“Adalgisa”.

Nossa comunidade tem muitos membros.
Gente de toda idade sexo e cor.
Vieram para cá em épocas diferentes.
No princípio, era apenas um prédio desabitado aguardando demolição.
O dono não se interessou, pois o preço para demolir, ficaria pouco menos que construir.
Enquanto não se decidia, morreu.
Os herdeiros entraram na justiça, mas enquanto não resolver continuamos aqui.
Tudo começou há tempos atrás. Naquela época, morava eu e mais dois indigentes.
Talvez andarilhos, ou bêbados não sei, não éramos amigos só nos tolerávamos.
Foi nessa época que aconteceu, apareceu em nossas vidas Adalgisa.
Filha de dono de mercado, de posto de gasolina, da farmácia.
Enfim tudo que rendesse algum dinheiro era dele ou explorado por ele.
Morava em um palacete cheio de empregados.
Quando passava empinava o nariz como se fosse a rainha Vitória.
Era muito bonita, mas aquela beleza misturada com maldade, de gente sem sentimentos, que odeia pobre.
Ah! Eu também a odiava com a mesma intensidade.
Um dia princesa, eu te pego e arranco todos estes dentinhos brancos de canjica e taco fogo neste cabelo louro escorrido, tu vai ver bicho cão.
Mesmo com todos estes pensamentos negativos ela brilhava.
Eu era moreno claro, órfão de pai e mãe, gostava de uma droga, cigarro, maconha, pinga o que tivesse.
Não era ladrão, era oportunista, uma bolsa, uma carteira, se houvesse oportunidade, um toca fitas.
Adalgisa era branca leite, cabelos loiros, compridos, e aqueles dentes que dava ódio, pareciam teclas de piano. Um dia os arranco com alicate.
O que mais me irritava era aquele ar de nojo, asco quando cruzava comigo.
Naquele dia resolvi, vou dar um arrasto, um chá de sumiço depois vou tratá-la do meu jeito.
Quando saía da escola por volta de meio dia, passou defronte o prédio que morávamos.
Peguei-a pelos cabelos sujeitando-a, cala a boca para não sofrer e arrastei-a para dentro do prédio em ruínas.
Quando viu que estava realmente perdida, tentou dialogar.
Eu tenho dinheiro dou para você, peço para meu pai.
Agora né safada, quando passava na rua custava dar um bom dia?
Uma moedinha? Mas não virava a cara...
Bati nela primeiro com tapas, depois fui tomando gosto dei socos e pontapés.
Você ainda não viu nada, vou quebrá-la ao meio.
Isto se não resolver outras coisas.
Bati em sua boca e quebrei alguns dentes, mas eu a queria humilhá-la, fazê-la pagar toda sua arrogância.
Queria que ela reagisse, sua passividade me deixava com mais raiva ainda e eu batia.
Seu estado era precário, roupas, cabelo, rosto, quase deformado.
Aí aconteceu uma coisa, aquela maldade que eu via nela aflorou.
Rangendo os dentre quebrados, ela começou a virar o monstro que realmente era.
Pegando uma faca de cozinha que havia usado para sujeitá-la, voou sobre mim.
Tentei fugir e tropeçando caí de costas.
Ela gritava, não sei se risada ou choro, usou aquela faca com maestria, como um cirurgião.
Desfigurou-me o rosto, depois penetrou com a faca e as mãos o meu peito procurando o coração.
A última coisa que vi antes dela arrancar meu coração foi meus dois colegas mendigos adentrando o salão.
Foram também trucidados com a mesma maldade, ela decapitava como um açougueiro.
Com a terrível gritaria, atraiu uma viatura policial para averiguar.
O primeiro policial recebeu uma facada no peito e rolou junto conosco.
O segundo descarregou sua arma na megera antes que também ela o acertasse.
O caso Adalgisa abalou a opinião pública.
Como uma moça de bem se envolveu com uma escória de drogados.
Ninguém sabia, apenas eu que ela nada tinha a ver conosco.
Fui eu que a arrastei para dentro do prédio.
Curiosamente, agora moramos todos juntos aqui no prédio em demolição.
Agora somos um time e aguardamos casais, um bêbado solitário, ou algum usuário de drogas, que adentre o prédio, desfrutando a paz local.
Nós apenas assustamos, mas ela com sua faca faz com que se torne  mais um adepto.
O prédio em demolição agora é evitado por todos, pois sabem que em seus salões fétidos, se encontra Adalgisa aguardando...aguardando...

                                         Oripê Machado.



Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 27/12/2011
Reeditado em 05/01/2012
Código do texto: T3408407
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