“Eu vi um Gnomo”.
 

Sei que sua primeira idéia seria: "louco", "pirado", "visionário"... Também pensei... Mas depois analisando, porque faria isto? Quem gostaria de ser taxado de mentiroso? Vamos aos fatos...
Primeiro: sou viciado em carne de porco. Faz mal para a saúde. Talvez faça, mas fora você só o porco que não gosta de ser comido. Bem, gosto de carne de porco e minha esposa mesmo contrariada, faz para mim.
Meu nome é Itamar, tenho sessenta anos e moro em uma casinha nos arrabaldes da cidade com minha esposa Ofélia. 
Comecei a trabalhar cedo, era motorista de caminhão. Depois de trinta e cinco anos, me aposentei.
Nossa vida se resume a pouca coisa. Ofélia faz o café, trata dos passarinhos, embora que este serviço é meu, e arruma a casa. Eu levava o cachorro para passear, mas acho que ele resolveu se aposentar e fugiu de casa.
Isto já faz quinze dias.
Bem a carne de porco eu compro um quilo, que como dois dias seguidos, no almoço e janta.
O açougueiro velho conhecido, me prepara uma carne caprichada sempre às terças feiras, porque a carne é entregue às segundas e ele tem que cortar e preparar para a venda. Então vou lá terça feira e está tudo pronto.
Bem, terça feira me levanto, tomo banho, café, leio o jornal, por volta de nove e meia vou ao açougue.
De minha casa até lá deve dar uns vinte e cinco minutos. O caminho é arborizado e tem poucas casas.
Pela metade mais ou menos tem uma árvore diferente, baixa, mas encorpada cheia de galhos de pequenas folhas bem verdes, mas são tantas que a árvore fica escondida, nunca tinha prestado atenção.
Quando passei por ela ouvi um barulho rouco, um rosnado, ou gemido.
Retornei com a carne e prestei atenção, mas não ouvi mais nada, caminhei alguns passos e ouvi nitidamente alguém me xingar, não entendi o que falou, a voz era grave e forte. Não vi o que era, pensei: "Estou na idade de ver coisas, então ouvir faz parte" e fui embora.
A semana passou rápido, só não voltei para lá para... na verdade estava com medo.
Na terça feira, tive que passar por ali para buscar a carne. Aparentemente nada havia, meu receio era infundado. Vendo que estava tudo calmo, num ato de bravura afastei alguns galhos, como se fosse uma cortina. O sangue fugiu-me da face. Fiquei cara a cara com uma enorme cabeça. Enorme cabeça com capuz, igual os sete anões. Saiu-me da boca sem querer..
- Ah!.. Um anão.
– Além de velho é burro? Não sabe o que é um Gnomo?
Nada respondi, a tremedeira, o coração disparado não me deixava falar.
– O gato comeu sua língua?
- Naaão... Desculpe Senhor, não esperava encontrar ninguém aqui.
- Lógico que esperava, desde a semana passada você esperava me ver. Mas eu também esperava te ver, você é hilário, muito feio.
- Curiosamente o Senhor Zangado é a antítese, é muito lindo, deve ser um príncipe não?
- Não mexa comigo, você não sabe que sou rei? Um Rei Gnomo e posso lhe dar alguns aborrecimentos.
– Tenho certeza disso meu senhor, realmente só não encontramos pessoas para fazer o bem, mas maldades, o senhor acaba de me conhecer e já está propenso.
- Você é um linguarudo.
– E o senhor mal humorado, seu nome é zangado não?
– Já te falei que não sou um anão, sou um Gnomo.
– Tudo bem, o Senhor tem razão, até logo e obrigado, foi bom conhecê-lo.
– Quem mandou você ir embora? Eu não te liberei. Além de tudo é folgado.
- Se eu tivesse seu tamanho teria mais cuidado.
– O que um velho como você poderia fazer com um Gnomo?
– Se continuar assim o senhor saberá em breve. Bem vou buscar minha carne.
– Sabia, você é carnívoro, só poderia ser.
– O senhor come o que? Pepitas de ouro?
– Flores rapaz, flores. Te aliviam, dão sabedoria, longevidade.
– Bom eu cheguei aos sessenta e nunca comi uma florzinha.
– Por isto é que está acabado, não vou dizer minha idade, mas tenho muito mais que você. Embora não saiba, o que é sessenta anos?
- Desculpe realmente sessenta anos é a soma de sessenta vezes, trezentos e sessenta e cinco dias, que tem vinte e quatro horas, que é um dia e uma noite. –Complicado não?
– Não consegui entender nada.
– Tem gente que vive aqui a vida toda e não entende também.
Ele riu amistosamente.
– Você tem família filhos coisa assim?
- Não. Tenho só esposa, os filhos cresceram e foram embora constituir nova família.
– Comigo é diferente. Ninguém pode ir embora.
– Quando um jovem casa como fica a situação?
– Aí é diferente.
– Não... É igual. Se eles ficam com os pais, a moça vai abandonar a família.
Ele amarrou a cara, eu tinha razão.
– Mas não fique triste, pois você ganha mais liberdade e sempre poderão visitá-lo.
– Não vem... Eu menti para você, todos foram embora.
– Sei que você é um cara legal, mas mantém uma postura muito enérgica e isto atrapalha um relacionamento.
– Mas vão pensar que eu sou um fraco.
– Ou que você é um forte, que não se ofende por pouca coisa?
– Tenho que ir embora. Posso visitá-lo terça feira?
– A árvore não vai sair do lugar.
– Lembra do que te falei sobre postura?
– Tá bom aguardarei tua visita. Meu nome é Itamar e o seu?
– O meu é...
- Bem não consigo pronunciar posso chamá-lo de amigo?
- Pode. Então até a semana que vem amigo.
Com o passar do tempo me simpatizei com o Gnomo. Ele também parece que gostou de mim. 
Tentei contar para minha esposa e tomei uma reprimenda.
- Você falou que havia parado de beber.
Não comentei mais nada.
Trocávamos informações, eu falava dos nossos costumes e ele falava dos deles.
Certo dia adoeci, o médico me visitou e após os exames falou.
– Seu coração está muito fraco.
Chamou minha esposa e falou para ela estar preparada, pois meu coração podia parar de repente.
Ela não conseguiu contato com os filhos, então ficou ao meu lado.
Duas e meia da manhã de um dia qualquer batem a porta. Eu mal podia me mexer de tão fraco estava.
Minha esposa foi atender e voltou pálida.
– Tem um anão ou sei lá o que, está na porta.
Ele já havia entrado. 
Enquanto ela boquiaberta assistia, ele falou:
- Parece que você não está bem.
- É meu amigo, estou morrendo.
– Realmente somos amigos?
- Sim, eu o considero. E acho que você é meu único amigo.
- Foi bom te ver.
Sua roupa tinha bolsos enormes e de lá ele tirou um saquinho.
– Preciso que os dois bebam.
– Mas ela não está doente.
– Está tanto quanto você.
Ela arrumou água e ele colocou uma quantidade de pó. Mandou-a beber, ela bebeu, em seguida foi a minha vez. 
Ele pediu para ela se deitar ao meu lado.
Ela deitou-se e ele falou:
- Não voltarei mais porque depois disso vão me procurar e não posso nem quero contato com outros de sua raça.
Praticamente desmaiamos. 
No outro dia eu estava bom e minha esposa estava com uma disposição maravilhosa.
O médico fez exames e falou.
– O Senhor acredita em milagres?
- Sim. 
– Então aconteceu um milagre, você está perfeito, seu coração está normal.
Este segredo dividimos por mais de cinqüenta anos. 
Ficamos à disposição do governo, pois não sabiam de onde vinha tanta jovialidade.
Minha esposa morreu com cento e quarenta e dois anos e eu estou com cento e setenta e três e ainda me sinto muito bem.
Infelizmente não sei a composição, mas parei de comer carne de porco, viramos vegetarianos, tentei comer flores, não consegui.
Amigo, onde você estiver se conseguir, venha conversar comigo.


Oripê Macha
do.
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 16/01/2012
Reeditado em 17/01/2012
Código do texto: T3443324
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