“Uma história de Saci”

Era uma colônia muito humilde. Como era época de entre safras. Não havia serviço, então os patrões só mantinham algumas famílias, pois o serviço caía a dez por cento. Na época de plantio e colheita todas as casinhas ficavam ocupadas. Mas nessa época, só empregados efetivos, que faziam a seleção de sementes para o plantio, consumo e vendas. O lugar ficava ermo. Senhor Sebastião, caboclo cru, sem cultura nenhuma e nem religião, além do que gostava de dar um tapinha na marvada (tomar uma pinguinha, depois mais uma, mais uma, sabe como é). Quando chegava à casa todo cheio de razão ainda brigava com Dona Altamira. Dona Altamira, beata, rezadeira, era antítese do marido. Nesta época era quaresma, semana santa. Ela pediu para o marido que tomasse cuidado porque os (portais do mal) estavam abertos, e ele pelas estradas, de madrugada, poderia encontrar o Saci ou outra coisa ruim. Tocado pela bebida xingou vociferou. –Se ele vier vou bater de chicote e domá-lo como cavalo. De dia realmente, sem a pinga o Senhor Sebastião era ótimo domador, mas nada de Saci ele conhecia. Passam-se as horas, Dona Altamira dorme placidamente. Senhor Sebastião em estado etílico não conseguiu, anda pela casa. De repente, ouve-se ao longe um galope. Pelo barulho parece um grande cavalo, e deveria, pois a cada duzentos e cinqüenta metros tem uma porteira, para separar os animais em pastos diferentes. A impressão que estariam todas abertas, porque o cavalo passa  a galope. Incrivelmente o homem sara. Some todo o álcool do corpo, seu estado muda de ébrio para covarde. O cavalo se aproxima da casa e começa a dar voltas sempre a galope. Detalhe... a casa é cercada, ninguém consegue dar a volta nela, porque tem cercas de contenção, sem porteiras para os animais não estragarem a erva e plantas de Dona Altamira. O medo do domador de Saci aumenta. Esquece a espingarda carregada na sala, o laço, o chicote que poderiam ser aproveitados para domar a fera e corre para o quarto. -Mira, Mira, (Dona Altamira), que acordou. Mira o Saci está aí. O cavalo parou na porta da frente. Ela estava fechada com grossa tranca de madeira. (O termo trancada deve se originar daí), que atravessava a porta larga de um lado a outro e se prendia à suportes fortes também. Não se usavam chaves nesta época no interior. (era casa humilde, fogão de lenha estas coisas). Para entrar precisaria que alguém de dentro, tirasse a pesada tranca. Mesmo assim o Saci desceu do cavalo e andou pela varanda com bota e espora fazendo barulho ao arrastar o pé no chão, ele saltitava. Ao chegar à porta esta se abre e a tranca cai ao chão, entra na sala. O Senhor Sebastião fica mudo, apavorado. Dona Altamira começa a rezar, ela conhece rezas fortes. A assombração caminha pela sala (saltita) caminha pelo corredor e chega à porta do quarto, antes trancada que se abre. Na parede sobre a cabeceira da cama do casal, está um retrato deles quando jovens. O saci estala o chicote que pegou na sala. As três pontinhas do chicote batem no retrato e atingem o rosto do rapaz que era Senhor Sebastião jovem. Corta-lhe a cara do supercílio ao queixo. Após fazê-lo dá uma risada sepulcral de gozação e faz o trajeto de volta, corredor, sala, monta o cavalo, dá uma ou duas voltas na casa, depois com aquela risada horrível, se perde na noite. Fora o retrato quebrado, e o corte no rosto da foto, nada na casa foi danificado, até as portas estavam fechadas normalmente. A vida do casal mudou. Para felicidade de Dona Altamira, após um mês doente, o Senhor Sebastião, que não dormia mais (medo do saci vir buscá-lo). Largou a bebida e virou assíduo freqüentador de igreja. A bem da verdade, virou rezador de terço. Só não melhor que Dona Altamira, porque ela já estava no negócio há muito tempo, desde mocinha. Mas quase empareava, perdia por pontos. Dizem até que benzia crianças e animais. Curava mordida de cobra, bucho virado e outras coisas de benzimento e reza, que não entendo muito. Mas ele fazia.
“O medo às vezes vira bom professor e esta aula o aluno nunca mais esquece.”
Os nomes foram trocados, porque este fato é verídico e de minha região. Conheci pessoas idôneas que afirmam de pés juntos, que assim que aconteceu. Eu não vi, mas de repente, na madrugada, corro a fechar a porta da frente, que dá para um pasto onde os animais comem seu capinzinho em paz. Mas de repente,... Começo a rezar, afinal não sou de ferro.
Oripê Machado.
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 22/01/2012
Reeditado em 22/01/2012
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