A Marca da Lua

A garota tornara-se o centro das atenções ao adentrar aquele restaurante no posto de gasolina no meio da BR-316. A clientela era formada por uma dúzia de caminhoneiros, e cerca de oitenta estudantes a caminho de um congresso nacional de qualquer coisa que viajariam mais algumas centenas de quilômetros de ônibus até seu objetivo. Todos interromperam suas refeições ou conversas quando aquela jovem de não mais do que vinte e cinco anos cruzou graciosa as portas do restaurante e adentrou o salão. Usava calças jeans tão apertadas quanto sua bela fisionomia lhe permitia, que contrastavam enormemente com os coturnos enlameados, na parte de cima, trajava uma camiseta vermelha sem estampa e uma jaqueta de couro preto que formavam a silhueta de seus seios, nem grandes, nem pequenos. Sua pele era branca, tão alva que nem se notava a palidez, havia ainda os óculos escuros Ray Ban que lhe cobriam quase metade do belo rosto, o que chegou a gerar piadinhas entre algumas das moças, afinal, já eram quase dez da noite.

Michelle sabia que todos ali a olhavam, sabia que todos os homens ali a desejavam naquele momento. Sem dar atenção nenhuma aos marmanjos maltrapilhos ou ainda aos jovens viajantes rumou a uma mesa no canto da espelunca, sentou-se e sinalizou à garçonete pelo cardápio. A mulher de lá seus trinta e poucos anos aproximou-se da moça de jaqueta estendendo-lhe a carta com uma das mãos, sem demora alguma, a garota mostrou a face do cardápio para a garçonete apontando um dos pratos listados.

- Manda fazer esse aqui. – dizia a garota apontando para um dos pratos da lista, cuja voz reverberava na mentes dos homens que sentavam próximos a ela e puderam experimentar, ou pelo menos imaginar, como as vozes de anjos poderiam ser – Só a carne, e mal passada.

- Vinte minutos. – respondeu a mulher. E pra beber?

- Depois eu escolho. – fora a melhor resposta na qual conseguira pensar.

Abaixou a cabeça e, despercebida, começou a desenhar um círculo na mesa com a unha do indicador direito.

- Cuidado aí, linda, vai machucar a unha. – disse o estudante já se encostando em sua mesa, ela sabia que isso era impossível, bufou. Pena não ter sido o suficiente para afastá-lo. – Posso sentar? – ela olhou para o rosto do rapaz, devia ter a mesma idade que ela, bonito, talvez o mais bonito do lugar, tinha cabelos castanhos, curtos, e olhos verdes, pendurado ao seu pescoço havia um crachá de identificação dizendo o nome do evento ao qual se dirigia e seu nome, Luis Couto. Ele não esperou ela responder e puxou a cadeira, sentando num movimento rápido.

- E então. Meu nome é Luis, – disse num sorriso bobo apontando o crachá – e o seu?

Demorou um pouco para responder, pensava em quantas mil maneiras poderia arrancar do rosto dele aquele sorriso jovial, maneiras de afugentá-lo, de fazê-lo correr dali. Mas por outro lado, recordara que seu dinheiro já havia acabado colocando gasolina no carro há duzentos quilômetros dali.

- Michelle... – dizia ela devagar enquanto tirava os óculos escuros. Ao colocá-los sobre a mesa, deu-lhe uma profunda olhada nos olhos. O rapaz estremeceu e engoliu o sorriso, nunca em sua vida havia visto tamanha beleza, tampouco em sua curta vida havia sentido tamanho desejo, recostou-se na cadeira e cruzou as pernas, tentando disfarçar o princípio de uma ereção. Os olhos da moça eram cor de mel, e o garoto podia senti-los olhando bem dentro de sua alma, era como se ela soubesse de tudo sobre ele, como se ela fosse a mulher que ele nasceu para ter, estava naquele momento perdidamente apaixonado. Em sua mente via apenas uma cena, em sua mente um beijo apaixonado iria explodir bem ali, na mesa de um restaurante de beira de estrada, de onde partiriam para um lugar mais reservado, o carro dela, ou até o matagal atrás do restaurante serviria perfeitamente, mas isso era o de menos, Luis queria casar com ela, ter filhos e envelhecer ao seu lado. Tudo isso numa fração de segundo.

Michelle sabia o que acontecia, sabia exatamente o que estava deixando o jovem tão excitado, e depois de dois longos anos, ela já havia aprendido a conviver com aquilo, havia aprendido também a tirar proveito das situações que aquilo propiciava. Eram feromônios.

O rapaz parara de falar, o que era ótimo. Pois ela já começava a sentir o delicioso aroma vindo do prato que a garçonete que saia da cozinha carregava na bandeja. Era um grande pedaço de carne que ainda sangrava.

Teve que fazer um pequeno esforço para não ceder a seus instintos, e conseguiu pegar os talheres delicadamente, há dias não se alimentava, e não estava com um pingo de paciência para ser educada, mas havia gente demais em volta e ela chamaria uma atenção que não queria pegando a carne com as mãos e rasgando-a com os dentes. O rapaz com o cotovelo à mesa e a mão no queixo não fazia nada além de observar cada movimento dela, cada naco de carne sangrando que ela cuidadosamente levava aquela linda boca, de onde vez ou outra uma gotícula de sangue escorria e era limpa com a língua e o lábio superior. Findada a refeição, ela pegou um guardanapo de papel e limpou a boca enquanto chamava a garçonete.

- Uma água, por favor. – A garçonete deu meia-volta e rumou em direção à geladeira, Michelle fingia tatear os bolsos da jaqueta procurando por algo. – Poxa, esqueci a carteira no carro. – disse ela num meio sorriso olhando o rapaz sentado a sua frente – Espera um instante aqui que já volto. – ela conhecia o que aconteceria a seguir. Levantou-se e foi caminhando para fora do restaurante.

Entrou no carro estacionado a alguns metros, uma pick-up S-10 e esperou alguns segundos. O rapaz atravessava a porta de saída do restaurante sorrindo com uma garrafa de água mineral em uma mão e os óculos escuros deixados sobre a mesa na outra. Demorara menos do que calculara, a moça deixou o carro quando o rapaz se aproximou.

- O que você está fazendo aqui? E a conta? – Ela sabia a resposta.

- Ta paga já. – dizia ele sorrindo, esperando ser recompensado.

- Entra no carro. – disse ela curtamente entrando novamente e fechando a porta. Ele obedeceu. Ela deu a partida assim que ele fechou a porta, engatou a marcha ré e arrancou.

- Ei! Peraí pô! – protestou o rapaz assustado – O ônibus já vai sair.

- A gente pega eles lá na frente.

O estudante não conteve a excitação dessa vez, puxou o cinto de segurança e afivelou-o quando já estavam na estrada, Michelle não sabia pra onde levá-lo, nunca havia estado ali, só sabia duas coisas naquele momento. A primeira, era que não estava satisfeita com aquele pedaço de alcatra. A segunda, a lua cheia logo iria aparecer.

* Este texto não é apenas um conto, trata-se do prefácio do livro em que estou trabalhando, gostaria de opiniões.

victor
Enviado por victor em 05/08/2011
Código do texto: T3140416
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