A Voz do Medo

Pedro sempre acreditou quando o pai, Fábio, lhe falava sobre as coisas da vida. Por isso, não choramingou nem resmungou quando o seu Super-Homem pessoal lhe disse que tivesse calma, pois o medo que tinha do escuro iria passar quando crescesse. Mas ainda faltava muito para Pedro crescer.

Fábio fechou o livro de histórias que os dois liam juntos e deixou-o sobre a mesa de cabeceira. Puxou as cobertas com estampas do herói da TV preferido de Pedro até cobrir todo o corpo do filho, com exceção do rosto que parecia tanto com o seu. Depositou na testa da criança um beijo de boa noite e se levantou para sair do quarto.

- Pode deixar a luz ligada até eu dormir, pai? – murmurou o garoto, que não passava dos doze anos.

- Lembra do que o pai falou, filho? Tem que começar a ser homenzinho e dormir com a luz apagada, senão o medo não vai embora. – disse, pacientemente, com a voz mais tranquilizadora que podia extrair do cansaço de um longo dia de trabalho.

Pedro ficou um pouco em silêncio antes de falar, como que pensando em mais argumentos para fazer com que o pai deixasse as luzes acesas, mas acabou por simplesmente concordar.

- Tudo bem... Boa noite, pai. – disse, com a voz manhosa.

- Boa noite, filho. Durma bem.

E Fábio saiu do quarto, fechando a porta atrás de si, não sem antes passar a mão pelo interruptor, apagando as três lâmpadas que se dispunham a enfeitar uma luminária com o formato de um avião, onde duas delas simulavam os jatos propulsores e a outra representava uma brilhante cabine.

Pedro ficou de olhos abertos, fixando a visão nos três pontos no teto que ainda emitiam uma luz remanescente. E quando aqueles três pontos se apagaram por completo, ele pensou: Pelo menos um dia o medo vai embora. Um dia vou ser que nem meu pai e não vou ter medo de nada. Ao que o medo prontamente respondeu, naquela voz cavernosa e debochada que todos já ouvimos na propaganda de algum filme de terror: “Talvez, mas esse dia ainda não chegou, Pedrinho. Eu ainda estou aqui”.

O garoto puxou a coberta mais para cima, cobrindo metade da cabeça e fechando com força os olhos. A voz, então, sussurrou: “Não adianta fechar os olhos, Pedrinho. Eu não vou embora tão facilmente assim”. E, com o mesmo tom debochado e assustador com que sempre se dirigia ao pequeno: “Não esqueça que quando puxa demais a coberta, seu pé fica destapado, e quando seu pé fica destapado, eu posso pegá-lo”. Pedro não esperou que a voz terminasse de falar, encolheu as pernas e ficou completamente debaixo do cobertor com seus heróis que, ele sabia, não podiam ajudá-lo.

Diante da reação imediata da criança, a voz somente riu, maleficamente: “He he he, he he he...”.

Pedro não sabia se era apenas ele quem ouvia aquela voz. Nunca admitira a nenhum de seus amigos da escola que morria de medo de dormir sozinho, pois tinha pavor, também, de que seus colegas rissem dele como a voz fazia todas as noites. Contara sobre a voz aos seus pais, claro, e eles mesmos riram e disseram que era uma coisa boba, que iria passar. E embora Pedro acreditasse e amasse muito seus pais para pensar que mentiam, ele sabia que a voz não era boba e que não passaria.

Não se lembrava de quando a voz começara a falar com ele, mas tinha certeza de que ela nunca fora amigável. Desde a primeira vez que sentiu medo, sozinho, no escuro, ela se fez presente, sussurrando coisas terríveis que faziam seu coraçãozinho bater forte e a sua respiração entrar e sair pelo nariz, rápido demais.

Quando chegava a noite, depois que as luzes já estavam apagadas, e Pedro se lembrava que não tinha escovado os dentes, indo até o banheiro para fazê-lo, lá estava a voz, para sussurrar: “Melhor correr e acender a luz, senão eu vou te pegar”. Ou quando sentia muita sede e não queria acordar os pais para que lhe buscassem um copo de água, lá estava ela para debochar dele, naquele tom de voz malvado e perigoso: “É um longo caminho até a cozinha, Pedrinho. Será que você vai chegar lá antes que eu te pegue?”. Sempre a mesma voz, sempre com a mesma risada, que só podia vir de uma coisa feita de puro mal: “He he he, he he he...”.

Se Pedro despertasse no meio da noite com o pé um pouco para fora da cama, lá estava a voz para murmurar em sua orelha, de tal jeito que ele quase sentia o bafo quente na sua pele: “Ah! Que pena que você acordou, Pedrinho. Eu já ia pegar o seu pé e tirar teus dedinhos, um por um, para comê-los”. O pequeno se recordava que, quando era ainda menor, houve vezes em que a voz lhe metera tanto medo que fizera xixi na cama, chorando baixinho. Mesmo quando estava tão indefeso e amedrontado, a malvada não se calava, rindo dele com gosto: “He he he, he he he...”.

O pior era que a sua inimiga não aparecia somente quando o escuro da noite reinava. Numa tarde, quando pai e mãe haviam saído de casa e o deixado sozinho, brincando com seus bonecos, Pedro começou a ouvir estalos nos outros cômodos da casa. Tentou lembrar do que a mãe lhe dissera uma vez: “É só a madeira da casa estalando, meu querido. Não precisa ter medo”. Mas, nesses momentos, a voz falava mais alto: “Estás ouvindo esses barulhos, Pedrinho? Sou eu me aproximando, e vou te pegar”. Quando a voz estava por perto, a brincadeira com os bonecos de ação já não tinha mais graça. O coração se apertava, assim como as mãozinhas em volta dos brinquedos, e desse jeito ele ficava, olhando a porta com atenção. Às vezes ligava a TV, para que o som e as imagens o distraíssem, mas, de tempos em tempos, olhava para a porta com o canto dos olhos, e ouvia a voz rindo: “He he he, he he he...”.

Ela sempre falava com ele chamando-o de “Pedrinho”, como seus pais o chamavam às vezes, como a professora do colégio o chamava e como seus amigos o chamavam. Mas era diferente, muito diferente. Naquela voz, Pedrinho soava como o nome de algo a ser caçado e devorado. Algo indefeso, só esperando seu trágico destino.

E, naquele dia, ao se lembrar de todas as vezes em que a voz o assustara e incomodara, Pedro fechou os olhos com força, deixando rolar algumas lágrimas. Ele sabia que, eventualmente, dormiria e, quando acordasse, ela não estaria mais ali. Até pegar no sono, porém, o medo dominava seus pensamentos.

Do lado de fora, Fábio, que havia fechado a porta do quarto do filho e se encaminhava para sua própria cama, onde a esposa descansava, parou no meio do caminho. Pensou ter ouvido um barulho vindo da cozinha, arregalou os olhos para que eles se acostumassem melhor à escuridão e ficou atento. Enquanto estava ali, parado, fixou o olhar na janela da sala. Na cortina, as sombras do que acontecia do lado de fora se mexiam ameaçadoramente.

Foi então que Fábio a ouviu de novo, sentindo o coração se apertar e as mãos começarem a suar: “Olá, Fabinho. Sabe aquele barulho na cozinha? Sou eu, afiando as facas que irei usar para pegar você e sua família. E sabe aquela sombra que você viu na rua? Sou eu também, me certificando de que vocês não têm como fugir”. Ele engoliu em seco. Quando retomou a caminhada rumo ao quarto, ouviu-a sussurrar novamente, com aquele tom debochado que o amaldiçoava desde a infância: “É bom que deixe Pedrinho só, no escuro. Assim fica mais fácil de eu pegá-lo, sem que nem você, nem a Marcinha percebam”.

Pedro quase deu um pulo de susto quando a porta do quarto se abriu de repente. Mas era seu pai quem entrava e acendia a luz. O garoto não entendeu o nervosismo na voz do pai, mas sorriu, aliviado, quando este lhe disse:

- Pode dormir com a gente hoje, Pedrinho.

Na cama, juntos, estavam tranquilos. Para Pedro, ali estavam sua mãe e seu pai, que prontamente o defenderiam de qualquer ameaça que sua inimiga pudesse representar. Para Fábio, a porta fechada do quarto e a presença da mulher e do filho eram reconfortantes, sabendo que ele poderia enfrentar o que pudesse aparecer, se disso dependesse a proteção e a segurança de seus amores.

Mas na cozinha, na sala, do lado de fora da janela, no banheiro, no armário de Pedro, debaixo do carro na garagem, através do corredor e dentro de suas cabeças a risada continuava, tão maligna quanto era quando o pai do pai do pai de Fábio a ouvia:

“He he he, he he he...”.