiras e depravadas. E estes já tinham decidido o destino dessa criatura: A fogueira.

Com todo esse relato, com alguns detalhes insólitos e sórdidos, refaço a pergunta inicial: em condições como essas, é certo culpar e julgar essa moça?

lord edu
Enviado por lord edu em 07/12/2006
Código do texto: T312091